Transcrição T0 Episódio 3 - Há algo além da Libras?

CONVIDADOS: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão. (solicitar para gravarem e encaminhar para os hosts)

ANA KARLA: Hey, everybody! Este é o terceiro episódio da temporada especial do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: “Há algo além da Libras?” Let’s que vámonos!


LUIZ: Hola, hello, e aí, linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sean bienvenidos à temporada especial do LinguasCast. Eu sou o Luiz com z, por favor


LUCAS: Y yo soy Lucas, com "c", por favor! Hello linguarudes, ça va? Boas-vindas ao segundo episódio da nossa temporada especial!


LUIZ: E… bora pro tema de hoje que é a Língua indígena de sinais 


LUCAS: E, para falar sobre isso, nós convidamos Bruno Roberto Nantes Araujo, professor de Libras, do câmpus de Aquidauna, da UFMS.


LUIZ: Então, gente, nós agradecemos imensamente o fato de você ter aceitado o convite da equipe do LínguasCast e … seja bem-vindo! É aí, enfim, seja muito bem-vindo, tá? 


BRUNO: – Eu que agradeço. Muito obrigado pelo convite, né? Em nome também da de todos, da da da organização desse projeto, né? Línguas Cash é obrigado pelo convite e estamos aí pra explicar um pouco o que se. Significa todo esse movimento já agora linguístico das línguas indígenas de sinais que está acontecendo, né? Na atualidade aqui no nosso país. Eu sou o professor Bruno Roberto Sandes Araujo, né? Como os meninos já se apresentaram, eu sou professor de libras, né? Da disciplina de estudo de libras, que é o nome da disciplina, né? É. É uma disciplina que é obrigatória em todos os cursos de licenciatura. Tá, eu dou essa disciplina e também a disciplina de língua portuguesa para surdos como segunda língua nos cursos de pedagogia e na letras e a disciplina de estudo de libras para as demais licenciaturas é. Estou lá desde 2014. E atuando já no campus de Aquidauana e trabalho, trabalhei já muitos anos, já mais de 20 anos na área da educação de surdos, trabalhei no antigo Centro estadual de atendimento ao deficiente da comunicação Sead. Hoje, ela está só como centro de atendimento, mas no em 2000 e eu trabalhei lá de 2004 a 2014. Na escolarização, com surdos trabalhei como educador físico, né? Inicialmente, depois fiz o letras libras e trabalhei também como tradutor, intérprete de língua de sinais. Hoje estou aqui no campus Aquidauana , né? E trabalho também com a licenciatura intercultural indígenas E lá a gente também tem a disciplina do estudo de libras, que a gente ministra na grade curricular. Como foi todo esse processo de eu iniciar essa pesquisa, né? Sobre indígenas surdos, como foi primeiro? Primeiramente, foi o contacto com a professora Shirley Vilhalva, né? A professora surda, também professora aqui do do campus de Campo Grande. É dentro do Seada também. Eu vi alguns estudantes indígenas surdos no Ceada na época, mas eu não. Me atentava em relação à questão da cultura indígena, né, da sua identidade, da sua língua. Para mim era só libras. Vou traduzir qual que foi a minha inserção nesse na dentro das pesquisas sobre indígenas surdos e sobre as línguas indígenas? Senais, bom, eu estou atuando como docente. Da disciplina do estudo de libras, né? No curso de licenciatura internatural indígena, no campus lá de Aquidauana eu tive contacto com alguns. Indígenas que vinham contando sobre suas. Seus parentes nas suas aldeias, um tinha um irmão surdo e aí lhe contavam várias experiências das aldeias. Das aldeias, né? Onde eles moravam? E aquilo já foi. Me é. É criado uma provocação mesmo. Nós precisamos fazer alguma coisa, né? Porque vinham muitas informações que eles não tinham acesso a um tradutor intérprete. Eles não tinham ainda aprendido da sua primeira língua, que é a língua de sinais, né? Ainda era oralidade ali dentro da aldeia, mas é. Alguns ainda falando da língua terena, mas mesmo assim eles não conseguiam e era muito apontamento, né? São gestos. Caseiro no contexto familiar Caseiros ali apontamentos, então aquilo foi e a na aí começou a primeira investida minha. Em relação ao mestrado, aí eu fiz a minha pesquisa. pesquisa pensando em relação aos tradutores intérpretes de língua de sinais. Aí a minha pesquisa foi chamada. O título foi a escolarização de indígenas terenas surdos: Os desafios e contradições na atuação do tradutor, intérprete de língua de sinais. Né? Fios? Isso foi na no meu mestrado. E aí foi. Fazendo a investigação, fui fazendo levantamento bibliográfico, aí pude descobrir que já havia algumas pesquisas. Fazendo o levantamento bibliográfico, né? Observei que assim, a língua de sinais indígenas já era. Já era sinalizada entre os povos indígenas já bem antes do reconhecimento da própria língua brasileira de sinais.


LUCAS: Olha.


BRUNO: Existe um antropólogo americano que ele conheceu na década de 61. As primeiras publicações de seus artigos foram falando sobre a etnia Kaapor. No Maranhão, onde tinha, essa etnia tinha um grande número de indígenas surdos, né? E os próprios indígenas Kaapor é ouvintes, foram criando os sinais para se comunicar com os seus parentes surdos. Então foi as primeiras. As pesquisas do são registradas em em partido científico. Foi nessa década de 70. Na década de 80, a professora Lucinda Ferreira Brito, hoje é intitulada Lucinda Ferreira. Ela também nos seus primeiros artigos, é uma linguista. Ela que fez também a pesquisa sobre a gramática da língua brasileira de sinais, né? É falando sobre os parâmetros também. Relação ao reconhecimento do status de língua, que é uma modalidade, né? Diferente a nós, ouvintes, é oral, auditiva e a língua de sinais é a modalidade gestual visual. Então, a partir dessa da leitura desse artigo deste antropólogo americano, ela também registrou nos seus artigos iniciais sobre os os Korr. É, conta-se que ela tinha pretensão de investigar, né? Mas não teve um avanço assim em relação às pesquisas. Só agora em 2020, tem uma tese, uma tese do Gustavo Godoi . Ele fala a tese dele justamente a ele. Também é antropólogo e ele faz a pesquisa. Ele fala a tese dele justamente a ele. Também é antropólogo e ele faz a pesquisa. É com os Kaapor. Aí ele tem alguns registros também em vídeos, até no YouTube vocês podem encontrar lá. Sobre o é etnia Kaapor surtos ou a língua de sinais Kaapor, porque ele fez alguns registros de alguns sinais entre. É essa essa comunidade indígena? Aí em 2000 e é isso, foi recente agora, né? 2020 é, e aí começou-se a crescer também. O interesse por essa, por essa língua de sinais, é também vale ressaltar que. Esse movimento indigenista na qualidade, né? Também tem dado um suporte para o avanço dessas pesquisas sobre indígenas surdos ou das línguas indígenas e sinais? O nós estamos agora eu depois eu no na no doutorado, o meu título foi sobre a colonização pela libras da língua de sinais dos indígenas surdos nas aldeias. Olho de água, barreirinho e água azul na Terra indígena. Se aqui em Mato Grosso do Sul a Terra indígena Buriti, aqui ela, ela. Ela fica aqui na divisa também de Sidrolândia e município de 2 mãos de Buriti. E como que eu cheguei lá nessas 3 aldeias? Lembra que no início eu falei que eu dava aula na licenciatura de educação indígena e eu tinha contacto com alguns e como que eu cheguei nessas três aldeias? Como eu dava aula na licenciatura cultural indígena, eu tinha contato com alguns indígenas surdos que vinham contando suas realidades em relação aos seus parentes surdos. E aqueles meus ex alunos hoje são caciques em duas aldeias de lá. Tanto o cacique Jaiderson que é da Aldeia Barreirinho e o cacique Agnaldo que é da Aldeia Olho D’Água. E foi ele que me contou do irmão surdo dele. Ele passou o ensino médio sem intérprete e o sonho do pai dele era que ele tivesse a graduação e o domínio da língua de sinais e da modalidade escrita da língua portuguesa. Então eu conversei com os familiares na minha pesquisa. E a partir do consentimento dessa liderança, eu pude fazer essa pesquisa de campo. E aí o que venho discutindo na minha pesquisa: primeiro eu fiz um levantamento bibliográfico do que está posto sobre as pesquisas dos indígenas surdos, e encontrei poucas produções científicas, só para título de curiosidade, encontramos 4 teses de doutorado — e isso eu fiz na minha pesquisa de  2019  a 2023, defendi ela recentemente — então foram poucas. A língua brasileira de sinais foi reconhecida em 2002 e depois do decreto em 2005, que é o que regulamenta a lei. Então já temos 21 anos do reconhecimento da língua brasileira de sinais, e nas pesquisas sobre indígenas surdos temos apenas 4 teses nesse período de 20 anos, o que ainda é bem pouco em relação ao que já se tem sobre a Libras. E de dissertações de mestrado eu encontrei ao todo 19 produções científicas, e algumas falavam sobre o indivíduo surdo e a inclusão deles, outras falavam sobre a questão da alteridade e cultura, e só algumas que conseguiam falar sobre a questão da língua indígena de sinais. Dessas 4 teses que encontrei, teve uma que foi um marco muito importante para que possamos continuar fazendo as pesquisas sobre a língua indígena de sinais, e foi a da professora Priscila Sumaio. Ela fez justamente lá na Aldeia Cachoeirinha em Miranda com essa família da dona Ondina que é terena, guerreira, mãe de 3 filhos surdos e sempre sonhava que seus filhos estariam fazendo faculdade e aprendendo a língua de sinais. Ela sempre foi militante e defensora da garantia de que seus filhos sinalizem com a língua terena de sinais. E Sumaio fez essa pesquisa pela UNESP e fez a tese dela aqui no Mato Grosso do Sul. E ela, como uma linguista, pesquisou as línguas indígenas de sinais dos Terenas surdos da Aldeia Cachoeirinha em Miranda, e a partir das pesquisas, da estrutura da gramática da Libras, — que feito pela professora Lucinda Ferreira — ela começou a observar que as línguas dos Terenas surdos da aldeia tinham todas as caraterísticas de uma outra língua de sinais independente da Libras. E ao meu ver foi um divisor de águas na tese porque ali se reconheceu dentro da linguística que aquela língua de sinais que é sinalizada entre os Terenas surdos é uma língua de sinais que não é propriamente a Libras. E apesar de ter todos os parâmetros que a Libras tem, as configurações de mãos, as expressões faciais e corporais, a direcionalidade das mãos e a orientação das palmas das mãos são diferentes da Libras. Ela fez um registro de alguns sinais que encontrou entre os Terenas surdos, e a partir da tese dela de 2018, outras pesquisas começaram a se embasar. E para além desse embasamento de investigação das outras línguas indígenas  de sinais — porque nós temos 305 línguas indígenas, então imagine quantos surdos estão ainda sem a experiência de ser salvaguardado a sinalização de sua língua nativa —  então a partir da pesquisa dela, o que acontece: hoje nós podemos nos basear dentro da área da linguística, e a comprovação dessa língua terena de sinais a partir de uma pesquisa científica dentro da área da linguística da língua de sinais, teve um movimento que reconheceu a língua terena de sinais como língua cooficial no município de Miranda. É a lei municipal nº 1.538, de 4 de abril de 2023. E essa legislação não aconteceu do nada, ela teve o apoio das lideranças indígenas de movimentos coordenados pela professora Denise, que é coordenadora do IPEDI, uma ong que trabalha com a valorização dos artefatos culturais do povo Tereno. Ela estava no departamento de línguas e procurou eu, a professora Shirley Vilhalva e a professora Kelly, que é da Universidade Federal do Paraná. Acho importante falar os nomes pois foi um grupo que se mobilizou para correr atrás desses benefícios para os Terenas surdos. E foi todo um processo, como a história da dona Ondina, 


BRUNO: - O trabalho de pesquisa da Priscila Sumário, o trabalho também da professora Shirley Vilhalva e até chegar, a partir de uma base teórica, a gente brigar por uma política linguística. E aí, também com o apoio da vereadora, é… lá de Miranda, dos caciques, do apoio da secretaria, e aí, juntamente com o trabalho desse grupo que se chama Liap, que era, que fazemos parte: eu, Dona Oldina, filha da Dona Oldina, Edimara, que é intérprete de língua de sinais, né? Irmã de surdos, de indígenas surdos, ahn… a própria Kely, lá do Paraná, a professora Shirley Vilhalva, eu, e a Denise, junto com os órgãos governamentais ali na câmara municipal conseguimos a implementação dessa lei que reconhece e garante também a Língua Terena de sinais. O parágrafo único nessa lei que diz assim, óh: “fica estabelecido que no município de Miranda, Estado de Mato Grosso do Sul, passa a ter como línguas co-oficiais: a Língua Terena, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a Língua Terena de Sinais (LTS) e a Língua Kinikinau, garantindo a equidade e igualdade enquanto política linguística municipal”. Então esse foi o, para nós, indígenas desse movimento de… da língua de sinais dos povos indígenas surdos, foi um marco. Foi o primeiro registro de uma língua indígena de sinais no Brasil, né? E ela tem sido hoje também um referencial para outros estados, para outras etnias , para outros pesquisadores, éh… também lutando para o reconhecimento dessa língua de sinais. Por quê? A gente acredita que os indígenas, por exemplo, ouvintes, eles têm a primeira língua deles a língua de sua etnia, certo? Oral e auditiva. Por exemplo, os Terenas, a Língua Terena, lá na escola, eles têm também que aprender a Língua Portuguesa na modalidade escrita e oral. E os indígenas surdos? Ai eu já venho também apontando sobre a minha pesquisa: os indígenas surdos nas aldeias, nas escolas indígenas, eles estão tendo a Libras diretamente com intérprete de Libras e não tem feito a atenção devida com os sinais nativos, seus sinais indígenas, né? Então, eu fiquei me indagando até pra eu poder encontrar o problema da minha tese, por o que que acontece? Hoje, a política nacional da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, a educação bilíngue de surdos, ela está posta como a Língua Brasileira de Sinais ser a primeira língua do surdo, mas para o surdo que é o indígena que é surdo que mora na sua aldeia que teoricamente deveria ser a sua primeira língua, a sua língua de sinais nativa. Só que nós não estamos também com esta legislação, éh… maior da Libras, dessa perspectiva educacional, não estão reproduzindo novamente uma colonização de uma língua sobre a outra? Né? Então essa foi a minha indagação de todo o início da minha tese. E é isso que eu percebi, por muitos anos, só a Libras, Língua Brasileira de Sinais, estava posta como língua de instrução para o indivíduo surdo, para o sujeito surdo. Só que, existem várias outras línguas de sinais, no interior do Piauí, existe uma língua de sinais que chama Língua Cena de Sinais, que é um grupo de surdos do interior do Piauí ue criaram uma língua de sinais independente da Libras, e eles conversam entre eles com a Língua Cena de Sinais e na escola se comunicam com a Libras, quando vem surdo de fora, conversam com a Libras e aí o que a gente pensa? Se eles têm o direito de sinalizar, de conversar em sua própria língua, entendeu? É, nativa. Então, assim como existe essa Língua Cena de Sinais, existem as línguas indígenas de sinais e agora está um… processo de reconhecimento de registros dessas línguas de sinais, de revitalização dessas línguas de sinais e de publicação de produções científicas sobre as línguas de sinais. A gente tem uma dissertação de mestrado que eu encontrei, daí tinha maducuru, tem um minidicionário que esse pesquisador fez com os sinais lá dessa etnia, também tem lá Paiter Suruí lá em Rondônia, agora também da etnia, éh… Ka'apor, né? Que também já está em processo de mais registro e sinais. Nós sabemos que tem também os surdos kainguangs, da etnia kainguang do sul do Brasil. Os pataxó, éh… várias outras, tem outras etnias também que eu fiz um levantamento na minha pesquisa, depois eu vou tentar lembrar aqui pra vocês outros. E começou assim já a expandir novas… Ah, os Guarani também, né? E aqui, os Terena. Só que assim, não existe… ontem mesmo a gente estava participando de uma, de uma live, né? E perguntaram: “ah, já tem um dicionário ou um registro que a gente possa ver esses sinais?”. Ainda não tem algo pronto. Existem pesquisas e, dentro dessas pesquisas, alguns registros de alguns sinais. Aqui, óh, vou só… (nome de uma etnia indígena) de Rondônia, Pataxó, éh… (nome de uma etnia indígena) lá no Amazonas, (outros nomes de etnias indígenas). Então já tem algumas pesquisas de algumas etnias, voltadas tanto para a educação de indígenas surdos quanto a questão da língua indígena de sinais.


LUCAS: - São muitos mesmo.


BRUNO: - São. São bastantes.


LUCAS: - Professor, deixa eu voltar um pouquinho só. 


BRUNO: - Pode falar. Desculpa, eu me empolguei. (Risos)


LUCAS: - Não, tudo bem. Ótimo . É ótimo que o senhor fale mesmo. Aliás, posso chamar de “você”?


BRUNO: - Pode, claro.


LUCAS: - Éh, mas tem alguns pontos que a gente até anotou aqui para perguntar… e eu queria saber se essa opção pela Libras no processo educacional das aldeias ao invés da própria língua de sinais indígena. Primeiro, eu queria saber “quem faz essa escolha?” E essas implicações “como se dão em relação aos sujeitos surdos?” 


BRUNO: - Beleza. Bom, éh… eu acho que é uma pergunta, que é importante a gente deixar, assim, esclarecido. Como são… primeiro… a proposta educacional, a perspectiva educacional na atualidade é a perspectiva nacional… os surdos estão dentro dessa “pasta”, da Educação Especial. A política nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Essa perspectiva coloca os surdos, com a educação bilíngue, como… a Educação Especial os coloca como, ainda visto como deficientes, embora eles não se veem como deficientes e… se veem apenas como uma diferença linguística. Mas isso são também perspectivas que a gente pode deixar pra outra… pra outro podcast. Mas assim, o que está posto para eles? Eles têm, a educação é bilíngue, onde eles têm que ter a aquisição de sua primeira língua, a língua brasileira de sinais, e a sua segunda língua, a língua portuguesa na sua modalidade escrita. E como eles vão ter esse acesso nas escolas comuns de ensino? Pensando na questão da inclusão. Eles estão inseridos nas escolaa comuns com o opoio ou com o atendimento do tradutor-intérprete de língua brasileira de sinais. Certo? E aí, esse tradutor intérprete vai ser o professor de apoio, uns colocam como professor de apoio ou professor mediador, né, mas é tradutor intérprete de língua de sinais, já tem uma lei que reconhece esse profissional. E aí ele vai fazer a mediação, professor tá fazendo a oralidade e ele vai fazer a tradução em libras para o aluno surdo. E aí essa proposta da educação especial coloca o atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais, que é no contraturno, ele tá lá, por exemplo, de manhã estudando com o professor regente e o intérprete fazendo tradução, com toda aquela carga horária dentro da grade curricular e, no contraturno, ele vai ter três momentos na sala de recursos multifuncional, essa sala de recursos, pela perspectiva da educação especial, ela vem com a proposta de não ser uma aula de reforço, mas sim de suprir algumas necessidades que dentro da sala de aula o professor regente com o intérprete não conseguiu alcançar para aquele estudante surdo. Então ele vai ter uma professora, ou na área da letras ou da pedagogia, né, que vai, fluente em língua brasileira de sinais, que vai ter três momentos de atendimento do AEE (Atendimento Educacional Especializado) para atendimento de  alunos com surdez, por exemplo, vai ter um dia a tarde que ele vai ter o AEE de libras, ou seja, aquele professor também com o professor surdo adulto sendo modelo de referência ali para eles, vai ensinar vocabulário em língua de sinais, por exemplo, na área da biologia o intérprete não sabia todos os sinais,  então, naquele momento, o professor surdo e o ouvinte vão ensinar vocabulário de biologia em língua brasileira de sinais para aquele indivíduo surdo, para questão da língua, certo? Aí no outro momento vai ser AEE em Libras, que vai ter um momento que esse professor da sala de recursos vai pegar o conteúdo daquele professor regente e vai transformar todo sinalizado para que a informação chegue diretamente para o surdo na Língua brasileira de sinais. E aí o terceiro momento desse AEE para alunos com surdez é o AEE em língua portuguesa como segunda língua, onde esse professor ouvinte vai trabalhar a língua portuguesa, alguma categoria da língua portuguesa, mas na modalidade de segunda língua, porque, pelo bilinguismo surdo, o surdo ele tem que aprender a sua primeira língua, a língua brasileira de sinais, certo? Só que aí chega no caso e a nossa indagação é em relação aos indígenas surdos que estão lá na aldeia, nas escolas indígenas, eles também tem que ter apenas a libras? Oferecido só a libras para eles sendo que eles têm outras línguas indígenas de sinais.? Aí o que está acontecendo agora e que foi também uma resposta até próximo da minha, da minha própria pesquisa, quando eu fui pesquisar, tinha uma intérprete só para uma aluna que tava no ensino médio, aí hoje ela, e não tinha sala de recursos multifuncional lá nessa escola na aldeia, nesse ano abriu a primeira sala de recursos e nesse ano a intérprete que estava atendendo uma aluna, ela também está como professora na sala de recursos para mais outros dois indígenas surdos que começaram a frequentar, aí mas o mais legal disso tudo é de a gente já poder contribuir para com essa profissional, de além da libras como que é a nossa primeira língua de sinais reconhecida né, nacionalmente, que é a língua de instrução para o surdo se comunicar de forma geral, é eles também terem o respeito e a percepção de acolher e aceitar os sinais que os indígenas surdos estiverem sinalizando ali na escola, em sala de aula, dentro da comunidade.


LUCAS: - É, isso acaba deixando, não um segundo plano, né, como uma segunda língua, a língua portuguesa, mas afinal como terceira, né?


BRUNO: - Exatamente, é isso que a gente está discutindo agora, então a língua indígena de sinais seria a primeira? teoricamente Sim, né, e a libras seria a segunda língua deles. Só fazendo uma retrospectiva, por exemplo, se tá lá na aldeia a língua oral auditiva terena, ok? Fala terena, aí ele tem que aprender a língua portuguesa também oral e escrita. Então a língua terena oral e escrita e língua portuguesa oral e escrita língua indígena de sinais e libras, então eles são acometidos por uma, duas, três, quatro línguas alí. Então a questão do multilinguismo é muito presente ali, embora algumas aldeias, isso vai de aldeia para aldeia, alguns já estão perdendo a questão da, não são falantes da língua nativa, são mais da língua portuguesa. Nas aldeias onde eu pesquisei, diferentemente da aldeia das cachoeirinhas, nas cachoeirinhas tem bastante falantes da língua terena e lá onde, nas aldeias onde eu pesquisei são poucos falantes, mas ainda há o domínio da língua portuguesa. Então é um trabalho de resgate e de vivificação e de reconhecimento e valorização dessas línguas tanto orais, auditivas, quanto também as sinalizadas. Na atualidade a gente tá tendo o privilégio, a oportunidade, a alegria de estar participando do movimento da década das línguas indígenas, que é um movimento né, indigenista, que está sendo organizado pela unesco para vitalização, reconhecimento e valorização das línguas indígenas, isso na modalidade, as modalidades orais, auditivas e gestual visual e é a primeira vez, então temos 10 anos para investir, procurar estratégias de revitalização e vitalização dessas línguas, então esse é um processo também valoroso para nós, pesquisadores na área de indígena surdo, das línguas indígenas de sinais e também de já fazer esse levantamento de quantas línguas indígenas  já tem pesquisada, já tem algum registro né, então tá tendo um processo. Eu sei que mais para frente a gente vai ter mais resultados e mais produções, até mesmo registro desses sinais e que está também mais reconhecimento mais legislações que reconheçam as línguas indígenas de sinais, diversas etnias aí do Brasil.


LUIZ: - Exato, exato, eu acho que é muito importante a gente ter esse contato com esse tema especificamente porque como você mesmo disse né, é um grande processo de resistência né, e de como a gente consegue trazer essas línguas à tona e tirar elas meio que dos arrabaldes, das fronteiras e conseguir trazer um pouquinho mais de destaque, que também é o local delas. E tendo em vista tudo isso, todo esse processo colonizatório que você aborda na sua tese, você poderia explicar o que significa na prática no caso esse processo colonizatório, esse processo, entre Libras e língua indígena de sinais, que você estudou?


BRUNO: - Boa pergunta. [risadas] Na prática é exatamente o não reconhecimento das línguas indígenas de sinais. Existem alguns pesquisadores indígenas que, estão já nas suas profissões e pesquisas, que quando algum pesquisador coloca “sinais caseiros” eles já estão questionando, não são só sinais caseiros, são línguas indígenas de sinais. A gente tem ainda um preconceito, achando que “ah, se ele não tá sinalizando igual a língua brasileira de sinais, não é libras, não é uma língua”, mas é uma língua, né, ela já tem toda uma pesquisa em que embasa que é diferente, mas é uma língua de sinais. A gente tem ainda essa de achar que uma língua é melhor que a outra, né, “ah, eu vou falar o português porque o terena não é mais tão usual”, mas não, é questão de identidade, identidade cultural, e todos aqueles sinais sinalizados ali têm uma grande potência de identidade cultural, a identidade da ancestralidade daquele povo, da sua cultura, da sua raiz, da sua cosmovisão, então não é apenas achar, despertar uma língua, mas assim fortalecê-la, reconhecê-la e valorizá-la, né, então assim, não deixar que só tenha o intérprete de Libras. Hoje também existe um movimento, até mesmo de lugar de fala desses profissionais, do intérprete indígena para trabalhar nas escolas indígenas com os estudantes indígenas surdos, isso tem dado mais, assim, empoderamento desses profissionais, né, “oh, sou da etnia tal, eu quero valorizar as línguas indígenas de sinais, eu quero trabalhar lá, dentro da aldeia, com os indígenas surdos”, ou seja, valorizando também toda a sua ancestralidade, a sua potência, né, da sua etnia, da sua cultura. Então não só deixar… não é que a gente quer desprezar a Libras, não é nada disso, mas assim, que esse profissional não deixe Libras só ali, na conversação, na sinalização, que ele respeite e deixe a liberdade deles sinalizarem com suas línguas nativas, que são também de resistência. Porque assim… é que toda a potência dos sinais ali construídos, tanto é que eu venho falando isso na minha dissertação em relação aos intérpretes. Quando eu entrevistei três intérpretes, eu entrevistei um intérprete que estava lá, próximo do território indígena, trabalhando numa escola indígena; e outro intérprete aqui na comunidade urbana e ele atendia um indígena surdo. E aí as respostas que este intérprete que tava na área urbana, ele falou que ele não se preocupava em relação à cultura indígena, era só Libras, e o próprio indígena surdo também já não se importava com uns sinais nativos, era só a Língua Brasileira de Sinais; é a questão do território também, e já aquele intérprete que estava mais próximo do território indígena, nas escolas indígenas, ele já tinha essa percepção, essa valorização, daqueles sinais. Ele tentava trazer alguns sinais que eles já vinham trazendo de casa, né, do seu cotidiano, e também implementado ali dentro da sua conversação, juntamente com a Língua Brasileira de Sinais, então assim, existe também a questão da territorialidade, do pertencimento, que também pode, ou apagar essa língua de sinais, ou talvez fortalecê-la e valorizá-la, né.


LUIZ: - Você percebe o impacto desse processo colonizatório da Libras na posição crítica do sujeito indígena dentro desse sistema colonizatório?


BRUNO: - Hoje em dia, os pesquisadores indígenas, principalmente os ouvintes, mas hoje em dia a gente já tem indígenas surdos pesquisadores que… tem o Marlon, lá de Manaus, ele é da Universidade Federal do Amazonas, ele é um pesquisador, né, e ele vem militando também; nós temos a professora Indira, que ela é da etnia Guarani, e ela tá em Rondônia, ela também está nesse movimento de luta, de reconhecimento, de pertencimento e de não apagamento das línguas indígenas de sinais, né. Então, hoje eles também estão se colocando como protagonistas dessa luta, e os indígenas surdos começaram, também, a se entenderem como sujeitos indígenas pertencentes àquela comunidade, e eu acho isso muito bacana, porque está crescendo no Brasil os pesquisadores. Em novembro a gente teve o primeiro seminário nacional de línguas indígenas de sinais, onde a gente pôde compartilhar várias experiências, várias pesquisas com o Brasil, foi virtual, mas teve bastante adesão, então assim, é um processo gradativo, é um processo, também, de reconhecimento, até mesmo da própria sociedade entender essa línguas indígenas de sinais, esse processo de empoderamento, de reconhecimento, de valorização e de fluência e até de aprendizado dessas línguas indígenas de sinais. Hoje em dia está tendo até cursos para a formação. Nós tivemos, até na UFMS, juntamente com o apoio do Deyvid, que ele é da etnia Pataxó, ele nos procurou querendo fazer um curso de formação para formar esses professores indígenas ouvintes, que já estão atuando na área, para que eles possam entender essa diferenciação e essa importância das línguas indígenas de sinais, aí, ano passado a gente concluiu o primeiro curso de extensão, para professores indígenas, nas línguas indígenas de sinais, então a gente tá galgando novos ares, novos caminhos de fortalecimento, formação e informação sobre as línguas indígenas de sinais.


LUCAS: - Não tinha noção da dimensão, né, que tem essas pesquisas e é muito interessante, e muito importante até, saber que isso tá vindo a público.


BRUNO: - Sim, e eu fico muito feliz até, porque a gente precisa realmente anunciar e informar.


LUCAS: - Sim… Tem outra coisa que eu queria saber, que é sobre o surgimento das línguas indígenas de sinais. Primeiro: como surge uma língua indígena de sinais? E segundo: como as crianças adquirem essa língua? Se elas aprendem de maneira escolarizada, ou com outros surdos? E se existem muitos indígenas surdos, também, ou as crianças aprendem na escola…


BRUNO: - Boa pergunta. Bom, a língua de sinais é uma língua natural, ela não é artificial, ela acontece naturalmente como processo de desenvolvimento de uma criança ouvinte. Primeiro o balbucio, depois começam os primeiros apontamentos, e a criança surda é dessa mesma maneira. A diferença é que muitas vezes, alguns familiares de pais surdos, vão ver que a criança é surda só com três, quatro anos de idade. Hoje, principalmente… eu observei isso lá nas aldeias, conversando com alguns familiares, eles vão descobrir só com a criança com três ou quatro, cinco anos de idade. Hoje em dia a gente já tem o pré-natal, o exame da orelhinha, que já detecta antes de sair da maternidade, né, para ver se a criança é surda ou não. E aí, as crianças vão começar a sinalizar com as primeiras combinações de sinais, que é apontamento, alguns gestos naturais, por exemplo: quando a gente tá com dor no estômago, a gente não põe a mão na barriga? A gente não expressa o nosso semblante, nosso rosto, a gente não faz expressão facial de dor? Então, primeiro é essas expressões corporais e esses apontamentos. Esses primeiros sinais, eu coloco na minha pesquisa como “sinais emergentes”, antigamente alguns autores colocavam “sinais caseiros”, até justamente pela crítica de alguns pesquisadores indígenas, não usando esse termo “caseiro”, a gente usou um termo de língua, eu usei no caso, na minha pesquisa, são “sinais emergentes no contexto familiar”, por que? Porque, os indígenas surdos que eu encontrei na minha pesquisa, eu encontrei cinco, todos eles vivem, em seus contextos, só (no) familiar; eles não se encontravam antes. Era a fulana com a sua família, o ciclano com a sua família, o beltrano com a sua família. E ali, com essa conversação em apontamentos, com gestos naturais, expressões faciais e corporais, eles vão criando os sinais dentro do contexto familiar deles. Desses cinco que eu encontrei, quatro são da mesma família, parentes assim próximos, primos, e uma que ela já veio de Bela Vista, é também de outra etnia, Guarani Kaiowá, e está lá com eles, e aí ela criou esses primeiros sinais dentro do contexto família, a gente nomencla como “sinais icônicos” ou são sinais que parecem com o objeto, ou também, que a gente, na língua de sinais, chama de “classificadores”, por exemplo: a gente vai explicar um computador, a gente não faz tipo digitando um teclado? Então eles já fazem esse sinal de digitando, a gente subentende-se que seria um teclado de um computador ou de alguma coisa. Ou então um quadro, eles desenham com apontamento, por exemplo: TV, faz um quadrado, assim e eles apontam, assim, tipo o controle, apertando o controle. Então, são sinais que eles vão criando num contexto da ação do cotidiano deles, certo? Por isso que eu nomenclei ainda: “sinais emergentes no contexto familiar”, porque eles ainda estavam isolados só ali, no contexto de suas famílias. Agora, este ano, eles estão estudando já na mesma escola, três desses que eu encontrei, então eles vão poder construir e trocar sinais que eles já vem trazendo do contexto familiar e agora consolidar, ou até mesmo trocar esses sinais ali, fortalecendo os sinais indígenas deles ali, claro, também com o apoio da professora-intérprete de Língua Brasileira de Sinais, ensinando a Libras, também. E aí vale só… é importante o entendimento desse profissional, não extinguir os sinais que eles utilizam, mas sim preservar esses sinais também, além da Língua Brasileira de Sinais. Então isso vai ser construção de contato, e o surdo vai aprender com o outro, a princípio são naturais, e depois, com a troca, com os seus pares, eles vão se consolidando e criando novos sinais, novas expressões idiomáticas… assim como a língua na nossa modalidade oral-auditiva, a gente não vai criando vários vocabulários dependendo do contato e com a nossa troca social? Na língua de sinais é a mesma coisa.


LUIZ: - Uma coisa que você falou sobre a cooficialização, faz uns minutos atrás, sobre a cooficialização em Miranda e acho que esse justamente esse ponto acaba oferecendo um pouco mais de força para determinadas línguas, para que elas comecem a entrar em contato umas com as outras, e dessa forma construindo um contexto linguístico muito mais complexo e rico, tanto do sujeito, quanto da comunicação num geral. E isso leva a gente a esse questionamento de: quais são as implicações para a cooficialização, para a comunidade surda indígena, e se também tem certas implicações para os indígenas ouvintes.


BRUNO: - Sim. A lei, ontem mesmo a professora Shirley Vilhalba estava comentando isso, a importância de ter uma lei é de a gente conseguir, a partir dela, conseguir recursos financeiros para a questão de formação de profissionais, a questão de direito linguístico, a questão de verbas governamentais para ações para que a gente possa atender aquela lei, então a lei vai nos resguardar para futuros investimentos na educação na área da linguística dos indígenas surdos, no caso da Língua Terena de Sinais ali em Miranda. A importância é justamente da gente ter garantido uma lei que vai garantir para a gente futuramente investimentos públicos para formação e investimento dos indígenas surdos.


LUIZ: - E você acha que tem o desempenho de uma importância aí na visão crítica indígena, de se sentir mais confiante, mais confortável, de assumir a sua identidade na língua de sinais na qual ele se comunica?


BRUNO: - Nossa, com certeza. A princípio, quando eu cheguei a fazer a entrevista com eles, eu me comunicava também só com apontamentos e aí ela fazia os sinais, eles reproduziam os sinais ali que eles sinalizavam ali, sinais indígenas. Aí eu conseguia entender e aí, eles também conseguiam se fazer entender, eles conseguiam me entender, entendeu? Acho que esse empoderamento de conseguir se comunicar, acho que é um direito primordial para qualquer cidadão, e eles saberem que eles são importantes, que eles são aceitos e que eles podem galgar novos ares, podem fazer uma faculdade, podem ingressar no trabalho, num ofício, acho que isso é questão de cidadania, tanto de identidade cultural e linguística, eu penso assim, só no positivo mesmo do que pode melhorar a condição de vida para eles, no social.


LUIZ: - Sim, exato, porque a língua é esse espaço de veículo de poder.


BRUNO: – Sim.


LUIZ: – E aí a gente tem esse espaço maior, como você mesmo faz no seu trabalho, de pesquisar essas línguas minoritarizadas e que deviam ter justamente o seu devido espaço para que as pessoas fizessem esse bom uso na sociedade, a gente entende que é um trabalho muito importante de fato.


BRUNO: – É, você falou uma coisa muito importante. Realmente, é relação de poder. Ter uma língua, ter uma comunicação e ele poder se empoderar dela e poder sinalizar e falar através dela, é questão realmente de empoderamento, de poder, de resistência de, um povo. E a língua é realmente faz parte da alma do sujeito. 


LUIZ: – Exato, a partir dessas relações de poder que a gente pode afirmar que é sim uma relação de resistência. Resistência de poderes opostos e desproporcionais.


BRUNO: –  Sim…É justamente isso que eu venho fazendo essa comparação em relação a uma língua de sinais sobre a outra. Por que só uma? Por que não a outra? Por que não as duas? 


LUCAS: – Outra coisa que a gente viu, estudando para esse roteiro, é que você participa de encontro dos Terenas surdos. Você pode contar um pouco mais sobre como acontece, quem participa, quando eles ocorrem, onde e quem organiza esses encontros?


BRUNO: – Ah, que legal. Boa pergunta também. Inclusive, foi a partir de um desses encontros que também me incentivou a galgar mais na pesquisa. O primeiro encontro dos Terenas surdos foi a partir da família da dona Ondina, como eu já disse, que é a mãe de três indígenas surdos, Terena, lá na aldeia Cachoeirinha em Miranda. Ele sempre lutou, sempre vinha fazer as viagens para Campo Grande para buscar alguma alternativa para os filhos. Algum deles também estudara aqui no CEADA na época, quando ainda tinha escolarização. Então, ela conheceu a Shirley naquela época. E naquele momento da Shirley, daquela ação social na aldeia, ela juntamente com a dona Ondina e com sua filha Edimara e com o apoio da sociedade ali, tanto da Secretaria Municipal de Educação, dos caciques, realizaram o primeiro encontro dos Terenas surdos. Então, eu pude participar desse primeiro, foi lá na aldeia, na casa da dona Ondina e fazem toda uma reunião mesmo, com apresentações culturais, com a entrada das autoridades, de todas as lideranças também, tanto políticas quanto da sociedade civil, quanto da educação, também os membros da família, ali apresentando a necessidade do que eles queriam para a educação de seus filhos, dos indígenas surdos. E aí, nesse primeiro evento, criamos a chamada Carta Terena, com algumas reivindicações e propostas, com a assinatura de todas aquelas autoridades ali presentes, com o compromisso de melhorias tanto para tradutores e intérpretes de línguas de sinais, para a formação, cursos de capacitação desses profissionais ali naquela região. E aí, nós tivemos… Foi 2015, e em 2016 nós fizemos o segundo e organizamos um projeto de extensão, já com o apoio da Universidade Federal, no campus de Aquidauana, e juntamente com a professora Shirley Villhalva, com a dona Ondina, a gente transformou esse segundo evento em um projeto de extensão. Aí já tivemos a participação de outros representantes da sociedade, além das lideranças indígenas, os familiares, tivemos outros profissionais, pesquisadores também, pessoal da Câmara Municipal participando desse segundo evento. Nesse segundo evento, levantamos outras propostas de lutas e de reivindicações para educação de indígenas surdos. E aí, depois de tantos anos sem fazer o encontro, a gente realizou este ano o terceiro, já com o apoio da Denise, apoio da professora Kelly lá da Universidade do Paraná, com o apoio da Câmara Municipal lá de Miranda e da Secretaria do Estado de Educação. Então, tivemos nesse terceiro encontro, já em formato de projeto de extensão, a representante do Conselho de Educação também participou, tivemos o encontro esse ano em Julho, valendo certificado para todos os alunos da Licenciatura Intercultural Indígena, para os participantes desse evento. E esse vento foi muito importante, tomou bastante proporção aqui no estado, porque agregou mais forças e deu mais visibilidade para toda história da dona Ondina, dos seus filhos, do reconhecimento da Lei da Língua Terena de Sinais ali do município. Então, assim, foi muito emocionante, porque galgaram alguns danos para que hoje a gente pudesse ter essa legislação. Começou lá de trás, na luta de uma mãe com seus três filhos indígenas surdos, que também têm outros primos, parentes surdos, que lutou e brigou incessantemente pelos direitos dos seus filhos de sinalizarem com sua língua de sinais, o direito de seus filhos terem tradutores e intérpretes da língua de sinais nas escolas, de terem formação, de terem a possibilidade de estar onde eles quiserem estar. Foi tudo a partir dessa mãe, então eu falo para honrar a dona Ondina porque ela foi realmente uma grande guerreira, uma grande ancestral ali que hoje, ela fala que ela pensa no futuro, esses filhos dela, que hoje fazem faculdade, sejam exemplos para os novos indígenas surdos, das outras aldeias do Brasil em relação aos seus direitos, a sua luta e garantir uma educação de qualidade e equitativa, e não discriminatória e sempre deixada de lado. Então, eu acho que esse encontro foi o ápice dos resultados positivos de toda essa luta, de todo esse movimento de uma mãe. Foi muito importante. A gente está, como é o terceiro, a gente pensa em continuar fazendo os encontros, fortalecendo. Como cresceu também nacionalmente as pesquisas, a gente teve o primeiro seminário nacional, agora recentemente, e daqui dois anos teremos o segundo seminário nacional que vai ser também pela nossa responsabilidade, aqui da UFMS, ficou sob a minha coordenação. Então, daqui dois anos a gente vai ter um segundo encontro nacional, e com certeza com mais pesquisas, com mais avanços, com mais leis, se o universo permitir. 


LUIZ: – Assim esperamos também.


LUCAS: – Professor, mais uma pergunta específica, de acordo com o que a gente leu. Ocorreram dois termos diferentes, que são a língua indígenas de sinais, e a língua de sinais dos indígenas. A gente queria saber se existe alguma diferença entre essas duas terminologias na sua pesquisa.


BRUNO: – Ótima pergunta também. As pesquisas começaram através de pesquisadores não-indígenas. A grande maioria. E aí a gente via por um olhar de não-indígena para os indígenas. E aí, depois que começou a ter o olhar dos pesquisadores próprios indígenas, eles começaram a fazer essas mudanças. A gente sabe que as línguas de sinais são vários povos que, por exemplo, os indígenas, os quilombolas, surdos, ciganos… então, são vários grupos, etnias que têm suas línguas de sinais. Certo? E aí quando começou-se a pesquisar sobre os indígenas surdos, um desses pesquisadores veio justamente com essa fala: de “ó: antes de ele ser surdo, ele é um indígena”. Então a língua é indígena. E é de sinais. Então, a própria terminologia, hoje, tem sido mudada. Antes a gente falava de Língua de Sinais dos Indígenas. Não, antes de ser “de sinais”, ela é uma língua indígena. Então hoje eles estão se apropriando primeiro da sua identidade cultural e depois, de sinais. Então ficou “Língua Indígena de Sinais”. A sigla hoje está se utilizando LIS. Mas claro que são línguas de sinais dos indígenas surdos. Porque até mesmo eu coloquei na minha própria tese assim: “língua de sinais dos indígenas surdos da terra indígena Buriti”. Por quê disso, também? Porque lá na aldeia Cachoeirinha tem a Língua Terena de Sinais, já está em processo até de registro, está tendo um trabalho até mesmo do LIAPE, lá, está fazendo registro desses sinais. Esses sinais são daquela comunidade ali. Existe a variação linguística também dentro das línguas de sinais, e das línguas indígenas de sinais também. E aí, por exemplo, os indígenas surdos Terena das aldeias onde eu pesquisei. Pode ser que não sejam os mesmos sinais utilizados ali na aldeia Cachoeirinha. Então existe também essa variação linguística. Então é por isso que os pesquisadores estão começando a se atentar, em relação até mesmo às terminologias, e de cada língua de sinais. Por exemplo, ali entre os Terena na aldeia onde eu pesquisei é língua de sinais – não posso falar que é Terena de sinais, porque são sinais que estão em construção ali, ainda. Até um convencionamento, a troca mais daqueles surdos que eu encontrei ali, pode ser que eu possa fazer o registro das línguas de sinais dos Terena surdos da terra indígena Buriti. Pode ser que tenha variação entre os indígenas surdos lá da aldeia Cachoeirinha. Existe também essa variação. Mas no geral a terminologia que está se utilizando hoje, até mesmo nas pesquisas, orientada por pesquisadores indígenas, é Língua Indígena de Sinais. Porque antes de serem surdos, eles são indígenas.


LUCAS: – Muito interessante essa questão identitária. E ver como que uma simples mudança de… – “Simples”, entre aspas, né? – Uma “simples” mudança de ordem muda toda uma configuração, não é?


BRUNO: – Sim. 


LUIZ: – E pegando esse gancho aqui, de identidade, a gente parte pra pergunta de um milhão de reais, com a qual a gente sempre termina os nossos episódios, que é: Bruno, quanto da sua identidade como pessoa, sujeito no mundo, tem relação com as línguas que você fala e usa? Você consegue se ver sem alguma delas?


BRUNO: – Olha… Eu transito nessas linguas de sinais, na língua também oral-auditiva, a língua portuguesa, e aí hoje, como para além do trabalho, da educação, para além do pesquisador, para além do ser Bruno, eu sou também um ouvinte no mundo da comunidade surda. Eu faço parte da comunidade surda. Então essa língua de sinais já, para mim, está inerente a mim. Porque eu convivo, além de com os indígenas surdos, eu convivo com a comunidade surda, também, praticamente, dia-a-dia. Eu faço parte de uma associação de surdos, que eu desde 2009, quando eles criaram – era um Esporte Clube, que era o Pantanal Surdos. Então, assim, eu tenho amigos surdos desde o início da minha vida profisisonal, trabalhando no CEADA, até hoje. Então, assim, hoje eu já não consigo me desvencilhar. Eu faço parte, né? Da luta, da causa, faço parte da comunidade, né? Da amizade surda, então eu acho que fica inerente ao pesquisador, ao Bruno aqui. Às vezes, eu até esqueço algumas palavras orais e eu sinalizo. Aí, assim, “ué, eu tô lembrando o sinal e não tô lembrando em português?” ou às vezes eu lembro em português e esqueço o sinal. E aí a gente esquece o sinal, e aí na comunidade surda: “ó, você precisa estar mais junto com os surdos”, porque, querendo ou não, se a gente não tá junto com eles, a gente vai esquecendo os sinais. E a língua é viva, também, né? Então a gente tá sempre em constante aprendizado. E aí todo esse movimento linguístico de novas línguas de sinais, novos sinais, a gente tem que estar junto com eles pra também estar atualizado. O internetês também nosso, nossos vocabulários na oral-auditiva, na modalidade gestual-visual – em línguas de sinais – também existe e vão acontecendo esses avanços. Então a gente tem que estar sempre correndo atrás. E estar junto, né? Eu vejo, assim, que eu transito nessas línguas. E nesses dois mundos, e nessas duas modalidades linguísticas.


LUIZ: – As identidades transitam entre essas duas línguas, né?


BRUNO: – É.


LUIZ: – Bom, Bruno, então é isso, o episódio fica por aqui, e eu, pessoalmente, estou muito feliz que você veio até aqui, falou um pouquinho e nos enriqueceu com toda essa enxurrada de conhecimento, na verdade…


BRUNO: – Desculpa, até eu acho que falei demais, né? Hehe


LUIZ: – Não, haha, assim que é bom, assim que é bom. A gente teve bastante coisa. Sabe? Então, eu posso falar pela equipe do LínguasCast que a gente fica muito feliz que você veio, e que bom que a gente teve esse episódio. Estou muito feliz, de verdade, viu?


BRUNO: – Ai, que bom. Também fico feliz.


LUCAS: – É, eu venho agradecer aqui também, porque, querendo ou não, outras perspectivas de mundo, outras cosmovisões, mesmo que “aqui do lado”, às vezes parecem tão distantes pra gente, né? E é importante saber sobre o outro, mesmo que a gente não esteja lá, pra ter um pouco mais de empatia, né?


BRUNO: – É, a gente vive tão imerso em bolhas, né? E aí a gente não quer estourar as bolhas, né? E ver o outro, e ver as diferenças, né? Tanto culturais, identitárias e linguísticas, a gente está “ah, não, só isso está O.K.”, não, eu acho que nossa civilização tem mais é que realmente entender essas diferenças, aceitar e conviver.


LUIZ: – Exato. 


LUCAS: – Muito obrigado mais uma vez. 


BRUNO: – Ah, só agradecer pelo convite. Acho importante esse espaço para que os ouvintes possam entender e conhecer a nossa Língua Indígena de Sinais, essa língua tão rica de modalidade gestual-visual. O que eu posso indicar, de redes sociais, é meu Instagram, mas eu divulgo às vezes, só eventos, mesmo, quando tem Projetos de Extensão…


DAVI: E a palavra do dia é sortimento. Segundo o Dicionário online de Português, a palavra sortimento significa: Coleção de mercadorias do mesmo gênero.

https://www.dicio.com.br/sortimento/ 


ANA KARLA: Este é o segundo ano do LinguasCast e nele você pode acompanhar três episódios da nossa temporada especial. E se você já se considera um linguarudo, você pode escutar a temporada anterior no Spotify, ou no Youtube, pelo canal LínguasCast. E não deixe de nos seguir no Instagram @linguas.cast. A transcrição deste ep pode ser acessada em linguascast.blogspot.com.

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