Transcrição T2 Episódio 01 - Acadêmicos na torre de Babel

LUIZ: Hey, everybody! Este é o primeiro episódio da segunda temporada do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: “Acadêmicos na torre de Babel” Let’s que vámonos!

CONVIDADOS: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão.

LETÍCIA: — Olá linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sejam bienvenidos ao primeiro episódio da segunda temporada do LínguasCast! Eu sou a Letícia.


LUCAS: — Y yo soy Lucas, com C por favor. Hello, linguarudes! Boas vindas ao primeiro episódio da nossa segunda temporada.


LETÍCIA: — O tema deste episódio é “a língua como possibilidade de acolhimento e socialização para alunos estrangeiros na UFMS”.


LUCAS: — E para falar sobre isso, nós convidamos Diego Santana Silva, professor adjunto no curso de ciências biológicas e nos programas de pós-graduação em ecologia e conservação e em biologia animal; Cristopher Alberto Antúnez Fonseca, aluno de Honduras, orientando do professor Diego no programa de ecologia e conservação; e Leoner Mendez, músico venezuelano e aluno do curso de licenciatura em música da UFMS.


LETÍCIA: — Então… a equipe do LínguasCast agradece imensamente o fato de vocês terem aceitado o convite do LínguasCast, para participar deste episódio. Sejam bem-vindes.


LUCAS: — Primeiro de tudo, gostaria de começar com o Cristopher e o Leoner… e a nossa pergunta vai ser para vocês dois, porque ela tem mais relação com a escolha de vocês de vir para o Brasil e estudar na UFMS. Vou perguntar primeiro pro Cristopher, mas você já sabia a língua portuguesa antes de vir para cá? Já tinha alguma convivência com a língua?


CRISTOPHER: — Bom… eu não sabia… eu sabia pouco da língua portuguesa, mas sempre gostei. Sempre queria ter em conta que… a segunda língua que eu queria saber era português. Então… sempre gostei, mas sabia muito pouco.


LUCAS: — Então a língua foi um critério de escolha para você vir, né?


CRISTOPHER: — Também.


LUCAS: — Aí, você estudou o português pra vir pra cá? Ou veio aprendendo na prática? Como que foi essa história?


CRISTOPHER: — Eu fiz um curso… uma disciplina na minha universidade em Honduras, [com] uma professora brasileira. Onde eu aprendi bem… bem básico [o] português. Foi minha primeira experiência com o português, e também da parte de conhecer a cultura brasileira.


LUCAS: — Interessante, interessante.


CRISTOPHER: — Hummm


LUCAS: — Maravilhoso! Já entra bastante na nossa… uma horinha, uma horinha e meia de convivência. 


CRISTOPHER: — Gracias.


LUCAS: — E para você, Leoner, como foi? Você já sabia a língua? Estudou no seu país de origem? Já tinha alguma convivência?


LEONER: — Então… eu consegui aprender português foi mais por um curso que ofereceu os militares, quando minha família chegou aqui. E… desde a Venezuela, eu gostava de jogar muito videogame e eu sempre gostava de tentar lembrar os nomes das funções, das configurações dos jogos, e mudar de idioma. As vezes colocava em inglês, as vezes colocava em… até colocava em árabe, para ver, sabe? Se tinha alguma coerência ou com o meu idioma. Daí uma vez testei em português e vi que era muito familiar as palavras, mas a pronúncia era… sabe o sotaque, era diferente. Já quando eu cheguei para o Brasil, eu, a primeira vez que vi a palavra “supermercado”, falei: ééé…


LUCAS e LETÍCIA: (risadas)


LEONER: — Aí, as vezes, caía na rua porque ficava olhando as placas que ficavam na estrada e daí comecei a aprender. Mas, na verdade, foi uma coisa muito engraçada, que eu aprendi o português assistindo TV.


LUCAS: — Maravilhoso, maravilhoso.


LETÍCIA: — Que legal.


LUCAS: — [Já] entra no português falado, assim…


LETÍCIA: — É, coloquial… 


LUCAS: — Aham (concordando)


LETÍCIA: — Uhum… Diego, e… agora a gente já escutou um pouquinho sobre como que o Cristopher e o Leoner se prepararam para vir, né. Então a gente queria saber um pouquinho de ti, como que você se preparou para receber os alunos estrangeiros, enquanto pessoa que acolhe? Assim, porque você tem bastante orientando no teu laboratório, a gente já deu uma pesquisada para se preparar, então como que é essa preparação da pessoa que vai receber?


DIEGO: — É… primeiro, obrigado pelo convite para participar do LínguasCast. Projeto super legal aqui, tô senguindo vocês no Instagram também para acompanhar. Parabéns pela iniciativa de divulgação, tá? Muito bom, mesmo.


LETÍCIA: — Obrigada!


DIEGO: — Muito interessante, inclusive, a iniciativa. É… e pra responder a pergunta, né… eu acho… gente, eu sou mineiro, eu gosto de falar, tá? Então vou tentar contar um causo aqui, vou tentar ser sucinto.


LUCAS: (risadas)


DIEGO: — Mas, no meu mestrado, e no meu doutorado, eu participei de laboratórios que tinham muitas pessoas. Eu tive orientadores muito bons, eu [tive] convivências muito boas, também, então eu acho que eu trouxe isso deles, também. Eu não posso tomar o crédito, não. E eles traziam essa receita de ter muitas pessoas e pessoas diferentes também, e o meu orientador de doutorado, ele é filho de uma americana, com um argentino, que nasceu no Brasil, e ele fez o doutorado fora, então ele sempre trazia gente de fora também, né. Tanto que foi isso que me ajudou a desenvolver meu inglês, né. Já adianto que meu espanhol é terrível. (risada)


LUCAS e LETÍCIA: (risadas)


DIEGO: Mas eu me viro bem no inglês… E aí eu falei: quando eu virar professor, eu quero ter a mesma coisa e oferecer a mesma oportunidade pros meus alunos do Brasil, e trazer pessoas de fora também, que seria interessantíssimo, né, [eu] acho. Ciência é muito mais interessante quando ela é compartilhada, né, acho que qualquer pesquisa no geral. E eu sempre fui muito das redes sociais, eu acho que, um pouco porque meu nome é muito comum, então Diego Santana, né, é um nome muito simples. Então, quando sai uma rede social, eu tentava fazer uma conta logo pra eu pegar um domínio, né, um nome mais fácil assim, né, para não ter que colocar Diego Santana 012345, né. E ter o contato assim com a galera assim, né, então eu julgava: então, tem edital para tentar o mestrado, tem edital para tentar o doutorado, e eu sei que fora, como eu tive a experiência de fazer o doutorado sanduíche, não sei como funciona fora do Brasil. Eu sei que lá fora, muitas vezes eles não tem bolsa, tem que pagar para fazer um mestrado, um doutorado, né. E aí, eu comecei a divulgar isso no Twitter, principalmente, né, no Xwitter, esse aí, o nome que vocês preferirem.


LETÍCIA: — Sim, é um dilema sempre, né?


DIEGO: — É… (concordando)


LUCAS: (risada)


DIEGO: — E aí, eu comecei a divulgar isso, também. Porque eu queria trazer outras pessoas, com outras experiências, porque se a gente pode fornecer possibilidade, por que não, né? Eu já tive essa possibilidade fora, então começou por aí e aí um vai falando pro outro, e eu sou membro de uma sociedade americana, da Herpetologist League, né, “A liga dos Herpetólogos” lá dos Estados Unidos, e eles têm uma tabela do Excel, que fica online, para todo mundo, onde os orientadores podem colocar se eles têm vagas, para que tipo de mestrado, doutorado, para pós-doc… e aí, eu sou membro lá, eles fizeram um perfil meu, aqui do Brasil, para colocar no site deles, também. Então acho que isso ajudou a chamar atenção, né, e aí, como é uma sociedade americana, muitos latino-americanos ficam de olho nas oportunidades de lá, mas, por mais que seja de lá, é o meu nome oferecendo vagas aqui no Brasil, né.


LETÍCIA: — Uhum (concordando). Nossa, que legal essa iniciativa.


DIEGO: — Super! Pois é, e aí eu acho que isso… também acho que ajudou a divulgar um pouco o laboratório, e tem uma segunda coisinha, vou tentar ser curto aqui, né, mas o… isso é uma coisa minha. Eu não tô criticando quem faz o contrário, de forma alguma, mas, eu gosto dessa coisa de ter uma marca, né. Então você fala: Nike. Nem sei se pode fazer propaganda, desculpa, gente. Não tô recebendo nada e muito menos o podcast, eu acho.


LETÍCIA: (risada)


DIEGO: — Mas você tem um brand, você tem uma marca, e aí eu falei: ah, eu quero Mapinguari. Que isso, né? Então, o Mapinguari é o nome do laboratório. Então não é laboratório dos anfíbios e répteis do Mato Grosso do Sul… não é o laboratório de ecologia da… não, não é isso. É Mapinguari. Laboratório Mapinguari. E aí eu, a gente, uma colega nossa, lá de Juiz de Fora, fez toda a arte pro laboratório, né, então a gente um logo, tem site, [que] o pessoal pode achar, e o site é em inglês, que é a língua da ciência, né, principalmente… então o idioma em inglês, mesmo se você for da América Latina, Israel, Austrália, da Índia… você tem que falar, você tem que publicar em inglês, né. [É] um site em inglês, e, por ter uma marca, não é o Diego, “Diego’s Lab”, né. Não é o Santana Lab. É o Mapinguari. Então, eu acho que as pessoas, “ah eu quero fazer parte desse time”, então traz essa ideia de time também: eu torço pro Corinthians, eu torço pro Flamengo… eu sou do Mapinguari. Então eu acho que o fato de eu estar inserido um pouco nesse contexto internacional, mas ter um laboratório assim, uma marca, eu acho que isso ajuda a divulgar, assim… as pessoas a encontrarem o meu laboratório.


LETÍCIA: — Uhum, que legal…


LUCAS: — É… eu vou trocar a ordem agora, vou perguntar pro Leoner primeiro. Leoner, no seu dia a dia, você interage com outros alunos estrangeiros? E como que é essa interação?


LEONER: — Então, por agora, no meu curso não tem outro estrangeiro que fale espanhol. Eu só tive mais uma convivência com uma pessoa que saiu da faculdade, né, por causa econômica, mas, caso contrário, não. Até agora não encontrei, pelo menos no Corredor Central, ali um estrangeiro que fale espanhol. 


LUCAS: — É… e aí, como que fica essa convivência falando só em português? Ela é prejudicada? Você se sente melhor falando em português agora depois de um tempo? Como que é para você?


LEONER: — Então, para mim é meio que… frustrante, tipo: nossa, [o] tempo todo tô falando português. A verdade: já perdi meu sotaque venezuelano, sabe, venezuelano raiz, e daí, quando quero falar espanhol, tenho sotaque meio neutral. Não tenho meu sotaque venezuelano. Também traz benefício, eu que o inglês e o português ele tem uma certa estrutura de texto, e aí, portanto, consigo ter uma facilidade, por exemplo, para mim aprender inglês, sabe? Penso, no lado bom e no lado ruim, mas tem mais do lado bom.


LETÍCIA: — Aí, Lucas, vou te permitir– vou pedir licença pra fazer uma pergunta, assim…


LUCAS: Claro!


LETÍCIA: — E, Leoner, tu sente saudade de falar espanhol, já que tu não tem tanta oportunidade, assim, de (es)tar falando? Tipo, tem algum momento em que tu sentiu, tipo, falta mesmo de (es)tar falando na tua língua materna? Já que tu diz que não convive tanto, né, com estrangeiros - ou não convive, na verdade.


LEONER: — Na verdade… sinto muita saudade.


LETÍCIA: — Da língua mesmo, não só do espaço, né…


LEONER: — Uhum. A língua, o sotaque, até as [os] costumes.


LETÍCIA: — Bom, obrigada, Lucas.


LUCAS: — Não, que isso… tudo bem. É, e agora, Cristopher, é… no seu dia-a-dia, você interage mais com os alunos do laboratório ou ampliou suas relações, as suas… é… abordagens de língua, e de cultura também, pra outros alunos de graduação, ou pós-graduação? Brasileiros, estrangeiros, que seja?


CRISTOPHER: — Hum, bom…para mim… é… eu interajo muito com a gente do Mapinguari. A maioria do tempo, fico com a gente do Mapinguari... que, bom, a maioria são brasileiros, mas também tem– lá tem um cara de Estados Unidos e... tá, tá, essa troca cultural, esse aprendizado cultural, para mim é muito bom. Eu também tenho saudade de falar em espanhol umas vezes, mas eu tenho um amigo de Colômbia aqui, com quem eu falo espanhol, também. Ele não é de Mapinguari, mas fica aqui em Histologia também. Hum, daí eu acostumo, mas alguma coisa eu acho que sempre tem uma saudade do meu país, da cultura…


DIEGO: — O outro colombiano do laboratório foi embora semana passada (risos).


LUCAS: — Poxa vida!


CRISTOPHER: (risos) — Mas é isto, eu gosto– eu gosto do português e para mim é dia-a-dia aprendendo português, o sotaque, palavras novas... Então é, eu gosto.


LUCAS: — Bom...


CRISTOPHER: — Me sinto bem aqui, me sinto confortável.


LUCAS: Ah, que coisa boa! Nós também estamos aprendendo palavras novas todos os dias, né, então…


LETÍCIA: — Sim.


LUCAS: — Não é uma exclusividade só de quem vem de fora. Assim como em qualquer– imagino que qualquer língua.


LETÍCIA: — Uhum. 


CRISTOPHER: — Entendi.


LUCAS: — Mas enfim, muito obrigado pela resposta.


LETÍCIA: — Diego, você já comentou, né, sobre a questão do doutorado sanduíche, e… ahn… queria saber, já que você tocou em outros pontos, outras questões, tipo nessa preparação pra quem acolhe, né, que você também se preocupou, pra poder receber, né, alunos de fora. Nesse teu… ahn… momento de ser um aluno estrangeiro, como que foi o teu acolhimento onde você (es)tava? Se você pudesse falar um pouquinho sobre isso.


DIEGO: Lógico, lógico. Eu fiz… o meu doutorado eu fiz na Paraíba, né, em João Pessoa, na Zoologia lá. É, mas o meu orientador, ele é da UFRN, de Natal, né, então eu… eu sou uma cria do meu doutorado de ficar em dois estados, né, apesar de Natal e João Pessoa serem muito perto — duas horinhas só, de carro, né? Então, eu morava em Natal, mas eu ia fazer disciplina em João Pessoa, eu fazia tudo em João Pessoa. Eu já tinha essa coisa de ser de longe, chegava lá, eu tinha que ser acolhido pelos meus colegas que estavam lá, ficar na casa de um ou outro. E, como eu disse, o meu orientador, ele fez o doutorado dele nos Estados Unidos. Então, no nosso laboratório, os colegas dele de lá vinham visitar, né, então eu tinha essas experiências com pessoas de lá. Então quando eu fui escolher o sanduíche, eu escolhi alguém que eu tinha intimidade também. Então, o meu orientador do doutorado sanduíche, Frank Burbrink — hoje ele é o curador do American Museum, em Nova Iorque — na época, ele era o professor da CUNY, né, da College University of New York. E… eu falei “ah, eu vou fazer com o Frank, já conheço ele, né…” então, foi o que eu fiz, escolhi, o Frank me deu a carta… e a gente já tinha feito campo junto — quando eu falar campo, a gente foi pra… né… pro mato coletar bicho, né, fazer expedição científica. Então a gente– ele gosta muito de quadrinhos, eu também, então a gente tinha um monte de assunto, então foi fácil chegar lá. E ele, o Frank, não tem um laboratório tão grande nos Estados Unidos, e eles não pegam muitos alunos, ele tinha 4 alunos na época. Ahn, mas alguns eu já conhecia de terem vindo aqui no Brasil também, então quando eu cheguei lá eles me receberam muito bem, foi muito legal inclusive. Ah, mas uma coisa estranha que o brasileiro — todo mundo fala isso e a gente não acredita, mas é verdade, né? O brasileiro, a gente tem… não sei se os outros países latinoamericanos têm isso também. Mas a gente chega falando assim “ah, o meu inglês é ruim, desculpa…” E aí na academia, lá, pelo menos, eles falam “para com isso, você fala o meu idioma, eu não sei falar o seu”. Tá, então, eles não têm muito julgamento, dentro da academia, pelo menos. Daí eu fiquei em Nova Iorque. Nova Iorque é uma cidade multicultural. Né, é incrível lá. E… então assim, eu (es)tava num ambiente muito agradável de fazer o sanduíche também. A única coisa que eu lembro que me marcou um pouco, assim, eu… eu… eu nunca tinha feito curso de inglês na minha vida, meu inglês era de– mesma coisa, de videogame, filme e seriado. Principalmente seriado, eu não sou muito do videogame. Então, quando eu cheguei lá, eu– eu fui aprendendo, também. Eu não fiz curso lá. Então, se eu não entendia alguma coisa, eu perguntava “what?” e aí, alguns riam assim, né, mas eles não riam de sacanagem, assim, mas riam. Aí eu perguntei “Frank?” — o Frank me falava tudo — aí eu falava “me corrige, por favor, quero aprender”, ele falava “Diego, é que quem faz pergunta assim é criança. Mas é que, se não entendeu, fala sorry, ou pardon, I didn’t understand. Aí você tem que falar com calma, mas não what. What é coisa de criança”. Então, foi a primeira coisa que eu aprendi lá. Mas assim… nunca… nunca… fizeram chacota ou nada do tipo. Foi o único momento em que eu falei assim “ah, tá, vai ser… O.K.”. Que aí eu percebi que não era só aprender o idioma, mas o contexto do uso também, né? Mas de qualquer forma foi bem interessante. Eu acho que até a experiência de lá me trouxe essa– isso de trazer pessoas diferentes pro laboratório, também, né? Porque no laboratório em que eu estava lá eram 3 americanos e uma chinesa. E– mas cada americano era de um lugar do país também, né, então, assim, era uma coisa bem diferente, assim. Então foi muito legal. Inclusive, desses que estavam lá comigo, né, um é um grande amigo meu, o Ed. Ele vem– ele já veio no Brasil me visitar umas 3 vezes nesses últimos 10 anos aí, eu já fui lá visitar ele umas 2 vezes também, já fizemos campos junto… A Sarah, a Sarah, que hoje é curadora do Field Museum em Chicago. Fui lá visitar ela já também, ela já veio fazer campo aqui, então assim, a gente mantém relações até hoje do doutorado sanduíche, por causa desse ambiente agradável que era.


LETÍCIA: — Muito– muito legal essa experiência assim, porque mostra que vai muito além da questão do idioma mesmo, de saber falar, né?


DIEGO: — Sim, total, total. E a gente– a gente se faz entender no fim das contas. Por isso que eu não me preocupo. Como é o Cris, a gente fez uma primeira reunião, quando eu vou aceitar um aluno de fora, né, eu falo “a gente precisa pelo menos ver se eu vou conseguir me comunicar; não precisa ser fluente, mas se eu falar ‘faz isso’, (vo)cê tem que entender o que (vo)cê tem que fazer”, então se eu falar ‘não faz isso’, (vo)cê tem que entender que não pode”. Então, assim, tem que ter um mínimo ali, né, e a gente, na pior das hipóteses, usa o Google Tradutor… mas… não acho que o idioma seja uma coisa impeditiva, né, a gente (es)tá aí pra aprender.


LETÍCIA: — Uhum, e é interessante, porque essa às vezes é uma barreira, né, pra– pra muitas pessoas pensarem em ir pra outros lugares e tal. É uma das primeiras coisas: “ah, mas o idioma…” Né, que às vezes não é uma solicitação de alguns programas, então fica um obstáculo aí por… por uma coisa que pode ser contornada né? Mais facilmente que outras.


LUCAS: — Aí vou perguntar pros 3, mas com um pouquinho de… de diferença pra cada um: é… primeiro, pro Cristopher e pro Leoner, eu queria saber, com relação às solicitações das disciplinas da… seja do laboratório, seja da graduação, da faculdade, é… como que vocês fazem? Vocês precisam usar o português em todas as leituras, em todos os trabalhos, nas apresentações que vocês fazem? Ou acaba que não?


LEONER: — No meu caso… você fala na questão de matrícula ou não? Ou na questão de provas, atividades?


LUCAS: — Hum… os dois, na verdade. É, a pergunta é voltada mais pra… pra parte das disciplinas, pra dentro da sala de aula, ou dentro do laboratório, também, no caso do Cristopher, é… nas provas, nas leituras que vocês têm que fazer… 


LEONER: — Sim. Por isso mesmo, no meu curso sim. Porque basicamente tem palavras em certos livros, é… proibido, sabe? Que tem palavras que têm direito de autor.


LUCAS: — Uhum.


LEONER: — E, por isso mesmo, no caso, tenho que ler em português as partituras, as obras também tenho que ler em português por… até mesmo a pronúncia da palavra pode trocar a nota da música que tem esse… esse tipo de… intenção. É… se– tem músicas que tem em vários idiomas, que estão em vários idiomas. Portanto ela tem uma intenção em cada intensidade de cada palavra. Então, no nosso caso, temos uma área de canto coral. As músicas são em português, mas às vezes também em inglês. E… cada… cada versão é diferente da original. Outras vezes (es)tão em espanhol, às vezes (es)tão em inglês, e… e na questão das atividades também, em português porque meu curso se especializa em… na questão de música brasileira, mais música brasileira, música renascentista, mas eles sempre tentam influenciar ou introduzir a música brasileira como pilar do nosso curso. Porque basicamente o quê? O que identifica um músico brasileiro? Ter um conhecimento, geral da música brasileira e poder expressar de várias formas, de vários jeitos, essa música.


LUCAS: — Entendi.


CRISTOPHER: — No meu caso, é… bom, o programa de Ecologia e Conservação que– no qual estou matriculado, é… o programa é em português, em inglês e em espanhol, mas as aulas são em português. A maioria de leituras são em inglês. E dentro do laboratório também, é… tem esse contraste das– principalmente tudo é em português, e algumas leituras que têm que ser em inglês. Então… é… meu entorno é principalmente português e inglês. E dá para– dá para sobreviver (risos).


LUCAS: (risos) — Muito legal, interessante. E aí, pro Diego, é… eu falo mais na questão institucional. É… os alunos, eles têm auxílio em relação à escrita acadêmica? Essas escritas são feitas em língua portuguesa ou na língua materna? 


DIEGO: — É, eu não lembro de ter… Ontem, inclusive eu fiz dez anos de UFMS. Haha (risos)


LETÍCIA: — Olha! Parabéns. No mesmo dia da coordenadora desse projeto.


LUCAS: — Olha aí, que legal. 


TODOS: — Haha (riso).


DIEGO: — E nesses dez anos eu não lembro de ter tido alunos estrangeiros na graduação. Eu não lembro. Ou pelo menos que não nasceu falando português ou algo do tipo. Mas, na pós, é bem diferente. O Cris falou aí. A Ecologia e Conservação é um dos melhores programas de ecologia do Brasil. É um programa nota seis na Capes, e ela tem essa vertente de internacionalização. Ela é o melhor programa do Estado, de longe assim. Então, as chamadas do programa, os editais, têm nos três idiomas. Então, tem inglês, espanhol e português. Inglês é o idioma da ciência, português é o que a gente fala aqui e a gente está cercado por hispanohablantes, falantes de espanhol. E a gente quer esse grupo também, porque eles são muito bons de pesquisa. São países mega diversos também, quando a gente fala de biodiversidade. Então, eles nascem com esse conhecimento de fauna e flora, de natureza, ecologia. E na Biologia Animal é um programa um pouco mais novo,mas a Ecologia é um caso à parte. Por exemplo, uma tese pode ser escrita em qualquer um desses três idiomas.


LETÍCIA: — Nossa!


DIEGO: — Se ele (aluno) quiser escrever em espanhol, ele pode. Talvez ele não faça isso, porque geralmente é inglês, e aí a gente vai escrever pronta para publicar. O objetivo no fim é esse. Então, hoje, as teses são escritas em inglês e se o aluno estiver inseguro ainda, em português. Não tem problema. Obviamente, se o Cris não conseguisse fazer ainda, ele poderia escrever em espanhol. São esses geralmente os casos assim. Mas, eles já vêm sabendo que as aulas vão ser em português. Falo isso com eles. Mas, podem perguntar para os professores várias vezes e todos os professores da pós graduação tem que estar preparados para ter alunos que falam outros idiomas também. Até porque, a Capes geralmente prefere que uma disciplina seja dada em dois idiomas, inglês e português, português e espanhol, ou às vezes só espanhol, ou só inglês. Isso é muito interessante para os nossos alunos. A pós-graduação é bem mais flexível… Eu esqueci de falar, mas nos últimos dois anos eu estou com franceses no meu laboratório, que aí foi um outro contexto. Eles vieram para fazer uma parte do mestrado comigo. Eles ficam seis meses e precisam desenvolver uma pesquisa sob minha orientação. Esse está sendo uma coisa bem diferente, o sotaque é completamente diferente quando aprendem português ou quando vão falar inglês. Porque eu falo zero de francês. É um outro mundo bem interessante, e está sendo também interessante pro pessoal do laboratório. 


LETÍCIA: — Esses alunos, quando vieram já sabiam um pouco de português, os vieram crus também? 


DIEGO: — Eu tive de todos os casos. Eu tive aluno que veio sabendo falar inglês, que falava inglês fluente e a gente só se comunicava em inglês com todo mundo no laboratório. Mas português, começou a aprender aqui. Teve um outro que aprendeu lá, fez aula e aprendeu rápido, inclusive. Acho que ele tem alguma facilidade, porque existem pessoas que conseguem e não se importam de errar. E, eu não me importo que ele erre e ele não se importa da gente corrigir, ele pede. Então, esse outro aluno meu ele veio falando já o português.  E nesse momento, estou com outros, um não fala português, mas fala inglês. E tem um outro aluno que só fala francês, e um inglês bem iniciante. Esse aluno a gente usa mais o Google Tradutor, mas como veio junto com outros dois, é interessante que já temos o aluno que faz a tradução pra gente também.


LETÍCIA: — Ah… O próprio aluno francês.


DIEGO: — Mas não está deixando de fazer a pesquisa, não deixa de ler os artigos. Lê em inglês muito bem. Está dando certo. 


LETÍCIA: — Eu vou vim só em uma outra questão que tu colocou. Por exemplo, se o Cristopher quisesse escrever a tese dele em espanhol ele poderia, não é? E esses alunos que estão nessa espécie de mestrado, eles têm também uma espécie de produção escrita que poderia ser feita em outro idioma além do português?


DIEGO: — O deles é diferente porque… Gente, só para deixar claro, essa é a regra da Ecologia… Cada programa tem a sua…


LETÍCIA: —  Não, a gente sabe. Porque é uma questão que a gente também discute, por isso que eu quero que você fale um pouco mais porque é uma coisa que a gente discute as vezes dentro da própria pós da Faalc. 


DIEGO: — Eu fiz mestrado em Viçosa. Hoje eu não sei como é, mas na época poderia escrever em cinco idiomas: português, inglês, francês, espanhol e alemão. Então, é outra coisa. Mas, aqui, depende do programa. No caso desses franceses, eles usam o regulamento de onde eles estão vindo, do mestrado deles. 


LETÍCIA: — Ah, tá. Uhum


DIEGO: — Eles não são alunos da UFMS, eles são alunos da universidade francesa. Eu perguntei isso para eles. Eles podem escrever em inglês ou francês. Aí eu falei: “Escrevam em inglês, porque em francês eu não vou conseguir ler sem usar um tradutor”.


LETÍCIA: — Sim! Por isso mesmo, para tu poder fazer os apontamentos, já que eles vem sob tua orientação. É importante que alguma língua em comum vocês tenham.


DIEGO: — Exato. E aí, no fim das contas, eles escrevem tudo em inglês. Na comunicação varia muito, às vezes estou conversando com um em inglês, chega outro e eu preciso falar em português, aí acontece aquela mistura. Mas, dá certo.


LETÍCIA: — Uhum, obrigada! Leoner, agora eu tenho uma pergunta pra ti. Nos contaram que te viram tocando e que na sua música, tu coloca também muitos elementos venezuelanos, não é? E a música também é uma outra linguagem, como você mesmo já falou. Então, a gente queria saber, qual a tua percepção, como você acha que o público recebe as tuas músicas. Se é possível perceber te escutando que tu é alguém que não nasceu no Brasil. 


LEONER: — Então, quando toco um instrumento fora da Venezuela, é um outro contexto. É um contexto curioso para eles, porque, vou falar assim: eurocentrismo. Quando toco alguma coisa bem básica no instrumento, uma coisa de iniciante eles acham que eu estou tocando uma peça clássica, sabe? Já toquei coisas que no meu país são simples, mas aqui não existia esse tipo de música. A primeira vez que eu me apresentei aqui na faculdade, no Primeiro Recital do Curso de Música, 2023, acho que foi em Dezembro, mais ou menos. Eu peguei meu instrumento e eles acharam que eu ia tocar músicas americanas, que eu ia tocar uma música do Michael Jackson. Mas, eu toquei uma peça clássica de do meu país que se chama Fuga Con Pajarillo, a tradução seria Desespero do Passarinho. A música, ela começa bem calma, mas está representando que o passarinho está quieto, mas começa a voar e começa a se manifestar, e aí a música começa a ser mais complexa. Então, eu tento expressar isso no instrumento e as pessoas ficam: Nossa, não estou entendendo nada do que ele está falando, mas ele está tocando. E também foi a primeira vez que tantas pessoas bateram palmas para mim. E sabe, eu gosto de expressar o que eu sinto nos instrumentos. Até no violão, eu toco de uma forma bem diferente Samba, Bossa Nova e Pagode. Sabe? Não consigo igualar o ritmo brasileiro. 


LETÍCIA: — Nossa, que interessante isso. Porque a música é uma linguagem também por si só. Então por isso que a gente tinha pensado se isso também aparecia. Agora, eu fiquei curiosa para saber qual instrumento você toca. 


LEONER: — Deixa eu mostrar, espera aí. 


LETÍCIA: — Está bem, aí você volta com ele e eu quero o nome dele também depois, por favor.


LEONER: — Tá.


LUCAS: — Certo. E mais além, a música não é só uma linguagem, elas são linguagens, não é? 


LEONER: – Voltei. 


LETÍCIA: – Para quem não está podendo ver, nossos ouvintes, é como se fosse um violão um pouco menor? Como é o nome dele, Leoner?


LEONER: — Ele se chama Quatro. 


LETÍCIA: — Muito legal.


LEONER: — Basicamente, ele segue o nome: quatro tipos de madeira, quatro cordas, quatro sonoridades. Foi criado oficialmente como cultura da Venezuela em 4 de maio de 2004. 


LUCAS: – Olha só.


LETÍCIA: — Nossa, que legal. E ele é originário da Venezuela? 


LEONER: — É, um contexto bem grande… porque tem livros e textos que falam que antes de Cristo já existia esse instrumento, tem documentários que falam que esse instrumento foi o pai do Ukulele brasileiro, do cavaquinho….


LETÍCIA: — Nossa, que legal!


LUCAS: — Olha só!


LETÍCIA: — Agora a gente vai precisar divulgar no perfil do LinguasCast quando tu for tocar, quando tu for se apresentar com ele porque todo mundo que nos escutar vai ficar curioso pra te escutar tocando, pra te assistir. nossa, a gente vai divulgar isso aí. Viu gente? Quem tá nos escutando aí, quando tiver audição do Leoner, a gente vai avisar vocês pra vocês poderem ir, a gente também! Eu acho. O Lucas deve tá super curioso, porque o Lucas tambem toca

.

LUCAS: — A com certeza! Muito! Não toco o quatro, mas um ou dois assim… 

(Risos de todos)


LETÍCIA: — Que legal! ‘Brigada Leoner! 


LUCAS: — Interessante demais. Eh… Voltando aqui rapidinho pro Diego, a gente deu uma olhada, a gente passou um tempinho analisando o site do Mapinguari, e ele tem uma interface bastante inclusiva, bastante preparada para receber pessoas que usem o inglês, que sejam de outros países e tal.  Eh…. aí eu queria saber, a gente queria saber: como é que nasceu a ideia do site do laboratório Mapinguari, porque pelo que a gente viu né, a língua oficial ela é o inglês né… Oficial assim, entre aspas, cada um tem a sua individualidade e tal,  mas pra saber sobre essa proposta de inclusão mesmo no site, sobretudo.


DIEGO: — São duas coisas assim né´ Primeiro o site. É comum os laboratórios, no nosso meio acadêmico, pelo menos a parte das biológicas né, cada laboratório tem um site, por exemplo. Principalmente entre os gringos. Porque a gente é muito feliz de ter o currículo lattes aqui no Brasil, gente. A galera de fora inveja a nossa organização com a plataforma lattes pra encontrar pesquisadores. Tenta achar o currículo de um pesquisador, sei lá… que vocẽ precise citar da França, da china, dos Estados Unidos…. É horrível! Geralmente t´no site deles. Então eles fazem um site pra organizar a vida acadêmica deles. E, quando eu tava no doutorado…. E as pessoas fazem os sites pessoais também, dos seus cursos…. Então “aqui é a página do pesquisador tal” pra eles colocarem o currículo, os artigos, as coisas que eles fazem, as linhas de pesquisa… Principalmente porque se vocẽ vai pedir financiamento estrangeiro, que é muito menos transparente… Assim, quando eu falo transparência não é pra escolha , assim…. Eles lá avaliam três folhas de papel com a sua proposta, não é um projeto gigante. E eles precisam confiar em você. E uma das poucas coisas que eles checam pra ver se essa pessoa é realmente um pesquisador de verdade pra eu dar pra ele vinte mil dólares, ele olham se você tem um site. Então quando eu tava no doutorado eu fiz um site, que é importante. Principalmente pra eu pedir financiamento estrangeiro. E aí o site era meu site pessoal, como vários colegas estrangeiros fazem um site pessoal também, e hoje no Brasil as pessoas fazem também. Que é uma forma de você ser  encontrado, das pessoas encontrarem seus artigos e te citarem. E aí quando eu passei aqui na UFMS e aí eu criei o Laboratório Mapinguari eu falei “Não, eu não quero mais o meu site.É o site do meu laboratório agora.” Então deixou de ser o site do Diego e é o site do mapingaurilab.com. E aí… beleza, esse é o site. Tem tudo  que tem lá né as publicações, quem são as pessoas que compõem o time do laboratório, algumas fotinhas pra enfeitar ali os artigos… e aí se falou de site inclusivo né Aí, pra quem não sabe, gente… por exemplo, quando eu coloco a parte dos membros lá né, eu coloquei a bandeira queer. Eu gosto de deixar bem claro que todos são bem-vindos no laboratório. E pra quem não me conhece, eu não me descrevi né Eu sou pardo, segundo as regras do IBGE, dentro da cota de negros aqui do Brasil. Então eu venho de uma família pobre também, do interior de Minas (Gerais), de uma faculdade muito pequena… Então assim, eu sei o quanto que políticas públicas foram importantes pra eu chegar onde eu cheguei, pra produção que eu tenho… Então, sem papas na língua… Assim, isso é fundamental, isso é fundamental. Então, se tem um Diego aqui hoje falando no LínguasCast é porque tiveram várias políticas públicas de inclusão que me trouxeram pra cá, né. Desde doutorado sanduíche, bolsa pra ir pro exterior, bolsas de mestrado e doutorado que eu gosto de chamar de salário de pesquisador no Brasil, né. 


LETÍCIA: — Uhum (concordância).


DIEGO: — É (alongado)... Aí eu gosto de deixar isso transparentes pras pessoas também. “Ah mais o Diego é todo desconstruidinho!”. Mas de forma alguma. Eu tô aprendendo com os meus alunos. Falei isso pra eles hoje no laboratório: gente, (vo)cês me ensinam. Então o que tem no site hoje, tem dedo dos meus alunos também. Não que eles falaram “tem que ser assim”, mas é eu absorvendo as coisas que vão deixar as pessoas se sentirem mais bem-vindas ou não. Tanto que quando eu faço entrevista com os candidatos, eu sempre pergunto. E eu não pergunto de posição política, mas eu pergunto de “você está ok de trabalhar numa equipe diversa? Você está ok de ir pra campo com uma pessoa preta? Ou de ir com uma pessoa trans? De ficar duas pessoas sozinha? Porque se (vo)cê não tiver, a conversa vai terminar aqui agora. Assim sabe. Eu não posso aceitar intolerância. E isso é uma coisa que é o ponto de corte do meu laboratório. Então eu precisava deixar um site mais inclusivo também. E (alongado) a minha esposa, eu aprendo muito com ela. Ela é pesquisadora também, então tem essa questão do feminismo científico, das mulheres na ciẽncia.


LETÍCIA: — Uhum (concordando).


DIEGO: — É uma coisa que eu aprendo muito com ela. E eu sei que tem muitos orientadores homens, que é o meu caso, que a maioria são homens. Então às vezes tem mulheres, que não se sentem bem-vindas pra entrar nesse laboratório. Mas eu quero que elas se sintam também bem-vindas e seguras, principalmente.


LETÍCIA: — Uhum (concordância).


DIEGO: — Então quando eu tenho uma chamada, por exemplo, que é o PIBIC da UFMS, né. Eu olho mais ou menos como é que tá o perfil do meu laboratório… Ixi! Tá ficando muito mais homem, então agora eu vou abrir chamada só pra mulher. Ano retrasado.. ano passado, por exemplo, separam três mulheres ao mesmo tempo, que defederam, ficou desbalanceado, teve mais doutorandos do que doutorandas. Então eu abri só uma vaga ano passado, que foi exclusiva pra mulheres. “Ah Diego, mas eu queria tanto fazer o doutorado!” “Ah desculpa, esse ano não tem pra homens.” Então assim, não tô dizendo que eu tô certo, que é o mais… mas eu acho que é justo é E se cada um fizer  sua parezinha ái de inclusão, talvez a gente consiga fazer um ambiente acadêmico mais agradável também.


LETÍCIA: — Eu acho que até mais criativo também, sabe? Não sei.


LETÍCIA: — Eu também sou uma pessoa que gosta de diversidade, por isso que eu tô aqui achando tão legal você falar dessa forma sobre isso. Porque não é uma questão de ser acolhedor só pra quem vem de fora né É ser acolhedor com todo mundo. Isso eu acho muito importante porque em época de internacionalização também tem muito essa perspectiva né, de receber quem vem de fora, de…. mas quando você fala dessa forma, e Descreve o Mapinguari assim, mostra bem isso, que essa questão de ser acolhedor é com todo mundo que queira fazer parte da equipe, ou trabalhar contigo, que queira somar e trabalhar junto…


DIEGO: — Sim! E acaba que eles se ajudam inclusive, sabe? Por isso que (vo)cê tem que tá bem. porque no fim das contas, o orientador, o meu papel como eu aprendi, é aquela pessoa que acaba gerenciando né aquele…pessoa que tá ali do lado ali, mas oitenta por cento do que eles fazem, eles ensinam um pro outro ali. Por exemplo, o Cris, ele vai pro laboratório de biologia molecular, ele sequencia DNA de sapo. Eu nunca fui pro laboratório com o Cris. Até porque ele chegou aqui ano passado, e ano passado era meu ano sabático, assim né Eu tava nos Estados Unidos no ano passado. Então ele chegou, eu não tava aqui. Quem acolheu ele foram meus outros alunos. Foi os meus pós docs também. Eu tenho meus pós docs que me ajudam muito também. Então, foram eles que ensinaram o Cris. E o Cris já tá passando isso pra frente, o Cris já envolveu alunos de graduação em produção científica, por exemplo. Isso é muito legal, sabe. Então é um aprendizado mútuo. Por isso que é bom ter esse monte de gente.  Não vou mentir que não dá trabalho, dá. Porque eu me preocupo igual com todo mundo. Então se eu tenho dez alunos, é dez preocupações que eu tenho. Mas é menos preocupação porque eles se ajudam.


LETÍCIA: — É muito legal porque tu também passa tipo uma contrução de autonomia, que é isso que agente busca né Quem é professor. Que o teu aluno não precise de ti pra pensar as coisas, pra escrever, tu é orientador, tu ali pra iluminar determinados espaços, mas não pra tomar a frente o tempo todo.


DIEGO: — É, eu gosto de saber o que tá acontecendo, eu fico um pouco ali. Eu não fico cobrando, mas eu fico “E aí? Tudo bem? Ah tá…” Eu quero saber das coisas, os prazos… Mas é uma coisa mais minha. Eles se viram bem sozinhos.


LETÍCIA: — Ah, que legal! Bom gente, a gente tá encerrando e a gente tem uma pergunta final  que é umas das marcas do Línguas Cast, que a gente faz pra todos os convidados que é… Vocês todos já comentaram né… Tipo… Cristopher e Leoner, que são de língua materna espanhola, mas aqui tão falando português, aprendendo português, convivendo com o português. Você também Diego, já comentou que fala inglês e que arranha no espanhol, de acordo com as tuas pŕoprias palavras. Então, a gente queria saber, quanto da identidade de vocẽs tem relação com as línguas que vocẽs falam. E se vocẽs conseguem se ver sem algumas dessas línguas, mesmo as que vocẽs estão aprendendo agora, Cristopher e Leoner. Quem que pode começar a responder essa?


CRISTOPHER: — Bom para mim é… que a língua tá muito… me virar em ela…. eu acho que eu poderia conviver em português durante muito tempo e não sentir problema algum.


LETÍCIA: — Mas o inglês que tu fala, também faz parte de quem tu é?


CRISTOPHER: — Sendo sincero, eu não falo inglês.Entendo um pouco e falar, sinceramente, eu não falo inglẽs, é mais português. Fica mais focado em português.


LETÍCIA: — Mas tu acha que tu tá te transformando pelo português?


CRISTOPHER: — Claro! o aprendizado, a experiência, a cultura…. a troca de conhecimento… transformou desde que eu cheguei aqui e ainda estoy me transformando e isso vais ser daqui pra frente. Totalmente. 


LETÍCIA: — Leoner, eu vi que tu tava com o dedo assim… Vamos deixar o Diego continuar…


DIEGO: — Eu estava apontando para o Cristopher!


LETÍCIA: — Ah! (risos)


LETICIA: — Vai você, então. Está contigo, Leoner.


LEONER: — Então, o inglês, o português e o espanhol são parte de mim, mas o português tem mais influência para mim. Porque esse idioma é tão extenso, e eu adoro as coisas românticas, adoro. Daí quando aprendi muitas poesias em português, não consegui parar. Não consegui parar de ler essa poesia, cantar essa poesia… E no espanhol basicamente sempre  consigo traduzir as músicas e as poesias, mas no português não dá pra traduzir uma poesia. Porque cada palavra é um sentimento, portanto não dá pra trocar uma palavra por outra. E eu acho o português muito maravilhoso, muito. Eu adoro quando algum brasileiro chega e tem um sotaque de outro estado, eu falo “nossa, é um novo mundo, um novo português!” Ou quando um estudante me fala e eu escuto diferente, e eles falam “nossa mas o português é o mesmo”, mas para mim todos os meus amigos brasileiros falam de uma forma diferente, no meu ponto de vista.


LETICIA: — Nossa, que legal!


CRISTOPHER: — Eu acho que essa parte que o Leoner fala é muito boa. O romanticismo que tem no português é bem único e específico. E não é precisamente esse romanticismo de amor entre parceiros, mas o romanticismo que o brasileiro tem da vida, que é expresso nas músicas e outros tipos de sentimentos, que como ele mesmo fala não dá pra traduzir. “Saudades” mesmo é uma palavra que não tem tradução para outra língua exatamente…


LETICIA: — Diego, com você agora.


DIEGO: — É uma ótima pergunta, inclusive. Mas antes de responder, acho interessante vocês falando isso do português, porque não sei vocês mas eu tenho a mesma percepção do espanhol. Eu acho uma língua romântica, apaixonante, quente. Há um fogo quando se fala espanhol que preenche o ambiente. Quando escuto meus alunos falando espanhol ou quando vou em algum país aqui perto é muito legal. Mas eu concordo que o português é um idioma que tem essa musicalidade também. Mas pelo menos no meu caso, eu sou muito feliz de estar num país que fala português por tantas pessoas, cercado de hermanos (risos), falantes de espanhol, porque são dois idiomas sensacionais. Aprendi muito com meus alunos que falam espanhol. Fiz coletas no Paraguai e Argentina, então quando fui lá  aprendi muito sobre a música, e acho que foi uma ótima forma de interagir, inclusive. E  eu tenho uma dor de cotovelo deles, por exemplo. Então no Paraguai, Colombia, Bolivia e imagino que na Venezuela é seja a mesma coisa… Se eu chegar na Colombia e falar de Charly García, que é um músico argentino, eles conhecem. Se eu falar de Jorge Drexler no México, eles conhecem. Se eu falar de El Chavo del Ocho os uruaguaios sabem quem é. Então assim, a cultura latino-americana dos hispanohablantes é muito conectada. E infelizmente o brasileiro se isola dos outros falantes de português, eu acho. Então a gente lê muito pouco literatura moçambicana, angolana, mesmo o português a gente lê Saramago e algumas outras coisas, pelo menos o mainstream, não estou falando de vocês que estão na letras, mas eu sou culpado disso também, a gente consome muito pouco. Eles não, eles tem essa conexão de dar inveja, essa conexão dos hispanohablantes.... Então eu não me vejo sem o português, eu acho sensacional falar, e eu quero mergulhar mais no espanhol porque ele cativa e te abraça, essa cultura do espanhol. E por consequência não posso ficar sem o inglês, e eu sempre gostei também porque a gente é bombardeado com a cultura americana e inglesa também, nos filmes e séries… Você sabe o que são os super heróis, Star Wars, Friends… Então assim, é o contrário, o espanhol a gente busca e o inglês bombardeia a gente. Então a gente é impactado com o inglês o tempo todo, mas na minha ciência o inglês é o idioma oficial, pelo menos nas ciências, engenharias, tecnologias, e matemáticas. Então eu não consigo me ver sem esses três idiomas. O inglês por ser  minha profissão, o português tá no meu coração e o espanhol me abraçou… Eu gosto de falar assim “o espanhol me abraçou”.


LETÍCIA: — Que legal! Então gente, é isso, chegamos ao fim. Agradecemos muito mais uma vez a participação de vocês, né Lucas?


LUCAS: — Sim. Essa questão de traduzir de uma língua para a outra já foi tema no nosso podcast, no episódio 5 da primeira temporada. Então quem não ouviu, vai ouvir, vou ficar muito feliz... Mas de verdade, gente, muito obrigado. Vou assumir que foi muito rico, gostei bastante de ouvir as percepções e experiências diferentes, e acredito que a Letícia e os nossos ouvintes também. Então muito obrigado a cada um de vocês!


LETÍCIA: — É isso, a gente espera se cruzar nos corredores centrais!


DIEGO: — Só para eu fazer a divulgação de um projeto.. Gente, eu sou professor no INBIO da UFMS, e durante a pandemia tive esse projeto e espero voltar com ele no futuro, é um podcast com 3 temporadas chamado Ciência de A a Z, que é pra discutir ciência… Eu tenho um amigo que me inspirou a fazer isso, ele é historiador e eu falei “você é pesquisador? mas como é que faz pesquisa em história?” E disso eu tive a ideia, porque tem tanta área que a gente não faz ideia de como funciona. Então tem episódios sobre taxonomia, história, artes plásticas, medicina, mas tudo voltado para a área da pesquisa. Então são três temporadas com vários episódios. E tem também o site do meu laboratório que é uma coisa bem mais científica que é o www.mapinguarilab.com. E para aqueles alunos estrangeiros, no meu twitter, que é o @diegojsantana, eu deixo um fio fixado com 11 dicas para alunos estrangeiros que querem fazer mestrado e doutorado no Brasil. Eu explico como funcionam as bolsas e tudo mais. Então se você é aluno estrangeiro e quer umas dicas, dê uma olhada lá no meu twitter. É isso gente, obrigado pelo convite e parabéns pelo projeto.


LETICIA: — Obrigada! Olha, vamos entrar mais em contato porque o Lucas está propondo um crossover! (risos)


DIEGO: — Vamos fazer! (risos) Inclusive eu procurei “linguística”, e aí três pessoas me indicaram, mas pensei que vou ter que adiar porque estou com muita coisa agora, mas tá lá na lista.


LETÍCIA: — (risos) Beleza então, brigadão, gente!


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