Transcrição do episódio 5 - Seis é o mesmo que meia dúzia?

 

CONVIDADOS FALAM: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão. (solicitar para gravarem e encaminhar para os hosts)

ANA KARLA: Hey, everybody! Este é o quinto episódio do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: “Seis é o mesmo que meia-dúzia?” Let’s que vámonos!

LETÍCIA: Olá, linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sejam bienvenidos ao quinto episódio do LinguasCast. Eu sou a Letícia.

DAVI: E eu sou o Davi. Hello my tongue twisters, welcome to our podcast.

LETÍCIA: O tema do episódio de hoje tá na ponta da língua e é o trabalho do tradutor.

DAVI:- E pra falar sobre ele nós convidamos Elton Luiz Aliandro Furlanetto, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), cidade universitária, e pesquisador do GREAT - Grupo de Estudos de Adaptação e Tradução.

Nossa outra convida é a Lorene Fernández Dall Negro Ferrari, tradutora pública e intérprete de espanhol e professora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, AngloHispânico Idiomas, para conversar sobre o trabalho do tradutor.

LETÍCIA:- Gente, nós agradecemos imensamente o fato de vocês terem aceito o convite da equipe do LínguasCast e … sejam bem-vindos!

LETÍCIA:- Professor, nós agradecemos imensamente por ter aceitado nosso convite para participar do episódio do  LínguasCast, seja bem-vindo!

PROFESSOR ELTON:- Obrigado, Letícia e Davi. É um prazer estar aqui com vocês principalmente porque eu acompanho o podcast desde o lançamento e sou um fã.

DAVI:- Aah, que legal!

PROFESSOR ELTON:- Então é muito legal, até me perguntaram aqui em casa, “assim você vai ouvir depois o seu episódio?” Eu falei claro.

DAVI:- (risos)

PROFESSOR ELTON:- É um é um momento muito legal de aprendizado de troca e enfim, sou um apoiador do do projeto e claro, então estar aqui tem duplamente um significado especial.

DAVI:- Ai muito bom, confesso professor que eu também escuto todos os podcasts, todos os episódios depois que a gente lançou. Gosto de ouvir de novo.

DAVI:- Pra começar então o episódio a gente gostaria muito que você falasse um pouco do seu trabalho enquanto tradutora assim. Que tipo de texto você traduz, quando e como você começou a traduzir?

PROFESSOR ELTON:- Bom, enquanto eu estava pensando, assim, eu sabia que talvez uma pergunta dessa viria. E aí, eu estava pensando, quando que eu comecei mesmo e daí eu eu eu enfim vou naquele momento quase de de de terapia né? Olho para minha infância eu volto pra momentos bem antes e eu lembro duma excursão que eu fiz na escola e a gente foi pra cidades históricas em Minas Gerais daí numa visita para um dos eventos lá que a gente tava fazendo tinha um casal de americanos e desde a época do colégio eu gostava muito da língua inglesa assim, né? Eu estudava bastante e sempre estudava além do que estava ali no livro, nas aulas, no material e daí foi a primeira vez que eu era nerd, tímido, muito introvertido, né? Não tinha muita facilidade de falar com as pessoas, mas eu fiquei com muita curiosidade de conversar com aquelas pessoas que não falavam português e daí eu comecei a puxar assunto com eles e conversei um pouquinho, eles viram que eu sabia um pouco de inglês e ficaram super contentes e tal.  E aí, todos os meus colegas em volta, começaram a pedir, que eu perguntasse coisas pra eles e dissesse o que eles estavam dizendo, e aí na verdade, não era muito uma questão de tradução, era mais de interpretação, né? Eu tava sem nem intérprete ali daquele grupo de pessoas, mas isso já me despertou, né? Já foi um primeiro evento ali que me marcou de um de um de alguma forma, né? Depois eu fui para faculdade, comecei a graduação em Letras e durante a graduação a gente não tinha, né? Era era bacharelado em licenciatura e tinham algumas disciplinas de tradução, mas não muitas e elas eram e eu não fiz nenhuma optativa de tradução durante a graduação como um todo, isso não foi uma grande preocupação e eu não fiz quase nenhuma disciplina é que envolvia questões de tradução, teoria da tradução, prática de tradução. Então é eu passei por esse processo  e também teve um momento de de um pouco de afastamento porque como eu gostava muito da língua inglesa o meu pai insistia bastante ele, ele trabalhava numa empresa, ele insistia que eu devia ir pro mundo corporativo trabalhar como tradutor, então traduzir documentos manuais e não sei o que e eu achava isso muito chato, eu sempre detestei o mundo corporativo, não me identifiquei nunca com esse tipo de de de mundo, né? É daí então eu tinha muito medo porque eu achava que se eu fosse pra essa área da tradução era isso ia vir e era exatamente o que eu queria fugir muito. Então, eu acabei fugindo um pouco da tradução, eu não me interessei muito, exatamente pelo fato de que eu achava que e enfim, se eu soubesse tradução, meu pai ia me enfiar em alguma empresa, alguma coisa assim. Só depois, na época do mestrado, é que eu comecei a de fato buscar mais, enfim, saber um pouco mais. E no doutorado eu fui fazer um doutorado sanduíche e estudando uma altura que é a margem de piercing e ela era poeta e daí uma amiga abriu um periódico acadêmico e falou assim, ela iniciou, um periódico acadêmico e falou assim pra mim, é  “Elton e faz um texto aí sobre a autora que você estuda”, aí foi o primeiro pedido dela, aí eu demorei um pouquinho e ela falou assim, não, não faz isso, faz o seguinte. Manda pra mim um uns poemas que ela escreve porque como a gente fala de poesia, né? Um um jornal de poesia, manda algum um poema que ela escreveu e tal e que você gostou, aí depois ela pegou e falou, não, em vez disso, você manda a tradução do poema, vê se pode traduzir, escreve para autora, pede permissão para publicar, e depois ela falou pra mim, não, eu não quero só isso, eu quero também cê vê que foi escalando, né, o pedido. Ela chegou e falou, não, eu quero que você faça um comentário, uma tradução comentada. Então, traduza e depois a sua tradução e eu nunca tinha feito isso, então, eu tive que pesquisar alguns artigos que eram  traduções comentadas e a partir disso é fazer o meu próprio texto, mas, enfim, ficou super ruim porque é, foi completamente sem muita teoria, não tinha ali muita teoria, foi completamente, e a partir de uma é impressão. Não era um texto em meio de impressões a respeito da tradução, é, mas isso me colocou em contato com a autora porque foi a primeira vez que eu escrevi para ela para pedir se podia traduzir os poemas dela e para publicar, né? E a gente estabeleceu uma conversa, um diálogo e depois uma amizade, e a partir disso, ela até me apresentava para as pessoas, como o tradutor é brasileiro dela e aí eu falava calma, eu só estou estudando os seus romances. A princípio não estava traduzindo, né? Mas disso foi o que me motivou a começar a traduzir esse romance dela, né? O que levou muitos anos.

LETÍCIA:- Professor, o que você diria que significa para você ser tradutor?

PROFESSOR ELTON:- Então, eu acho que é como, como processo, é pensando também refletindo sobre a tradução, estudando sobre a tradução, eu comecei a perceber que a tradução, ela, elas se compõem de várias formas, né? Ela é classificada de vários jeitos e daí a gente pode pensar na tradução intralingual, que é uma tradução que acontece de um da dentro da mesma língua, né? E eu pensava, puxa, como eu tô em várias situações sociais, eu vou pra vários contextos específicos, eu preciso modular a minha linguagem. Eu falo de um jeito com uma pessoa de outro jeito, com outra, e isso para mim, assim já tem algumas pessoas que vão dizer que isso já é uma espécie de tradução, então eu pego aquele, aquela minha língua e transformo então já dentro do meu próprio contexto social, é a tradução, e ela se tornava importante para que eu pudesse navegar de uma situação para outra, né? Algumas pessoas até podem chamar isso de também de tradução sociolinguística. E tem que adaptar a sua forma de linguagem. Às vezes também, você está lendo um texto mais antigo, aí você quer pensar, como que seria isso hoje em dia também. Você pode fazer essa transformação, e aí eu acho que isso já é papel do tradutor. O tradutor está em funcionamento ali e aí depois disso, né? Pensando naquela naquela perspectiva já desde Babel, né, numa antiguidade e na, em uma espécie de necessidade humana, porque a gente estava em sociedades, em comunidades que eram vizinhas próximas, que tinha uma línguas diferentes, então o tradutor sempre foi uma profissão que funcionou para criar exatamente esses laços, esses vínculos. Então, para mim, essa ideia da tradução, ela é uma ideia que vai partir da sua própria língua, aí vai pra esse Interlingual e que vai também, pensando como você consegue se relacionar? É com essas outras culturas, com esses outros mundos, né? Cada língua é um mundo, e aí, quando você traduz, você consegue trazer para a sua língua, para o seu mundo elementos desse outro mundo não é deste mundo. E também tem a tradução intersemiótica, que daí vai pensar em diferentes linguagens e vai converter uma linguagem para outra. Quer dizer, ela vai desenvolver estratégias para passar de uma linguagem para outra, né? O texto escrito para imagens, as imagens para um texto e então eu acho que a tradução para mim, ela é, uma ferramenta fundamental para as pessoas conseguirem viver em sociedade e para essa sociedade conseguir de alguma forma, se é se preencher de novas ideias.

LETÍCIA:- Que legal essa ideia da navegação é muito legal assim.

DAVI:- Sim, eu gostei bastante. Professor, você quer complementar alguma coisa?

PROFESSOR ELTON:- Ia falar que tem muitos textos, que estudam, estava dando umas umas olhadas aqui, assim, alguns alguns teóricos, que vão estudar um pouco dessas metáforas da tradução, como que os tradutores foram, trato chamado, ou como a tradução foi definida, e ter essa ideia de ponte, essa ideia da navegação tem um monte de metáforas muito legais que são associadas a esse trabalho, esse processo da da tradução e também a figura do tradutor da tradutora.

LETÍCIA:- Que legal.

DAVI: Muito legal.

DAVI:- Professor, você falou de várias definições, do que é e do que significa, né? E esse ato tradutor? Mas a gente queria entender o que é traduzir para você. Se você tem um, essa definição pessoal, se ela perpassa assim, você de alguma maneira?

PROFESSOR ELTON:- Eu acho que sim, que pra mim, tanto que eu fiz a tradução, por exemplo, desse romance, né? A maior tradução que eu fiz era a ideia de compartilhar. Eu acho que para mim a tradução é essa, com esse compartilhamento. Quando eu aprendi uma língua estrangeira, eu me senti possuindo possibilidades ou, enfim, tendo uma espécie de privilégio de possibilidade de acessar coisas que eu não podia acessar antes. Então eu acho que, como eu não falo muitas línguas, a tradução para mim é essa maneira de acesso a essas ideias, a essas formas de de existência, de experiências de vivências. É pra mim essa ideia de compartilhar a partir do momento que eu traduzo para alguém que não fala aquela língua. Eu dou para ela essa possibilidade de partilhar desse conhecimento ou desse dessa experiência, enfim, tudo que que pode estar ali naquele outro mundo, naquela outra língua.

LETÍCIA:-  gente queria saber, então porque já que você falou um pouquinho antes, né? Sobre a questão do de tradução e de interpretação, quando você voltou lá na sua memória de uma ideia assim da tradução, e você se diferenciou ali, o aí era mais um trabalho de um intérprete. Como você definiria essa diferença entre um trabalho de um tradutor e o trabalho de um intérprete?

PROFESSOR ELTON:-  Quando eu fui fazer o doutorado sanduíche, eu fiquei um ano morando na Flórida e quando eu voltei eu consegui um emprego meio assim, foi por indicação mesmo, de uma amiga, e a partir de fazer o processo numa universidade em São Paulo. É no curso de tradutor intérprete, eles não tinham curso de letras inglês, só tinha letras português. E aí eu fui para esse curso de tradutor intérprete, mas eu falei, olha minha experiência, em tradução, interpretação é quase nada. Eu nem sabia direito o que que era a ativa, qual era a diferença entre as duas coisas, mas eu entrei para dar as disciplinas de língua inglesa, então como eu era, né? Estava dentro desse campo há muito tempo, para mim era tranquilo desde que eu não fosse exatamente para essa parte de trabalhar com questões de tradução, né mais mais teóricas e tal. E estando ali convivendo com as pessoas que estavam estudando esses elementos e com a equipe de professores também que compunha o corpo docente do curso. Eu aprendi muito e um certo momento, né? Eu comecei a orientar TCC e, na orientação do TCC, eu fui para a área que mais me interessava, que era a tradução literária, então também o como é que eu me orientasse? Eu não sabia muito sobre isso, então foi um momento de alto, é autodidatismo. E ali eu, na verdade, eu pedi para as amigas, né, me dão dicas aí de coisas que eu tenho que ler de materiais que eu posso trabalhar e aí a partir disso eu fui me instruindo até o momento que eu peguei as disciplinas de  tradução literária, por exemplo, é e tudo mais. Então eu aprendi muito nesse período, nesse processo e com as pessoas que estavam ali para aprender, para seguir seu ofício de tradutor e de intérpretes e evidentemente, foi criando, entendendo como que era esse campo, como ele se divide, né? E a interpretação, ela basicamente vai acontecer na modalidade oral. Então enquanto a tradução acontece por escrito, você pega os materiais escritos e aí traduz, para outra língua  você tem ali uma série de possibilidades, a tradução tem esse meio, o instrumento dela é escrita. A interpretação vai ser aquela tradução que acontece por intermédio da fala da oralidade. Então você escuta alguém falando e a fala em cima disso, então você tem a interpretação simultânea, que é aquela que você não tem previamente, não é uma preparação, você ouve, por exemplo, no Oscar, né? Quando tem aquela cerimônia do Oscar. Tem a pessoa falando, e aí tem ali a voz da pessoa que ouve e já faz essa tradução simultaneamente. Interpretação consecutiva, não é que vai ser a interpretação que vai é ouvir um determinado segmento do texto e depois de um tempo fazer a reprodução. Então em blocos, né? Quer dizer, não é tão rápido assim, não é tão simultâneo, é não se sobrepõem vozes. Você espera finalizar e aí vai, e daí eu percebi essa diferença, né? Eu já fiz alguns trabalhos de interpretação de maneira também de novo, eu me preparei, mas ao mesmo tempo eu não tive como. Eu não fiz o curso, né, de interpretação, eu não fiz, é. Foi bastante intuitivo e já recomendo, tipo, não façam isso, né? Façam curso é esse, se preparem algo de fato, porque vai ser bom para você, vai se você vai entregar um trabalho de melhor, contem com as pessoas que tem ali aquela preparação é melhor, porque não adianta só você saber as duas línguas, você tem que entender as técnicas de como fazer anotações, o que que você vai falar, qual a velocidade que você tem? A preocupação, por exemplo, se for uma palestra sobre elementos, me diz de medicina, né? Assim, instrumentos e tal, você precisa ter esse vocabulário você  tem  uma preparação antes e ter a uma espécie de de forma, né de comportar.

LETÍCIA:- Para a próxima pergunta, eu vou voltar um pouquinho nas suas memórias novamente. Aqui você falou que inicialmente você não se interessou pela tradução, principalmente pela questão do mundo corporativo, que ela mostrava um pouco desse caminho. E hoje, agora, assim, você diria que gosta de traduzir, por que que você gosta de traduzir se é uma atividade prazerosa pra ti?

PROFESSOR ELTON:- Conforme eu fui estudando mais é, eu fui aprendendo e descobrindo, né? As possibilidades são quase infinitas, né? Que a gente tem para trabalhar com a tradução, então de fato, eu percebo que existe um campo que é a tradução técnica que é completamente fundamental, não é para para que as pessoas consigam se comunicar e trocar experiências dentro desse contexto de produção e corporativa, né?E também existe a questão da tradução é, que seria a tradução técnica então de documentos, contratos eh eh e-mails, tudo isso vai entrar dentro dessa possibilidade ali eh de tradução técnica e também a outros tipos de tradução, como a tradução literária, que aí vai envolver aspectos de conhecimento da arte, da estética e isso me interessa de forma mais efetiva e outras coisas.

DAVI:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- como por exemplo a legendagem, né? A tradução do audiovisual, hoje em dia a gente tem bastante forma de dublar, muito programa dublado, mas a legendagem também né? Ela se coloca ali como uma peça fundamental do funcionamento da nossa sociedade hoje em dia pelo poder do audiovisual e também numa outra área que é interessante que é a da audiodescrição que está associada com essa questão da tradução que está ligada aos aspectos de inclusão, né?

LETÍCIA:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- Quer dizer, quando você tem ali para pessoas com eh, deficiência visual, você vai então fazer, por exemplo, um determinado vídeo e esse vídeo vai ser descrito, não sei se vocês já viram essa coisa da audiodescrição

LETÍCIA:- Uhum, uhum (risos)

PROFESSOR ELTON:- e áudio descrição, é, né, vocês tem a transcrição aqui, que também funciona dessa maneira né como um aspecto, eh, como um aspecto de inclusão também de formas de você acessar no no mas aí eu não chega a ser tanto uma tradução, uma vez que ela ela só transcreve né dentro da mesma língua, mas é uma, mas está dentro dessa mesma pegada de então tornar acessível e daí eu acho que eh pensando nessas muitas possibilidades da tradução e pensando que a tradução literária ela dá muito pano pra manga, eu comecei a gostar bastante da tradução. Pensando, essa é a minha praia eu não vou

LETÍCIA:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- Se alguém vier e falar assim “ah você traduz esse contrato?’ eu vou falar “não”, procure outra pessoa

DAVI:- Risos

PROFESSOR ELTON:- Que goste mais disso. Então eh eh fica mais nesse aspecto, né? Eu não preciso fugir porque ela me contempla de alguma forma. Então eu não preciso ter tanto medo dela ou enfim né? Pensar que só tem uma forma de lidar com ela.

DAVI:- Ai, muito legal. Professor, no começo do episódio você tinha mencionado, né, que é o ouvinte fiel do nosso podcast. Então, pra fazer essa pergunta, vou só recapitular o que a gente estava conversando, né? Nos últimos episódios, né? Principalmente no passado que a gente falou dos estereótipos das línguas e tal. Então a gente vem conversando um pouco sobre como e o quanto as línguas elas carregam as suas respectivas culturas, né?

PROFESSOR ELTON:- Uhum

DAVI:- e pensando nisso a gente queria saber como você lida com essas questões culturais quando você está traduzindo? Quer dizer, tem como ser cem por cento fiel? Então eu gostei de que você usou essa palavra, né? Essa palavra é uma palavra que aparece bastante nas discussões de tradução que é a questão da fidelidade né? Vamos ser fiéis e tal eh e daí eu já começo dizendo assim bom não gosto dessa palavra, né?

DAVI E LETÍCIA: Risos

PROFESSOR ELTON:- Eu acho que vindo de uma tradição assim do poliamor, né? Sendo o adepto do Poliamor e tudo mais, eh já começa por aí, né? A gente já pensa assim, tá o que seria essa fidelidade, né? Como que você eh eh pensa nisso e vários teóricos da tradução também vão recusar então essa ideia da fidelidade ela já tá um pouco ultrapassada, ela foi foi mudada assim,se deslocaram pra questão da equivalência e a própria equivalência também já não está mais tão dentro né? Do que as pessoas se propõem, elas hoje estão propondo a questão da correspondência. Então, a gente vai pensar nas correspondências entre as né? Entre as línguas e como você pode criar, fazer essa transposção, de maneira que você mantenha essa ideia de correspondência. Então isso corresponde a isso, mas isso não é isso, né? Então a gente tem ali dois elementos e duas questões que são diferentes, que são diversas e assim por diante. Eh eu acho que essa questão da da cultura, né? E como a cultura ela tá, ela faz parte da língua e não tanto da língua, mas eu acho que numa perspectiva do discurso, né? O texto é discurso.

DAVI:-Uhum.

LETÍCIA:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- E o discurso é essa mistura da língua as relações sociais, né? As relações de poder e assim por diante. Eh então eu vejo que ela vai tá sempre né? Vai sempre construir aquele discurso a partir desse ponto de vista e aí o ponto de vista é tanto individual quanto ele é coletivo e esse ponto de vista coletivo é o que a gente chama de cultura, né? É essa maneira de organizar o mundo, de organizar suas crenças, as formas e tudo mais. Então é realmente algo inescapável. Você está em contato com o discurso, você está em contato com esses elementos ideológicos e culturais e aí você tem que saber como lidar, enfim, né? Como você vai trabalhar com isso, uma das coisas mais difíceis de se pensar nesse sentido da cultura, né? E que coloca pro tradutor uma grande dificuldade é o humor por exemplo né? O humor ele se materializa de formas diferentes em situações sociais diferentes mesmo, quer dizer, o que é engraçado para pessoas dentro de uma mesma cultura mas que fazem parte de classes sociais diferentes

LETÍCIA:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- vai funcionar diferente né? Se a gente pega por exemplo o humor dos anos noventa aqui no Brasil, os programas humorísticos e a gente fica chocado com certas coisas que hoje a gente já não aceita, né?

DAVI E LETÍCIA:- Uhum, sim (risos)

PROFESSOR ELTON:- Então quer dizer, o humor é algo bastante representativo desse, ou que materializa muito desses elementos da cultura e que vai colocar para o tradutor uma dificuldade, uma né? vai apresentar ali uma coisa de, olha, não é bem por aí, olha, como é que eu faço, né? Porque isso é engraçado aqui nessa língua ou muito do humor às vezes é por meio de brincadeiras com palavras né? Com aquela ideia de, então, se você pega e meio que lida com isso, quer dizer, traz para outra língua, aquela piada não funciona mais, porque aquele tipo de trocadilho só funciona na língua original quando você traduz, então, eu vejo muito disso né? Assim, grande parte das legendas que são uma tradução muito dinâmica porque ela tem que ser rápida, ela perde completamente, porque eu dou risada e as pessoas que estão em volta falam: “mas você está rindo do quê?” Eu digo: ‘da piada”, mas a legenda por exemplo, não conseguiu recuperar, então eu acho que nesse sentido da cultura, pra gente pensar como a gente pode ser o mais correspondente possível é tentar trabalhar com os efeitos. Então qual é o efeito de sentido desse original e como eu posso ou como eu consigo atingir esse mesmo efeito ou um efeito similar né? que se aproxime dele nessa tradução e aí nessa espécie de jogo né? Nessa espécie de tentativa de descobrir isso a gente tem a né? Enfim, se depara com essa possibilidade da cultura mesmo né? De como trazer essa cultura e tudo mais. Uma outra coisa assim só pra finalizar né? foi uma coisa interessante, relembrando aqui agora, é que eu traduzi recentemente um texto de um indiano e o original não era em inglês mas como eu só falo em inglês e não falava a língua a língua original dele, eu vi os poemas na língua original, que era um alfabeto que nem é o alfabeto latino.

LETÍCIA:- Uhum

PROFESSOR ELTON:- E daí, mesmo nas traduções do inglês algumas palavras que faziam parte daquele contexto continuaram na língua original, então ali tinha ali uma palavra mestre,por exemplo, era a palavra que indicava o professor, figura de autoridade, tudo, mas dentro da língua original e daí eu mantive, aí às vezes é necessário então fazer uma nota de rodapé, é preciso fazer uma espécie de talvez uma nota do tradutor explicativa, eu gosto, eu até fico feliz quando algum livro traz isso, uma nota do tradutor que vai contar pra gente um pouco desse bastidores, né? Porque a gente não fica por dentro de quais foram as grandes dificuldades, né? Então, eh, quando tem alguma nota explicativa, nota de tradução e tudo mais, eu não pulo, eu vou direto pra ela, porque aí eu descubro um pouco desses bastidores, do que foi a grande dificuldade e como a pessoa, porque que ela resolveu daquela forma.

DAVI:- Uhum

LETÍCIA:- Uhum. Professor, a gente já está se encaminhando para o final e eu vou fazer uma pergunta que já é uma pergunta, que é o nosso, é de praxe, né? Aqui no podcast que é quanto da sua identidade, como pessoa, como sujeito no mundo, tem relação com as línguas que você fala e traduz e se você consegue se ver sem alguma dessas línguas?

PROFESSOR ELTON:- Ah eu acho que não,assim, muito está ligado a essa, eu sou uma pessoa muito curiosa e eu acho que essa curiosidade me define, me coloca até nessa posição né? De ser professor, de ser pesquisador, a gente tem que ser curioso, porque o mundo é muito vasto e ele tem muitas coisas ali pra gente, né? Que que vão. Então, eu sendo uma pessoa bastante curiosa, eu acho que acesso a línguas ou ter a tradução aqui de coisas que não foram originalmente pensadas em uma língua que eu desconheço, por exemplo, as línguas asiáticas, por exemplo e tal, isso pra mim é fundamental. Então, enquanto um curioso, pra mim, eu dependo dessas traduções, eu dependi, eu comecei a aprender. Então, assim, grande parte do meu mundo de leituras é em língua portuguesa de pessoas que escreveram em língua portuguesa originalmente e tudo mais. Mas quando eu descubro esse outro mundo e eu começo a fazer leituras e vou formando gostos e descobrindo coisas e aprendendo coisas a partir desse processo, né? E por intermédio da tradução ou do conhecimento dessas outras línguas é algo que não dá pra eu abrir mão, né? Dá pra voltar atrás, só dá vontade de de querer saber mais, de querer que as pessoas traduzam mais.

DAVI:- vou, a Le falou né? estamos encaminhando pro final e a gente começou essa tradição agora de abrir espaço pros nossos convidados, professor, pra eles falarem dos trabalhos que eles têm desenvolvido, que eles tão pesquisando, no seu caso traduzindo. Então, se você quiser comentar alguma coisa, divulgar algo que você está aí pra lançar, fica à vontade.

PROFESSOR ELTON:- Legal, obrigado pela oportunidade, né? E daí eu vou falar um pouquinho sobre alguns projetos passados e presentes e futuros, né? o presente eu acho que o trabalho que deu, assim, mais, que tá dando muita reverberação, assim, né? Nas minhas questões acadêmicas e também minha questão profissional e tal é a tradução do romance que eu estudei no doutorado, que é uma mulher no linear do tempo. Então, o próprio processo de tradução dessa publicação já está sendo uma novela, não vou nem contar pra vocês episódios e tal.

DAVI E LETÍCIA: Risos

PROFESSOR ELTON:- mas ela finalmente está prestes, né? Está em vias de ser publicada aqui no Brasil por volta de setembro, setembro, outubro é  o período vai ter então assim, enfim, vai chegar na mão dos leitores, das pessoas que apoiaram. A gente fez um processo de financiamento coletivo, né? Um projeto de financiamento coletivo e ele foi bem sucedido, então a gente tem como, né? viabilizar essa tradução e agora está naquele processo lá de compra dos direitos, diagramação do livro, os pontos finais assim desse processo editorial. Mas a tradução já está lá. Ela está passando por uma revisão final, né? Da editora. e daí então, e aí como o projeto já acabou, quer dizer o Catarse, ele durou sessenta dias, é possível hoje entrar no site da editora, que é a editora Mina, com dois N né? Minna e só colocar isso no Google e daí dá pra fazer compra, né? Tá em pré-venda o livro, essa tradução que eu fiz desse romance né? Que tem um, são vinte capítulos e demorei um tempinho assim na verdade desde o meu processo porque no meu doutorado o foco não era a tradução, o foco era o estudo crítico, né? Ele era crítico teórico mesmo do objeto literário então a tradução ela era um projeto meio que paralelo Além disso, eu também faço parte de um projeto que eu comecei com algumas amigas, né? Que se chama tradução em contexto. Então, a gente tem a gente escolhe alguns autores, principalmente autores em domínio público, algumas autorias na verdade, né? Porque são várias mulheres e eu e daí as mulheres traduzem todos autores homens e eu bati o pé e falei não quero traduzir autoras mulheres e daí eu estou traduzindo duas autoras mulheres né? Então a gente pega alguns contos desses autores clássicos e faz a tradução, aí edita uma edição bilíngue com notas, então as notas elas são notas de tradução, notas de língua e notas culturais em que a gente explora um pouquinho esse bastidores da tradução do texto todo que é inchado com essas notas contando um pouquinho sobre os bastidores dando algumas dicas sobre elementos linguísticos né? Que aparecem ali a partir do texto e aí é legal pra pessoas gostam da literatura, né? E pra pessoas também que ensinam, né? Professores e tudo mais, a gente propõe alguns exercícios no final também pra quem quiser fazer ou de aula, aí essa coleção já tem dois volumes publicados, na verdade três, são dois em língua inglesa e um em língua alemã e tem alguns em fase de produção, então a gente tem mais, eu tô traduzindo duas autoras né? Vai sair lá pro final do ano ou começo do ano que vem, tem mais dois autores também do século dezenove né? O Melvio Hearman Melvil e o um outro autor indiano e tem as edições em italiano e francês também que estão em fase de produção. Então essa coleção está crescendo, né? Está indo para outras línguas, mas ela está criando esse processo mesmo de trabalhar com as as bilíngues e a importância de trazer ali os dois textos e discutir a tradução com essas notas, né? Por meio, por intermédio dessas notas, dando algumas dicas e contando um pouco dessas dificuldades de tradução e levantando elementos culturais que aparecem ali de forma jogada né? E que talvez o tradutor tem que dar um jeito, mas que a gente pode explicar melhor trazendo maiores informações e tal por meio dessas notas que são né? Que acontece. Então, fiquem de olho pela editora Alexikus e daí a editora Lexus tá lançando, né? Já tem esses lançados e vai lançar mais algumas edições de outros autores da coleção tá crescente.

LETÍCIA:- Que legal. Que legal.

PROFESSOR ELTON:-  Eh trabalhando agora sim, tô traduzindo o meu volume.

DAVI:- Ai, muito bom saber professor

LETÍCIA:- que legal

LETICIA:- Professor

DAVI:- Pode ir, Lê.

LETÍCIA:- Não (risos), e agradecer, né? a sua participação, foi muito legal trocar essas ideias, espero que a gente possa se encontrar também pelos corredores aí e conversar um pouco mais porque sempre ficam coisas que a gente fica refletindo e pensando que podem suscitar outras coisas, né? na gente, essa questão da tradução e tudo é um assunto que muito nos interessa, assim, né?

DAVI: Nossa, sim

LETÍCIA: Foi um prazer te receber e te escutar.

Que bom.

DAVI: Nossa, sim.  Fico muito feliz.

DAVI: Inclusive, é diferente, assim, ouvir quem ouve a gente, né? Então, muito obrigada por você ter topado pro senhor participar, fica aí o agradecimento imenso mesmo.

Não, eu que agradeço e desejo muito sucesso, né? Pra vocês nessa caminhada e que o podcast tenha muitos episódios e com certeza vou ouvir todos. 

DAVI E LETÍCIA: Risos 

LETÍCIA: Obrigada, professor.

DAVI: Obrigada, profe.

LETÍCIA: Então, era isso, a gente encerrou. Muito obrigada mesmo. Vou repetir o que eu disse ali que vai aparecer na gravação. Eu espero que a gente possa se encontrar aí pra poder conversar mais porque eu gosto muito dessa questão do tema, da tradução e do subjetivo de quem vive isso assim, né? Que está envolvido. Então, espero encontrar contigo aí nos corredores pra gente conversar um pouco mais.

PROFESSOR ELTON: Naquele dia da festinha, né?

LETÍCIA: Aham.

PROFESSOR ELTON:  E se conhecer pessoalmente, falei, ah, você que é a Letícia que eu explico então, né? Já conhecendo o Davi e enfim, interagindo com ele, né? E aí conheci você também, me deixou super contente e eu acho que é isso, né? Eu sentia muita falta no ano que eu cheguei aqui e estava tudo a distância exatamente dessa ideia, né? Dos encontros fortuídes ali de corredor e de conversar com as pessoas, trocar uma ideia, pensar projetos que são ali no cafezinho, né? Você toma um cafezinho.

LETÍCIA: Uhum.

PROFESSOR ELTON: E alguém fala assim, por que que a gente não faz isso? E aí já começa várias mentes vão pensando e maquinando coisas, né? eu sentia muito falta disso e ter isso de volta, pra mim me deixou muito emocionado até no começo do semestre eu fiquei bastante emocionado de ter isso de alunos virem no final da aula e perguntar, ah, cê posso fazer isso? Posso fazer aquilo? E eu falava, nossa, todo mundo fechava o meet, né? Saía das, fechava as câmeras e não perguntava, não não tinha esse momento ali de ter, dessa abertura de a gente trocar ideias, de alguém fazer uma pergunta que, ah, eu não perguntei na aula, mas agora eu tenho coragem aqui que já saiu todo mundo.

DAVI E LETÍCIA: Risos

PROFESSOR ELTON: E aí ela joga aquela bomba, assim, no seu colo, vai embora e você fica pensando ali, dois, três dias

LETÍCIA E DAVI: Risos. 

PROFESSOR ELTON: … E ela joga aquela bomba assim no seu colo, vai embora, e você fica tentando ali dois, três dias, como é que responde aquilo. 

LETÍCIA: Uhum.

PROFESSOR ELTON: Acho que o presencial dá isso para gente. Enfim, por isso sou um adepto dessa ideia também, de vamos mesmo, vamos fazer. Se a gente não se encontrar, a gente faz alguma coisa acontecer para que a gente se encontre, algum evento, alguma celebração para que a gente consiga se encontrar e participar, por mais rápido que seja, sempre agrega. 

DAVI: Nossa outra convidada de hoje é a professora Lorene Fernández Dall Negro Ferrari, tradutora pública e intérprete de espanhol e professora de língua espanhola da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

LETÍCIA: Nós agradecemos imensamente o fato de você ter aceito o convite da equipe do Línguas Cast e seja bem vinda.

PROFESSORA LORENE: Na realidade, quem agradece sou eu ao grupo do Línguas Cast, por ter me convidado, isso para mim foi uma honra, estou um pouco nervosa por ter que lidar com essas tecnologias, mas vamos falando sobre meu trabalho! Pode perguntar. 

LETÍCIA: Então a gente já vai começar pedindo para você comentar um pouco sobre seu trabalho enquanto tradutora. Que tipo de tradução você faz, como você começou a traduzir e quando você começou esse trabalho?

PROFESSORA LORENE: É…A primeira coisa que nós temos que entender é que existem dois tipos de tradutores: o tradutor livre, que vai poder traduzir qualquer tipo de texto e tem o tradutor público, ou o tradutor juramentado, que é o meu caso. Eu posso fazer os dois, eu posso também fazer traduções livres, mas como eu sou concursada então eu também tenho esse ofício de tradutora pública. A diferença está em que? O tradutor público é concursado, nós temos leis a seguir, a definição do nosso ofício é através de uma lei, que nós temos obrigações, inclusive quanto a cobrar, não podemos cobrar qualquer valor e nós temos a fé pública, quer dizer, qualquer coisa que assinamos nós respondemos civil e criminalmente. É esse trabalho de tradutora pública que eu vou comentar com vocês. O meu concurso, eu fui nomeada em 1983. Nesse caso é complicado porque vocês vão descobrir mais ou menos a minha idade.

LETÍCIA E DAVI: Hahaha (risos).

PROFESSORA LORENE: Mas…vamos lá! Trinta e nove anos como tradutora pública. E como é que eu comecei a traduzir? Foi uma coisa muito interessante. O idioma espanhol sempre esteve na minha vida, de repente o meu marido na época falou assim: “Lorene, eu achei no diário oficial um concurso para tradutor. Vai fazer!”. Eu também sei inglês mas não tão bem quanto espanhol, fiz dos dois, mas eu nem sabia o que que era, eu fiz o concurso a trinta e nove anos atrás sem saber onde eu estava entrando. Eram duas vagas para espanhol. eu passei em primeiro lugar e de repente eu caí, lá de cima, eu caí nesse mundo da tradução e aos poucos eu fui aprendendo e fui me dando conta da responsabilidade que é esse ofício de tradutor.

DAVI: Muito bom, professora. Eu não sabia, na verdade, que era um cargo concursado, eu achava que você era nomeada por algum juiz, alguma coisa do tipo. Muito interessante saber disso.

PROFESSORA LORENE: Davi, a gente presta juramento e é um concurso muito difícil, então sabe ou sabe. Você tem que fazer a tradução só com caneta e papel na mão, você não pode ter nenhum recurso.

LETÍCIA: Nossa!

DAVI: Caramba! Nossa, difícil.

PROFESSORA LORENE: É bem díficil. E depois você faz a parte da prova ou não, com outros tradutores, no idioma que você escolheu e eles te dão um texto jurídico para você ler, está na língua que você escolheu, no meu caso espanhol, você tem que olhar o texto pela primeira vez e falar ele em português.

DAVI: Nossa, é difícil! Professora, fala então, nessa questão de traduzir, o que significa para você ser tradutora.

PROFESSORA LORENE: Olha, a partir do momento que você se da conta da responsabilidade, da importância que a gente tem enquanto tradutor juramentado, o significado se torna muito maior, porque é uma responsabilidade muito grande. Nós não só traduzimos os documentos de identidade, os documentos pessoais, nós traduzimos também processos que envolvem crimes, crimes básicos como crimes muito graves, pode significar prender um inocente ou soltar um bandido, estamos num interrogatório na polícia federal, aquilo que o preso está falando para o delegado, o que o delegado está falando para ele, a tradução disso tem que ser muito correta e sem dar margem a interpretação do tradutor, então tem que ter certeza que a outra parte entendeu e isso é de grande responsabilidade, porque você pode definir um outro rumo ao que você está fazendo. Então, ser tradutor, depois que você entende a maravilha que é esse trabalho, a gente tem outra postura na vida, entende? Porque às vezes, a pessoa fala: “Ah não, isso aí deixa passar”, não, a gente muda completamente, você transfere para a sua vida pessoal esse cargo, que é muito importante.

DAVI: Professora, a senhora citou essa questão da responsabilidade do ato tradutório, como é que você encara essa responsabilidade? É uma pressão para você? Como você se sente em relação a essa responsabilidade de traduzir os textos públicos?

PROFESSORA LORENE: Eu não me sinto pressionada de forma nenhuma, porque a partir do momento que eu entendo que esse trabalho tem que ser bem feito, correto, não tem pressão. A única pressão é prazo.

DAVI: Hahaha (risos).

PROFESSORA LORENE: Te dão muito prazo. Mas, graças a Deus, eu tenho uma habilidade com as duas línguas, tanto português quanto espanhol, pois os dois são línguas maternas para mim. Eu nasci no Brasil, mas dentro de uma família que só falava espanhol. Só meu pai falava português, então usávamos as duas línguas.

DAVI: Ai, que legal.

PROFESSORA LORENE: É, eu fui alfabetizada em espanhol com cinco anos, brincando com a minha avó em casa e com seis eu fui para escola. Então, as duas línguas para mim são maternas, então eu não tenho dificuldade na tradução.

LETÍCIA: Então, você gosta de traduzir? Porque você está falando para gente, como você trabalha há muito tempo, você diria que gosta de traduzir? O que você gosta de traduzir? 

PROFESSORA LORENE: Apaixonada!

DAVI: Risos.

PROFESSORA LORENE: Eu tenho duas paixões: a tradução e as aulas, eu não sei o que eu gosto mais. Mas, como nós estamos falando de tradução, eu sou apaixonada. A função do tradutor ela é bem solitária, porque a gente trabalha sozinho, é o computador e eu, eu e o computador. Antigamente nem tinha computador. Mas, é só isso, uma sala, você não vai interagir com ninguém a menos que você vá fazer uma interpretação, mas vou falar da tradução de escrita, é um trabalho um pouco solitário, bem solitário mesmo, tem gente que não gosta desse tipo de trabalho. Quem não gosta, pode trabalhar só com interpretação, que não é uma opção do tradutor juramentado, tá? Pode-se trabalhar só com interpretação, tradução simultânea e consecutiva não é a nossa escolha. Então, eu sou muito apaixonada pelo meu trabalho. 

LETÍCIA: E sobre essa questão da tradução simultânea, você acabou de dizer para gente que não se faz. Mas, às vezes, pelo que eu me lembro, porque eu já tive a oportunidade e o privilégio de ser sua aluna, não é professora? Então eu me lembro que às vezes você sempre tinha que estar de prontidão caso acontecesse alguma coisa na sala que você seria necessária naquele momento. Dá um aspecto de instantaneidade com esse tipo de tradução. E como que é essa relação com a instantaneidade, com a coisa do momento, de ter que estar pronta para traduzir sem ter essa preparação, porque se você ver o tradutor literário que tem um tempo, que nem você falou, sozinho ali no computador pensando naquilo, não é? Mas, às vezes é de uma hora para a outra para você, não é? Como é isso?

PROFESSORA LORENE: A parte da tradução na parte escrita nem sempre é instantânea, às vezes a pessoa vem aqui no meu escritório e quer para já. Tudo bem, a gente faz. Não é tão normal. Agora, quando nós falamos da parte do intérprete, porque o cargo é tradutor público e intérprete comercial, o nosso trabalho de intérprete ele pode ser uma tradução simultânea como pode ser consecutiva. Quando a gente vai, quando tem algum preso na polícia federal, eles tem que fazer o interrogatório na hora do flagrante e então eles me chamam para que a gente participe desse interrogatório. Então é uma consecutiva, o preso fala, você passa para o delegado, o delegado fala, você passa para o preso. Você não tem como se preparar porque você não sabe nem o que aconteceu, você vai saber na hora, certo? E a tradução simultânea, ela é feita por aparelhos, muitas vezes acontece não no âmbito político, ela acontece em órgãos, por exemplo o tribunal de contas, esse ano já foi uma simultânea, houve um evento em Bonito. Simultânea é aquela que o tradutor fica numa cabine e a medida que a pessoa lá na frente vai falando você vai traduzindo simultaneamente.

DAVI: Caramba.

PROFESSORA LORENE: É outra paixão minha. Essa você até pode se preparar no sentido que, se for um evento: “Vamos falar sobre meio ambiente”, você pode ter uma pequena preparação, mas o discurso das pessoas eles não escrevem. Então, a medida que a pessoa vai falando, você ali no seu microfonezinho vai passando para que os outros falem, ou no português, ou no espanhol, então a gente tem que estar falando ali na frente. É algo muito gostoso de fazer, sabe? Aquilo tudo depende de você, é o que você está passando, é o que os outros vão entender. É muito interessante, eu gosto muito também.

DAVI: Professora, só uma curiosidade. A senhora citou a questão dos prazos, eu queria saber como eles são, se são curtos, se tem que ser muito rápido, a Lê estava falando dessa questão da instantaneidade…

PROFESSORA LORENE: Uhum. 

DAVI: Então, como é que funciona esses prazos para você?

PROFESSORA LORENE: Então, a gente tem que ter um controle muito grande do que está fazendo para não errar no prazo. Porque primeiro você tem que prometer um documento e tem que ser naquele prazo que você deu, você não pode errar, mesmo justiça, pessoas físicas que vem aqui pedir, porque por algum motivo eles precisam desse documento. Então eu tenho toda uma agenda que eu vou escalonando. Hoje em dia, com o WhatsApp, eu recebo umas cinquenta, uns cinquenta pedidos por dia, mais ou menos, de tradução.

LETÍCIA: Nossa!

DAVI: Caramba.

PROFESSORA LORENE: Eu tenho que ir anotando, eu tenho já todo um, eu desenvolvi toda uma técnica de anotar e por ordem para saber que horas que eu tenho que trabalhar, às vezes eu trabalho a noite toda, as vezes não, se eu vou viajar e tenho que me preparar, porque tem que cuidar desses prazos. Agora acabou de me ligar uma senhora, um pouquinho antes de nós começarmos, ela quer que eu traduza uma certidão de nascimento, do país que ela nasceu, para amanhã de manhã.

LETÍCIA: Nossa!

DAVI: Caramba.

PROFESSORA LORENE: É um monte de coisa de tradução, então tem que ser muito correto nesse sentido. Ontem chegou uma pessoa e falou: “Eu deixei uma tradução para você fazer, um documento, faz uns meses e eu queria ele”, eu fui ver, fazia cinco anos!

LETÍCIA: Nossa!

PROFESSORA LORENE: Eu tenho documento de mais de trinta anos, com a data, no almoxarifado, porque não é justo jogar o documento de uma pessoa. Então, eu estou mostrando para vocês a nossa responsabilidade.

DAVI: Uhum. O cuidado, não é? E não tem férias?

PROFESSORA LORENE: Então, todo tradutor público, a gente é autônomo, a gente não tem vínculo empregatício e se eu quiser parar de trabalhar eu tenho que pedir licença, se eu quiser sair de férias eu tenho que pedir licença. Então aí a gente que faz as férias da gente.

LETÍCIA: Professora, eu vou fazer uma outra pergunta que também não estava a princípio, mas surgiu essa curiosidade agora. Existem muitos tradutores juramentados em Campo Grande?

PROFESSORA LORENE: Você vai encontrar a lista dos tradutores no site da junta comercial, porque assim que a lei previu, é decreto federal. As juntas comerciais que fazem os concursos e que nos fiscalizam. Por exemplo, tudo que eu faço tem que estar em livros que a junta comercial abre e encerra e são registrados, assim como cartórios e lá que tem o nome dos tradutores. Aqui no nosso estado, de todos os idiomas, devemos ter uns quinze mais ou menos.

LETÍCIA: Nossa, para todo o estado, com essa demanda de trabalho? Nossa!

DAVI: Professora, uma pergunta em relação às línguas que você fala, essa é uma pergunta a gente repete todo podcast para os nossos convidados, a senhora chegou a mencionar inclusive que tem o espanhol e o português como suas línguas maternas, então a gente queria saber de quanto da sua identidade como pessoa, como sujeito no mundo, tem relação com essas línguas que você fala? Você consegue se ver sem alguma delas?

PROFESSORA LORENE: De jeito nenhum. O meu trabalho, tanto quanto o de tradutora, quanto o de professora na Universidade Estadual e pesquisadora, o espanhol e o português estão envolvidos. De vez em quando, o inglês dá uma aparecidinha, tá? Mas eu não me digo tradutora de inglês, porque eu não sou uma pessoa que tem uma capacidade para isso. Mas eu não me vejo. Porque, como eu trabalho muito com translinguagem, faço muita pesquisa, eu parto do princípio que a nossa língua, no meu caso as duas, elas fazem parte de mim, elas estão aqui dentro do meu coração, a minha cultura. Eu sempre brinco que na minha casa nunca comemos arroz com feijão todos os dias, porque não era da cultura da minha mãe, da minha avó e do meu avô, mas era a cultura do meu pai, então de vez em quando o arroz com feijão aparecia lá na casa da minha outra avó. Então, essas duas línguas elas trazem uma parte de mim e onde eu vou eu sempre encontro alguma coisa para que as duas apareçam. Inclusive nas minhas pesquisas de mestrado, agora de doutorado e na pesquisa que eu faço na Universidade Estadual com a Rota Bioceânica, estamos trabalhando com as línguas nos países Chile, Argentina, Paraguai e Brasil. Então, quais são as línguas envolvidas? O português e o espanhol. 

LETÍCIA: Nossa, professora! Então, isso já nos encaminha até para o final, a gente já estava encerrando, então a gente queria que você falasse um pouco mais. Já que você começou a falar sobre essa pesquisa com a Rota Bioceânica e tal, a gente te convida para falar um pouco mais sobre os trabalhos que você está realizando agora.

PROFESSORA LORENE: Bom, então, eu fiz a minha pesquisa de mestrado na fronteira com a Bolívia, ali em Corumbá, justamente trabalhamos com as crianças que chegam na escola, na primeira série, que são brasileiros mas só falam espanhol em casa e então eles chegam na escola que ensina português, trabalhamos isso. Agora, o doutorado em Porto Murtinho, uma outra fronteira, vamos trabalhar algo nesse sentido. Mas, o que nós estamos fazendo agora na Rota Bioceânica, agora a Rota Bioceânica parece que vai, nós iremos ter nosso acesso ao Pacífico, e a UEMS tem mais de cem pesquisadores pesquisando a Rota Bioceânica, cada um na sua área, assim como a UFMS também tem, e a minha área é a pesquisa das línguas e a importância das línguas, não só o espanhol e o português, mas as línguas originárias também ao longo dessa Rota Bioceânica. Nós estamos trabalhando junto com as universidades do Paraguai, a UNA, inclusive meu orientador está lá agora em Asuncion, nós estivemos dois meses atrás em Jujuy, na Argentina, com a Universidade Nacional de Jujuy e a católica de Santiago del Estero e mais duas universidades do Chile trabalhando língua. Então, vocês vejam que a tradução, as línguas e o meu trabalho de professora também está tudo no mesmo caldeirão de bruxa. Tenho que organizar meu horário para esse caldeirão não ferver para fora!

LETÍCIA: Ai, que lindo, professora! Foi, olha, um prazer receber você aqui, escutar você.mais uma vez. A gente agradece imensamente a sua participação, você ter aceitado, ter disponibilizado o seu tempo tão curto para poder conversar com a gente um pouquinho e poder brindar os nossos linguarudos com todos esses conhecimentos que você passou para gente, não é, Davi?

DAVI: Nossa, com certeza! Gostei muito de saber, principalmente porque eu traduzo também, já trabalhei como tradutor, então esse é um dos meus episódios favoritos.

PROFESSORA LORENE: Eu que agradeço, porque toda vez que eu consigo levar o meu ofício de tradutora pública para outros públicos que não só aquele que tem que conhecer, e ressalvo que às vezes um advogado chega aqui e fala: “Nossa, eu nem sabia que você existia”. Então, agora estou conseguindo passar para outros, outras pessoas vão ouvir, que esse ofício existe. E quando a gente trabalha com o curso de Letras nas universidades, uma das minhas primeiras aulas é falar sobre tradução porque é uma possibilidade para o aluno de letras também. O Davi está falando que também faz tradução, então é uma possibilidade para o aluno de Letras. Então, eu fico muito agradecida por vocês terem me dado essa oportunidade, tá? Um beijo muito grande para todos!

Postagens mais visitadas deste blog

Transcrição T2 Episódio 04 - Linguarudes sem Fronteiras

Transcrição do episódio 7 - Quantas línguas cabem na boca?