Transcrição do episódio 2 - E quando a língua portuguesa é a língua estrangeira?
ANA KARLA: – Hey, everybody! Este é o primeiro episódio do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: E quando a língua portuguesa é a língua estrangeira? Vem com a gente!
Tu
tagarelarás
Ele
tagarelará
Nós
tagarelaremos
Vós
tagarelareis
Eles
tagarelarão
LETÍCIA:
– Olá linguarudos, linguarudas e linguarudes, sejam bienvenidos ao segundo episódio do LínguasCast! Eu sou a Letícia.
DAVI:
– E eu sou o Davi! Hello, my tongue twisters! Welcome
to our podcast.
LETÍCIA:
– O tema do episódio de hoje tá na ponta da língua e é "a língua
portuguesa como língua estrangeira", e para falar sobre ele nós convidamos
o professor João Fábio Sanches Silva, doutor em estudos linguísticos e
literários, professor da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, a UEMS,
onde coordena o programa UEMS Acolhe, para acolhimento linguístico a migrantes
e refugiados e o núcleo de estudos e pesquisa em português para estrangeiros.
Convidamos também a Eunice Lijeron, da Bolívia, Santa Cruz De La Sierra, que
vive no Brasil há dez anos. Neste episódio, contamos também com a participação
dos linguarudos que nos seguem a nossa perfil do Instagram, o @linguas.cast que
enviaram algumas perguntas, que a gente abriu a caixinha essa semana, já
preparando esse episódio aqui e aquecendo a curiosidade de vocês.
DAVI:
– Pessoal, a gente quer agradecer muito assim vocês terem topado participar
desse nosso segundo episódio do LínguasCast e queria desejar as boas-vindas a
vocês, então se (vocês) quiserem agradecer, falar alguma coisa... Obrigado,
viu? Por 'tarem aqui com a gente.
PROF. JOÃO FÁBIO:
– Ahn, eu queria agradecer a Letícia pelo carinhoso convite, ao Davi que está
nos recebendo, à Eunice... Eu tenho certeza que será um episódio muito bacana,
de uma linguagem que possa agradar a todos e todos os linguarudos e linguarudas
que acompanham o podcast, acho que vai ser muito bacana esse momento.
LETÍCIA:
– Ahn... Já que o tema do episódio de hoje é a língua portuguesa como língua
estrangeira, a gente vai começar fazendo a primeira pergunta para quem tem o
português como uma segunda língua, né? Ahn... Eunice, qual o motivo que te
trouxe pro Brasil? Por que é que você veio? Como é que você veio parar aqui?
EUNICE:
– Hahaha (risada). Oi, boa tarde. Eu vim com minha família, minha mãe e três
irmãos... é... pra buscar um futuro melhor, tentar ter reinício nas nossas
vidas. Aí eu casei; só que eles tiveram que voltar para Bolívia por questão de
uma doença com meu pai. Aí eu fiquei sozinha aqui e toda minha família tá lá, e
só eu que moro aqui.
DAVI:
– hahaha (risada), beleza. É... a nossa segunda pergunta, ela vai um pouco mais
direcionada pro professor. A Eunice falou um pouquinho da trajetória dela,do
porquê ela veio pro Brasil, e a gente quer saber um pouco da trajetória do
senhor, professor. É... a gente quer saber como... como e quando surgiu esse
caminho do senhor de pensar a língua portuguesa como língua estrangeira ou de
acolhimento, assim... Como que foi, quando que foi? A gente queria que o senhor
contasse pra gente um pouco.
PROF. JOÃO FÁBIO:
– (pigarreia) Ah, que bacana, é... essa é uma, uma, uma... uma historieta
interessante da minha vida: eu comecei dar aula de inglês de moleque. Eu
tinha... eu tô com 47 anos, eu comecei dar aula de inglês eu tinha 14 anos,
ainda faltava um mês pra completar 15 anos, em 89. E até 2016 eu passei minha
vida toda dando aula de inglês. Toda minha formação , ah... "desda"
graduação até o mestrado, foi - até o doutorado - foi voltada para inglês. Eu
fui convidado a participar de um evento, de uma Semana de Letras, na cidade de
Cáceres, onde eu ia falar de alguns conceitos que eu pesquisei no doutorado, de
investment, imaginidentities, imagine communities, eu ia falar sobre isso.
Cheguei nesse evento, encontrei um pessoal super carinhoso, acolhedor, e havia
uma professora (pigarreia) que até então eu nunca ouvia falado, eu não conhecia
aquela professora. Depois eu falo o nome dela. E essa professora... ela
apresentou a fala dela antes, falando sobre o conceito de Português como língua
de acolhimento. Essa professora é a Lúcia Maria de Assunção Barbosa, da UnB. E
a professora começou a falar o que é o conceito de Português como língua de
acolhimento, quem que é atendido pelo conceito de Português como língua de
acolhimento, como que as aulas acontecem... E isso foi mexendo comigo, eu
estava sentado num canto... Aquilo foi... é... provocando incômodos muito
fortes em mim, foi mexendo com a minha estrutura...
DAVI:
– Que legal.
PROF. JOÃO FÁBIO:
- Ao ponto de, quando eu fui fazer a minha apresentação, eu não usei um slide
meu. Eu pedi que mantivessem os slides da professora Lúcia, e eu usei os slides
dela, das narrativas dos alunos haitianos e africanos que haviam sido atendidos
na época por ela, pra falar das teorias que eu tinha; e desse encontro foi
surgindo uma amizade que parece que sempre existiu, surgiu um pós-doutorado em
cima disso...
DAVI:
– Que legal!
PROF. JOÃO FÁBIO:
– E desde então a proposta desse pós-doutorado era trazer aqui no âmbito da
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul o conceito de Português como língua
de acolhimento, e isso mudou minha vida. Então desde, desde... novembro (?) do
ano de 2016... que eu passei a trabalhar quase que exclusivamente com esse
conteúdo, com esse assunto... com esse envolvimento... então eu fico muito
emocionado quando eu escuto uma história como essa da Eunice, né, que tentou a
travessia... com os familiares, os familiares precisaram voltar, e ela teve a
coragem de continuar
DAVI:
– Sim...
PROF. JOÃO FÁBIO:
– Então, é... isso me motiva esse
público, então foi algo muito muito maluco que deixou mexeu demais com a minha
minha estrutura profissional, né? Tanto que hoje eu me identifico muito mais
como professor de português como língua de movimento do que professor de
inglês, né? Minha vida mudou.
EUNICE: – Que legal, que legal.
LETÍCIA:
– Eunice, antes de vim
para o Brasil, você já convivia com a língua portuguesa? Você consumia coisas,
por exemplo, revistas, livros ou até mesmo telenovelas em língua portuguesa?
EUNICE:
– Então… Antes de vim
para cá tinha as novelas, só que tudo estava traduzido para o espanhol então,
eu assistia só em espanhol. A única coisa mais perto do portugues eram as
músicas, naquela época lembro que estava na moda era “nossa” do Michel Teló.
DAVI: –
Que legal! Hahahahaha (risos).
EUNICE:
– E tinha outra música
do Gusttavo Lima, aquela (Tchê tcherere tchê tchê).
Só que assim, eu achava que cantava certinho, agora que entendo e vejo que eu
não cantava nada, só tentava.
Todos
riem: Hahahaha (risos).
EUNICE:
– E sobre as línguas
teve muita… Calma aí, deixa eu achar a palavra certa. A palavra certa é
dificuldade, até hoje em dia eu tenho um pouco de dificuldade mas, não é igual
antes.
LETÍCIA: – Aproveitando, já que você
falou sobre essa questão de dificuldade, quando você chegou aqui, você lembra
como foi usar a língua pela primeira vez, você tem memória disso?
EUNICE: – Tenho! Por exemplo, a primeira vez que
nós chegamos, alugamos uma casa e tinha um moço que ele pegou ele falou bem
assim “ preciso de tal coisa” não lembro o que era, e no espanhol “espera um
pouquinho” seria um “espera un rato”, aí eu lembro que minha mãe falou assim
(moço, espera un rato, que ele está vindo) e o moço
olhou com uma cara para minha mãe, e aí minha irmã quis arrumar, ela falou
assim (mãe não é assim, ‘é moço espera um ratinho’), eu não conseguia para de
rir, aí eu tive que intervir, porque eu era a que mais tinha acolhido o
portugues, aí eu expliquei a ele que, nós falávamos espanhol. Fora isso, teve muito
episódio desse tipo que ficávamos com vergonha, hoje em dia não ligo mais.
DAVI: – Aí Eunice, se você quiser contar mais alguma história.
Hahaha (risos).
EUNICE: – Olha, teve uma vez que fui ao mercado com meu pai e ele
queria chamar a moça só que, ele pegou e falou assim “nossa, nossa!” aí ele
virou e olhou para mim e disse “por que ela não me olha?”.
Todos
riem: HAhahaha (risos).
EUNICE: – Aí eu expliquei ao meu pai que, em vez dele chamar
“moça” ele disse “nossa”. Comigo uma vez, eu fui comprar um sapatinho da
moleca, aí eu falei “moça onde que fica os sapatinhos da meleca” e logo em
seguida eu dei muita risada.
Todos riem: Hahahaha (risos).
EUNICE: – É cada coisa que aconteceu, vocês não tem noção! Hahaha
(risos).
PROF. JOÃO FÁBIO: Hahaha (risos). – Vai dar tudo certo, vai
dar tudo certo!
LETÍCIA: – Professor, já que o sr falou da questão da língua
portuguesa como língua de acolhimento. Qual
é essa diferença de definição para considerar a língua portuguesa como estrangeira ou como
uma língua de acolhimento?
PROF. JOÃO FÁBIO: – A perspectiva de língua estrangeira a gente pensa
sempre na aprendizagem de um novo idioma, em um país onde ele não é falado
originalmente, por exemplo, aqui no Brasil, se eu vou aprender inglês, eu estou
aprendendo inglês como língua estrangeira, porque as pessoas não falam inglês
no Brasil, e eu ligar a televisão na tv aberta eu não vou achar um canal em
inglês, se eu ligar o rádio eu não vou encontrar uma uma estação em inglês, nós
não temos isso aqui no Brasil, então eu não tenho acesso ao idioma e ele é
muito mais restrito, e esse é um cenário muito comum da perspectiva da noção de
língua estrangeira. Língua de acolhimento, é um conceito… Eu nem vou falar de
portugues como língua de acolhimento porque pode ser qualquer língua utilizada
como língua de acolhimento, a perspectiva de língua de acolhimento ela ocorre
mais em um contexto de imersão, então você tem questões relacionadas a
necessidades urgentes e não existe em uma aula de portugues ou de inglês por
exemplo como língua estrangeira, ninguém por exemplo em um curso de inglês no
Brasil vai fazer um curso para poder conseguir alugar uma casa ou fazer um
curso de inglês para fazer um currículo para ir entregar em alguma agência de
emprego, então esse tipo de perspectiva
que a gente tem mais uma aula de língua de acolhimento porque é uma necessidade
de imersão desse aprendiz nessa sociedade que o acolhe, existe assim essas
diferenças metodológicas, mas eu acho que são as diferenças conceituais entre
uma para outro, no caso da Eunice o contato dela foi um contato de imersão e
elas estavam cercada e ainda está obviamente de língua portuguesa, se a Eunice
vai ao mercado, vai a feira e se a Eunice vai é… Enfim, qualquer contexto em
Campo Grande ou qualquer outro lugar do mundo ela vai está em contato com a
lingua portuguesa, a perspectiva da língua de acolhimento possibilita
exatamente essa tentativa de maior inserção do migrante internacional na
sociedade escolhida por ele.
DAVI: – Eunice, uma outra pergunta para você,
essa pergunta foi feita lá no instagram e quem fez a pergunta foi a laurawolf e jurubits elas perguntaram sobre sotaques.
Quando você, Eunice, escuta diferentes sotaques, do português, de brasileiros
que vieram de outros lugares que não Campo Grande, o que te chama a atenção?
Você percebe essas diferenças? Você tem alguma dificuldade de entender?
EUNICE: – Ah, sim! Já aconteceu na verdade de eu
escutar o sotaque, por exemplo, do gaúcho para o campo-grandense eu achei muito
diferente, aí sim, eu tive dificuldade para entender, já o paulista eu já acho
mais fácil de entender. Depende das pessoas as vezes elas falam muito rápido e
eu finjo que entendi e aí eu só concordo as vezes, mas… Aí quando tem outra
pessoa que é estrangeira eu ainda não tive essa posição ainda de escutar outro
estrangeiro que não fala espanhol falando o portugues, porque na hora a gente
percebe e começa a falar espanhol.
DAVI: – Uhum.
LETÍCIA: – Professor, e dentre essas pessoas
assim que procuram né unep, que procuram os cursos, têm alguma dificuldade em
comum que eles apresentam compartilhável entre eles independente dos contextos
em que eles tenham vindo pra cá? tipo, a gente como professor, por exemplo,
pensa: -Oh tem que concentrar aqui, inicialmente, porque isso pode ser um
entrave para outras coisas depois. - Existe alguma coisa que dá pra se
identificar, uma dificuldade maior?
PROF. JOÃO FÁBIO:
– Eu acho que depende muito
da turma, porque, por exemplo, nós temos turmas muito heterogêneas com diversas
nacionalidades e cada nacionalidade traz uma característica própria, então, por
exemplo, quando nós temos hispano falantes a gente tem uma questão fonética
muito forte, então existe uma aproximação com a gramática da língua, mas
existem algumas questões que envolvem produção de determinados sons do espanhol
que são diferentes do português e vice versa, então isso denota uma atenção
maior. É, nós temos casos de algumas línguas que não tem uma relação direta com
a língua com a língua portuguesa, por exemplo, nós temos alunos do IM, temos do
Egito, os próprios alunos haitianos, que de repente não falam francês, falam só
cleoli, tem alguma diferença, alguma dificuldade pra conseguir compreender
determinadas estruturas da língua portuguesa, que na língua mãe deles não tem.
Então, eu acho que, não sei se consigo dar uma resposta direta sobre algo, é,
que os une, mas a voz deles em relação ao acesso ao idioma, isso é comum a
todos, então, realmente, todos eles alegam, que por mais que eles sejam bem
acolhidos, bem recebidos, a dificuldade com a língua portuguesa é um grande
desafio. E aí você conseguir trabalhar o ensino da língua com grupo geralmente
recém chegado é um outro desafio, mas a gente vem conseguindo sabe? De algum
modo fazer com que eles se sintam primeiro felizes, acolhidos, que eles criem
esse ambiente seguro onde eles estão, e aí com ajuda de algum companheiro mais
competente que ele na própria língua mãe, eles conseguem ir galgando esses
degraus e se comunicar na língua. Então acaba sendo um grande trabalho de
ajuda mútua, por exemplo, eu estou hoje
com um casal, com dois casais do Egito, um fala mais português que o outro e eu
não falo nada em árabe, e é aí que funciona, eles tem acesso a língua inglesa,
então eles fazem mediação pela língua inglesa e quando não dá certo pela língua
inglesa, esse outro falante mais competente em português usa a língua árabe
como uma língua franca, e aí a coisa consegue acontecer também.
LETÍCIA: – Nossa, é uma grande construção
coletiva né.
DAVI: – Elaborativa né.
LETÍCIA: – É, haha (risos).
DAVI:
– Muito legal. A gente
tem uma outra pergunta, que veio lá da nossa caixinha né do Instagram, do _
línguas.cast, é uma dúvida da Sara Evelyn, é uma dúvida inclusive que é bem
parecida com uma que a gente elaborou aqui quando a gente estava fazendo o
roteiro e ela é direcionada para a Eunice. Eunice, a gente queria saber o que
foi mais difícil de você aprender em relação à língua portuguesa, o professor
estava falando dos alunos dele e a gente queria saber um pouco de você, assim,
qual foi sua maior dificuldade quando você estava aprendendo português?
EUNICE: – Então, a minha maior dificuldade foi a
escrita e Estados Unidos abreviado no espanhol seria EEUU (dois E e dois U),
aqui é EUA né, faz pouco tempo, aconteceu essa mesma coisa com a minha filha,
ela estava tentando ensinar português, aí ela tinha que escrever xícara, aí eu
falei para ele colocar "chi" porque "chi" no espanhol é
"chi" e ela olhou para mim e falou assim, não mamãe, xícara é com
"x" e eu fiquei: nossa!. E tipo, eu ensinando ela errado, aí eu
fiquei muito, não sei, fiquei meio estranha comigo mesma, aí eu fui conferir
com meu esposo e ele falou que realmente era com "x", então até hoje
em dia, a minha dificuldade é com a escrita.
PROF. JOÃO FÁBIO:
– Oh Eunice, posso
aproveitar?
DAVI: – Pode.
PROF. JOÃO FÁBIO:
– É, a fala da Eunice é
muito bacana porque ela mostra uma das diferenças, hoje, que a gente vem
percebendo nos grupos de imigrantes que nós atendemos. A população haitiana
mais recém chegada e algumas outras nacionalidades acabam tendo uma necessidade
maior do componente oral, sabe? De falar português, a gente percebe que os
colombianos, bolivianos, venezuelanos, por já conseguirem se expressar melhor
em português acabam tendo um apelo muito mais forte com a gramática, com a
escrita, então eles acabam pedindo, realmente, mais atividades de produção
textual, mais atividades voltadas a essa competência mesmo linguística em português, que eu acho que
ornou o que a Eunice acabou de falar pra gente.
LETÍCIA: – Eunice, eu queria aproveitar que tu
mencionou a questão da tua filha em casa, assim, porque ela convive com o
espanhol e com o português e na escola ela tem o português. Como que está sendo
isso assim para ela? Desculpa, mas é que já que você mencionou essa questão,
talvez seja uma coisa interessante também, né, de se pensar.
EUNICE: – Haa (risos). Eu não sou muito boa em
ensinar espanhol, muita gente pede pra mim, mas ensino até onde eu posso, é que
eu não sou boa ensinando, na verdade, aí eu nunca tentei ensinar nem, tenho
dois filhos, nunca tentei ensinar nem pra ela, nem pra ele, porque tinha medo
que atrapalhasse na escola deles entendeu? Aí eu levei a Nicole, o nome dela é Nicole, ela tem 7
anos hoje em dia, levei ela na Bolívia, ficamos só 3 meses, quando voltei, ela
falava perfeito o espanhol, só que aconteceu um episódio domingo que passou
agora, ela estava com o irmão dela e as meninas encomendaram ele, e ele deu um
grito, aí a pastora foi ver o que tinha acontecido, sabe o que minha filha
falou? Ela falou bem alto, porque ela ficou brava, falou assim: - as meninas
estão molestando meu irmão. E tipo…
DAVI: – Eita haha (risos)
LETÍCIA: – haha (risos).
EUNICE: – E ela fez isso na igreja.
TODOS:
– Haha (risos)
EUNICE: – E molestar em espanhol seria "se
incomodar".
PROF. JOÃO FÁBIO:
– Incomodar.
Davi: – Nossa!
EUNICE: – A pastora pegou e ficou: "meu
Deus do céu", ela não soube o que fazer na hora.
LETÍCIA: – Nossa, imagina haa (risos).
EUNICE: –
E eu não estava junto, ela foi com a minha sogra, aí ela foi conversar
com a minha cunhada para ver o que tinha acontecido, mas durante o culto todo a
pastora ficou muito preocupada.
PROF.
JOÃO FÁBIO:
– Lógico! (risos)
LETÍCIA: – Nossa! Imagino… (risos)
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Eu tive um caso desse com um aluno nosso… éh… ele inclusive voltou agora para
as aulas presenciais, e um dia ele estava muito bravo lá na universidade, mais
muito bravo, que ele foi num posto de saúde e chegando lá ele reclamou que
estava com uma dor muito grande na costela, e que o médico tratou como dor na
patela, né (risos)… Foi com uma dor na costela e trataram o joelho dele. Uma
coisa maluca!
EUNICE: – É assim.
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Então, essa é uma questão que eu acho que não cabe nem o julgamento se é culpa
do médico, se é culpa de alguém... é uma questão de língua.
LETÍCIA: – Realmente.
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
É uma questão de um entendimento de língua, que reforça esse caos que deve ter
sido causado, lá na igreja, quando a palavra molestar surgiu, porque é uma
palavra que tem uma conotação muito forte aqui pra a gente em outro contexto.
Então é… esses casos acontecem em muitos contextos e cabe a nós que somos, no
caso, vamos falar assim, “o nativo” do idioma, tentar compreender o outro.
Tentar entender sem se apavorar, né, sem fazer apavoramento.
EUNICE: – Sim!
DAVI: – Professor, o senhor já comentou algumas
coisas sobre os alunos, né, que o senhor tem, um pouco das nacionalidades de
cada um, mas a gente queria que o senhor falasse um pouco sobre esse projeto,
de onde esses alunos vêm, que, se eu não me engano a UEMS acolhe. Eu queria que
o senhor falasse como que esse projeto começou, o público alvo, as outras
nacionalidades – se o senhor lembrar – como que funciona… assim, se um
estrangeiro, por exemplo, ficar sabendo, como que ele pode ir lá se matricular?
Ter essas aulas? Se o senhor puder falar um pouquinho…
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Lógico! O projeto começa em abril, oficialmente, né, tínhamos uns 17 alunos, na
grande maioria haitianos, alguns poucos venezuelanos, na época, e alguns
colombianos. Tinha uma aluna da Bolívia que era a Noemi e tinha um aluno do Paquistão,
Mohamed… Esse grupo de 17 pessoas. E aí, de lá pra cá, nós atendemos mais de
1500 emigrantes.
DAVI: – Caramba!
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Número bacana né? E… de mais de 30 nacionalidades, então é até difícil nomear
as nacionalidades que nós atendemos. Por exemplo, nós tivemos até alunos da
Rússia aqui com a gente, então… eu acho que a gente pode apontar assim: quais
são as nacionalidades com maior número de alunos? Então nós temos muitos
bolivianos, venezuelanos, colombianos, uma comunidade egípcia grande aqui na
cidade de Campo Grande.
DAVI: – Que interessante!
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Temos famílias do Iémen, nós já atendemos muitos alunos de Taiwan, alunos da
China, alunos do Japão, alunos da Bolívia e aí vai embora, né…(risada) tive
alunos das Filipinas, da Bélgica, gente, é muita nacionalidade! É… da França.
Hoje, nós estamos com alunos da Venezuela, da Colômbia, da Bolívia, de Cuba, da
Argentina, do Egito, do Iémen, ahn… do Haiti, obviamente…
DAVI: – Uhum.
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Ah! E estamos com alguns alunos do Senegal. Então, é um número muito amplo. No
caso, as… para alguém que conhece algum imigrante internacional, ou o próprio
imigrante internacional, o projeto UEMS Acolhe está em todas as redes sociais,
então nós temos o Instagram do UEMS Acolhe, temos um site do UEMS Acolhe, onde
estamos sempre divulgando a abertura de cursos, os novos cursos. E agora, a
gente está atendendo outras cidades além de Campo Grande, estamos com aulas em
Dourados, já iniciadas, daqui duas semanas, começamos em Cassilândia, Corumbá e
Nova Andradina. Possivelmente, no segundo semestre, começamos Chapadão do Sul e
outras cidades que estão aí no radar também.
DAVI: – Nossa, muito legal!
LETÍCIA: – Muito legal, muito legal… Professor, e
você? Você fala outras línguas além do Português, né? Já falou aí da questão do
inglês, né? E aí o que da tua identidade, como pessoa, como sujeito assim no
mundo, tem relação com essas línguas, tanto a portuguesa quanto as outras
línguas que você fala, pelas quais você circula? Se você consegue se ver sem
essas línguas?
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Que pergunta difícil! É porque eu acho que em algum momento eu me perdi, sabe
assim, eu… minha vida toda me identifiquei como professor de inglês, minha vida
toda profissional, de formação. Era muito fácil falar quem eu era. “Óh, Quem é
o João Fábio?”, “Ah, João Fábio é professor de inglês de tal lugar!”. Aqui em
Campo Grande, antes de eu entrar na UEMS, eu passei por mais de 30 escolas aqui
em Campo Grande. Então, todo mundo sempre me conheceu como professor de inglês.
Então, as pessoas às vezes estranham quando escutam que estou dando aula de
Português, que eu estou dando aula de Português para imigrantes internacionais.
Então, eu acho que hoje, minha identificação maior é só como professor de
línguas, é diferente, eu hoje num… Por exemplo, eu estava na aula da Pastoral
do Imigrante, é um do nossos polos aqui em Campo Grande, nesta quarta-feira, e
uma aluna nossa do Egito veio perguntar se a aula teria uma turma de nível mais
básico porque ela achou a aula um pouco avançada, porque ela não falava nada em
Português e ela estava conversando comigo em inglês. Então, foi algo muito
natural, sabe assim, eu simplesmente atendi, eu… eu acho que hoje, se eu tiver
que me identificar profissionalmente, eu sou um professor de línguas, eu não
sei que língua vou estar falando naquele momento, se é português, se é inglês,
se é espanhol, é… eu acho que é legal assim. A gente permite essas nossas
múltiplas identidades aí emergirem.
DAVI: – Arram. Eunice, a gente quer fazer mais
ou menos a mesma pergunta para você, mas eu queria, principalmente, saber se
você, hoje, consegue se ver sem a Língua Portuguesa depois que você a aprendeu?
EUNICE: – Hoje em dia, não. Depois que você
aprende uma língua e domina muito bem ela, ela…não sei… muda bastante o jeito
de se ver o mundo, te chama muito a atenção, muita curiosidade por saber outras
línguas. Por exemplo, eu… me chama muito a atenção o Italiano, entendeu? E o
pouco do que eu já estudei, eu consigo entender muito bem… é eu acho o Italiano
parecido com o Português, a respeito do Espanhol, por que o Espanhol com o
Português tem certas palavras um pouco parecidas. O Italiano é a mesma coisa,
tem certas palavras parecidas com o Espanhol. E, tipo… te chama muito a atenção
às coisas estrangeiras e, por exemplo, uma pergunta que queria fazer para o
professor, pois uma vez me fizeram uma pergunta muito interessante: “Em que
idioma eu penso?”.
TODOS:
– (risos)
EUNICE: – Eu nunca tinha pensado nisso! Aí no
meu caso, eu penso nos dois, tanto penso em Espanhol como penso em Português.
Só que consigo ler, por exemplo, consigo ler uma coisa em Espanhol já
traduzindo para o Português e vice-versa também.
PROF.
JOÃO FÁBIO: – Eu entendo muito o que a Eunice está
falando, então pra ela já não há grandes diferenças, então ela lê um texto em
português, ela lê um texto em espanhol ela já, pra ela já não faz muito mais, é
muito diferente, por exemplo, eu ‘tô tentando aprender um pouquinho de francês
nossa! Haha(risos) é, eu tenho que parar
e pensar realmente. Por que? Porque eu estou em um processo ainda de
apropriação desse idioma. Depois que eu me apropriar dele, ele se torna parte
de mim, aí ele faz parte já da minha vida, então é como se eu simplesmente
mudasse um switch aí, eu plugo um botão e a comunicação acontece. Eu tenho
alunos migrantes que falam cinco línguas, então é fenomenal, eu tenho um dos
nossos alunos, o Jonel, haitiano, ele é intérprete de cinco línguas e fenomenal
ver ele trabalhar, ele sai do inglês, ele vem pro português, ele vai pro
creole, ele vai pro espanhol, ele vai pro francês e é algo fenomenal. Então, se
a gente perguntar pro Jonel: Jonel, que língua você pensa? Ele ia falar assim:
eu penso em todas (risos).
Todos
riem: –Hahaha (risos).
DAVI:
– É…
LETÍCIA:
– Então, a gente já tá
se encaminhando para o final.
LETÍCIA:
– Então! Hahaha
(risos). Ai ai… A gente finaliza, que bom, né, que bom que vocês gostaram, a
gente também tá adorando, né, Davi?
DAVI:
– Com certeza!
LETÍCIA:
– Eu tô! Bom, e a gente
finaliza com uma outra pergunta que foi deixada lá na nossa caixinha do
Instagram, é a pergunta da Tayna, ela diz o seguinte: Por que parece
ter aumentado os estrangeiros aprendendo o português brasileiro, e se isso se confirmar? Professor
que você tem observado, vocês começaram as aulas agora, nesse mês, como que
parece esse panorama de pessoas que estão buscando a língua portuguesa?
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
O outro pólo nosso Guanandi tinha perto de trinta alunos haitianos e
venezuelanos, e realmente eu estou muito surpreso com o número de alunos
migrantes internacionais que estão buscando as aulas presenciais, eu acho que
nós tínhamos uma demanda reprimida, um número de migrantes continua obviamente
e crescendo. O que acontece é que às vezes o fluxo muda, então determinado ano
você pode ter um fluxo maior de haitianos, no outro um fluxo maior de uma
determinada nacionalidade, mas ele não pára, eu acho que isso não para, e aí
uma situação como essa que a gente vive hoje na Europa você começa ter já um
outro fluxo migratório, então eu acho que realmente o papel nosso hoje, todas as
instituições, de fazer esse acolhimento linguístico ele se torna muito
necessário, sabe, no momento que a gente está vivendo.
LETÍCIA:
– Então, nós
agradecemos com essa pergunta e nós finalizamos. Agradecemos a presença de
vocês, espero que vocês tenham gostado tanto quanto a gente e acho que esse
episódio vai ser o episódio que vai agradar os nossos linguarudos mesmo
(risos). Que foi muito bom.
DAVI:
– Uhum… Professor João
Fábio, Eunice, obrigado por vocês estarem aqui e ter compartilhando as
experiências de vocês, se vocês quiserem deixar uma palavra aqui pro final…
PROF.
JOÃO FÁBIO:
– Eu gostaria de agradecer, acho que a palavra maior nossa é gratidão, pela
oportunidade que nós temos de trabalhar com o outro, a oportunidade de
conhecermos outras culturas, outras pessoas, outros sorrisos, então acho que é
gratidão, como um momento como este, eu acho que é um podcast como esse ele
atinge, de repente, os jovens que nunca pensaram em ser voluntários para
trabalhar com o público migrante internacional, eu agradeço a oportunidade de
estar aqui com a Eunice, de poder conhecer uma pessoa com uma história de vida
tão brilhante quanto a dela, então eu só gostaria de expressar a minha
gratidão. Muito obrigado!
PROF.
JOÃO FÁBIO: –
Ah, com certeza… Com certeza!
LETÍCIA:
– Então é isso, gente,
muito obrigada, pela participação de vocês, assim que a gente estiver com esse
episódio prontinho a gente envia pra vocês pra verem como ele ficou, tá bom?