Transcrição do episódio 3 - Minha pátria é minha língua?

 

Vinheta:

CONVIDADOS FALAM: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão.

 

Cabeça:

ANA KARLA: Hey, everybody! Este é o terceiro episódio do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: Minha pátria é minha língua? Vem com a gente!

 

LETÍCIA: Olá, linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sejam bienvenidos ao terceiro episódio do LinguasCast. Eu sou a Letícia

 

DAVI: E eu sou o Davi. Hello my tongue twisters, welcome to our podcast.

 

LETÍCIA: – O tema do episódio de hoje tá na ponta da língua e é o ensino da língua portuguesa como língua materna, ou seja, uma das primeiras línguas que falamos no Brasil. Digo uma das primeiras porque nós não podemos esquecer da Libras e das línguas dos povos originários/indígenas, bem como das variantes faladas em regiões de fronteira entre o Brasil e outros países da América do Sul.

 

DAVI: – E pra falar sobre ele nós convidamos a professora Maria Lima, doutora em Educação pela USP e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde lidera o Grupo de Pesquisa Currículo, Cultura e História (GEPEH/UFMS),

Profa. Dra. MARIA APARECIDA LIMA DOS SANTOS (Maria Lima)

Bacharel e licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado em Educação na mesma universidade. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Oficinas da História (UERJ) e líder do Grupo de Pesquisas Currículo, Cultura e História (GEPEH/UFMS). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU/UFMS) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHistória/UEMS).

 

LETÍCIA: – Nós agradecemos imensamente a você ter aceitado o nosso convite pra participar desse episódio do LínguasCast.

 

MARIA LIMA: – Meus queridos, queridas e querides, eu agradeço o convite especial para participar de um projeto tão bonito como o de vocês.

 

Davi: Ai obrigado profe, é muito bom ter a senhora aqui.

 

LETÍCIA: – E o professor Juvenal Brito Cezarino Júnior, doutorando em Linguística Aplicada pela UNICAMP e professor do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauana, onde leciona a matéria de língua portuguesa. Seja bem-vindo, professor Juvenal!

 

PROF JUVENAL: – Ah, gente, obrigado!

 

DAVI:  E pra começar, é uma pergunta, talvez um pouco teórica. A gente quer saber, começando assim o nosso podcast, como você entende o conceito de língua? Qual seria a função da língua?

 

PROF MARIA LIMA: – Olha eu parto de alguns referenciais para fazer essa definição né? Eu entendo a língua e a linguagem como práticas sociais, ela além de ser um artefato constituído, construído historicamente, vem aí desde da antiguidade, quando a gente tem as primeiras marcas escritas, grafadas nos povos antigos, na Mesopotâmia, no Egito, etc. Você ainda tem a ideia de que ao ser prática de linguagem a gente pode falar que a língua esteve sempre presente a partir das relações entre os seres humanos, a natureza, e o mundo desde os primórdios. Então, as marcas que a pessoa usava para perseguir um animal para conseguir comida numa mata, por exemplo, as marcas desse animal podem ser consideradas marcas e sinais na perspectiva linguística, porque podem ser lidos.

 

DAVI: – Urum

 

PROF MARIA LIMA: – Então essa relação com o mundo que é mediada sempre pela linguagem nesses aspectos, tanto físicos, materiais e quanto simbólicos, né? E psicológicos também.

 

LETÍCIA: – E você lembra assim como era a sua relação com o processo de aprendizagem formal da língua portuguesa quando você estava na escola porque a gente não pode esquecer né? A gente vai na escola pra aprender língua portuguesa, que é uma língua que a gente fala desde pequeno. Então como se você tem alguma memória desse desse momento assim?

 

PROF MARIA LIMA: – Eu tenho, na realidade eu rememoro sempre porque é justamente a minha experiência na escola de educação básica que conduziu todo o meu trabalho é inclusive na pós-graduação, tanto a minha atuação na na na época de docente da educação básica quanto enquanto pesquisadora na pós-graduação e depois pesquisadora hoje, eu na na infância é uma coisa que eu gostava, eu gostava muito de fazer as lições de casa, apesar de ter uma família muito, muito pobre, uma coisa que se tinha um valor muito especial pela questão da escola, então eu tinha assim um cantinho na mesa da cozinha que eu me lembro até hoje essa coisa das memórias afetivas, em que eu sentava ali, minha avó deixava tudo limpinho, arrumado naquela mesa, era um silêncio enorme na hora de fazer a lição e eu me lembro fazendo as liçõezinhas de língua portuguesa que na realidade alfabetização eu me lembro de escrever as respostas das coisas, e eu me maravilhava com aquela coisa de desenhar aquelas letras, é de atribuir sentido pra elas. Então eu gostava inclusive fazer o caderno de caligrafia, adorava aquilo, porque pra mim aquilo era um era um desenho, né? Não era escrever, né? Mas quando eu vou ter uma experiência de escrita extremamente significativa? No 6º ano, eu estou dizendo isso em uma escola pública, porque a minha trajetória é toda de escola pública.

 

LETÍCIA: –Urum

 

PROF MARIA LIMA: Escola pública da periferia de São Paulo, muito pobre inclusive, onde a escola pública chegava. E na década de setenta, no período da ditadura militar, foi quando eu era criança. E aí, é, nesse período do 6º ao 9º ano eu tive a mesma professora de português durante quatro anos. E essa professora usava um livro que era muito subversivo na época, que era uma coleção didática do Sargentelli. Que inclusive alguns professores mais velhos hoje conhecem ou pesquisadores do campo do livro didático, conhecem esse livro. O Sargentelli ele organizava o texto, o trabalho com língua portuguesa, dividido em partes que era a leitura, e a produção e tinha a parte do exercício. Então, você aprendia muito essa coisa da convencionalidade da língua, das normas, mas você tinha um contexto de produção. Então eu me lembro, por exemplo, de um caderno auxiliar que existia em que cada parte que era reservada pra esse um tipo de exercício, então, era a leitura, análise da língua e produção de texto, a gente era uma cor, e eu me lembro que tinha cor da produção de texto, eu fiquei do 6º ao 9º anos, quatro anos trabalhando com produção de texto integrada a análise linguística e integrada a leitura, e foi ali que aprendi a amar a literatura, porque a gente lia muito, muitas crônicas, era uma marca do livro do Sargentelli, ele trazia muitas crônicas além de trechos de livros literários. Então, além disso minha professora complementava a aula, com uma vez por na semana, sem minutos, nós líamos a partir de uma biblioteca ambulante que ela tinha, então para gente, por exemplo, ela uma disputa dar aula pra quem ia buscar a caixa da biblioteca ambulante, e eram duas caixas enormes de madeira, que a gente tinha que carregar para a sala, e aí todo mundo queria, todo mundo queria, e ela tinha que montar um horário para quem ia cada aula, aí depois que chegava as caixas uma pessoa tinha que cantar o nome, a gente fala cantar o nome dos livros, e aí a gente escolhia os livros, então eu li nessa ocasião a Odisseia de Homero, entre outros.

 

DAVI: – Caramba!                   

 

PROF MARIA LIMA: – Eu passei 4 anos, sem minutos por semana, lendo literatura, por conta do trabalho dessa professora.

 

LETÍCIA: – Que legal!

 

PROF MARIA LIMA: – Essa professora, foi minha professora e professora das minhas duas irmãs, eu tenho uma irmã que é um ano mais nova que eu e a outra é três anos mais nova, elas também passaram por essa experiência e nós nos tornamos as três ávidas leitoras. Então eu até o 2º  de faculdade eu só comprava livros de literatura, a minha biblioteca tem uma parte enorme de livros de literatura que eu comprava, até que eu me virei e falei “caramba, vamos parar! Você também precisa comprar livro de história", e aí comecei a comprar livro de história, mas a minha vida foi muito marcada por isso, inclusive o meu mestrado eu fiz sobre a história da educação, mas, na minha trajetória de professora eu trabalhava com crianças com dificuldade de leituras e escrita, eu me tornei uma orientadora de estudo, e nós organizamos todo um projeto dentro da escola em relação a isso. Então, na última escola que trabalhei, eu trabalhei com cinco anos, como professora de história e orientadora de estudos trabalhando com alunos com dificuldade de leitura e escrita e também as minhas aulas de história são marcadas por essas perspectiva de aproximação com linguagem literária e com a linguagem escrita, mas, era uma perspectiva mais libertadora e mais satisfatória, e não aquela perspectiva de ficar dando aula de história a partir de textos literários, eu não suporto isso, eu acho que convencionalmente se faz muito isso, mas, eu não gosto. Eu gosto de compartilhar o amor que eu tenho, o prazer que me dá, o êxtase que tenho quando leio um texto literário, é isso que compartilho com meus alunos nas aulas, até hoje.

 

LETÍCIA: – Eu acho que isso acaba nos levando para a próxima pergunta, né Davi?

 

DAVI: — Com certeza!

 

DAVI: — A gente sabe que a língua, seja a escrita ou a falada, perpassa diferentes contextos sociais, inclusive o contexto de ensino de história. Como você percebe o papel e a importância da língua nesse contexto?

 

PROF MARIA LIMA: – O que acontece é que a língua escrita, esse é o cerne das minhas pesquisa, e eu trabalho atualmente com dois grandes veios de pesquisa um deles é destinado às políticas curriculares e o outro é destinado a questão a língua escrita e o ensino de história, para esses dois veios, eu hoje estou movimentando em um campo teórico que é da análise do discurso a partir do Lucro e da Laclau e da Mouffe, e nessa perspectiva a gente entende que o discurso ele é política, ele é manifestação política e existência política no mundo, o discurso é uma existência concreta, porque se pressupõe que não há como você aceder a realidade sem utilizar a linguagem, a linguagem é o mecanismo do qual nos constituímos a relação com a realidade, então hoje eu essa perspectiva que se desloca do campo da linguística e vai para o campo da ciências políticas em íntima relação, desses dois campos. Agora quando eu estudei a questão da relação com a consciência histórica eu estava em outro momento, no meu doutorado, e aconteceu a partir dessa minha experiência como orientadora de estudo, trabalhando com a questão da linguagem, e da questão da leitura e escrita dos alunos, eu estava ali tentando entender cada vez mais o que que era aquela questão que envolviam a produção da escrita das crianças e dos adolescentes, então, como eu poderia intervir, de que maneira eu poderia promover o desenvolvimento dessa capacidade escritora, e um dos movimentos que eu fiz na época foi me aproximar da literatura, da didática, da alfabetização e eu fiz cursos, por exemplo, na Escola da Vila, que eu trabalha em  São Paulo, e eu fiz curso de alfabetização com elas lá, e eram um curso na Escola da Vila que era de um ano e nós observa situação de sala, a gente analisava, a gente estudava essas teorias de alfabetização. Então isso já foi uma fonte em um processo de aproximação da linguagem bastante sistematizada  na perspectiva da didática, e depois durante esse meu trabalho eu fui, uma pessoa me falou, era uma professora de português era virou uma das minhas amigas, sempre foram umas das minhas grandes parceiras de projetos, nas escola ao longo dos quase 20 anos de educação básicas, as minhas principais grandes parceiras sempre foram professoras de português, e umas delas virou para mim e disse assim “nossa Maria, você podia examinar melhor esse negócio dessa relação entre aprender história e aprender escrever”, e aquilo ficou na minha cabeça, aí eu falei caramba, isso daí é a chave e foi aí que resolvi fazer o doutorado em 2003 com essa chave, de tentar entender, qual era a relação entre aprender história e aprender escrever. A gente sabe intuitivamente isso, mas, na verdade não existe muitas pesquisas, mundialmente falando, não existe muitas pesquisa falando sobre essa questão, aí eu fui examinar isso, e o que aconteceu naquele momento, eu não conseguia me despregar do meu papel de professora e transitar para pesquisadora, então eu sempre olhava para o ensino de história e via assim, aprender escrever e como eu avalio para aprender história é a quantidade de conhecimento que ele é capaz de me devolver escrevendo, e essa é uma perspectiva totalmente equivocada, porque quando você está trabalhando essas perspectiva você vai está trabalhando a perspectiva transmissiva de acumulação, e aí para eu poder saber sair desse lugar que estava incômodo que eu comecei a perceber que não dava em nada, eu fui estudar essas questão de consciência históricas que estava muito invoca na época  na Europa, a partir do Jordan que é uma alemão, que foi traduzido por um inglês Peter, e que ao chegou ao Brasil pela Maria, e aí naquela época para mim observar o desenvolvimento da consciência histórica se tornou muito funcional para eu poder executar meu estudo. No entanto, qual era o problema? As bases que eu usei para o meu trabalho, eu comecei em uma perspectiva psicológica a partir do Vygotsky, aí depois eu partir dessa questão de consciência eu fui associando Vygotsky e Bakhtin, porque o Bakhtin também trabalha com essa perspectiva da consciência, pensando sobre a linguagem, nessa perspectiva nesse campo da linguística é não mais psicológica, e aí eu nesse processo acabei usando os dois e unindo com essa perspectiva do Rissem para poder constituir uma perspectiva de consciência que me possibilitasse observar esse processo de movimento, no entanto, o que aconteceu do meu pós doutorado? Eu comecei a receber críticas ao meu trabalho que foram muito pertinentes e que me fizeram repensar essa questão de consciência, principalmente por causa da história que tem toda essa história de consciência crítica, consciência política, e com o tempo eu fui aprofundando os estudo de análises dos discursos, eu fui percebendo o quanto essa perspectiva de consciência é equivocada, porque quando a gente fala de consciência, nós estamos usando referenciais eurocentrados em uma perspectiva cognitivista de conhecimento, e é uma racionalidade cognitivista do século XVII ao século XVIII europeu, então os estudos dos pós coloniais, a perspectiva pós estruturalista me trouxeram essa outra concepção, de que eu posso pensar, por exemplo, a aprendizagem como presença, como ser e estar no mundo através da linguagem. Então, isso tem em me expirado para fazer essa investigação e eu atualmente estou desenvolvendo investigação no campo da autoria do ensino de história, mobilizando essas categorias, tentando observar como é que a criança se expressa ali, naquele contexto de ensino de história e que dessa expressão linguística marca esse processo de autoria, e qual é a medida dessa autoria é ser e um estar no mundo que, essa criança se torna presença. Vocês estão vendo que estou trazendo categorias do campo da filosofia, linguística, da ciência política para poder pensar sobre a questão do “por quê”? Porque tudo a linguagem atravessa todos esses campos, e é a linguagem em torno da linguagem que esses teóricos desses vários campos, vão constituir uma teoria de análise da realidade, então é nesse sentido que eu tenho pensado a utilização da língua, e o que acontece, só para encerrar, o ensino de história, o que eu tenho percebido através das investigações que temos feitos, existem uma concepção do ensino de história que vai atravessar desde da educação básica até o ensino superior, nós temos muitos professor do ensino superior que pensa assim, os especialistas dos campos disciplinares  de várias áreas não só história, eles acreditam que primeiro é preciso dominar a língua com uma certa tecnologia da língua em termos de convencionalidade, normatividade para depois você aprender história, então, a grande questão que se coloca é falar assim, olha o cara que chega na universidade que mal sabe ler e escrever, como vou ensinar história, então a gente ouve muito professores das universidade falando isso, e a gente ouve no ensino na educação básica, os professores têm essa concepção  de aprendizagem da língua em relação ao conhecimento específico, e a gente percebe que isso é uma construção histórica, que separa a aprendizagem da história e da linguagem, porque nós estamos nessa perspectiva cognitivista, que na realidade que estabelece etapas para a aprendizagem, que é uma concepção mecanicista de aprendizagem.

 

DAVI: – Aham

 

PROF MARIA LIMA: – Nós temos um evento dias 30 e 31, em que nós vamos debater essas questões, é um evento internacional, vão vir especialistas de outros países do mundo, para falar sobre a questão de aprendizagem na história e eu vou falar um pouco dessas questões. 

 

DAVI: – Muito Bom!    

                                                                

PROF JUVENAL: - Bom, pensando assim, de forma bem abrangente na área da linguística né, a língua é um sistema de signos que exprimem as ideias. Esse é aquele conceito básico que a gente já tem né, e se a gente for pensar, assim, dentro dos estudos da linguística aplicada, que é a área que eu atuo, a gente sabe que a língua, a linguagem, ela tem seus atravessamentos ideológicos, e que esses atravessamentos refletem na forma  como nós cidadãos compreendemos a língua, a gente sabe que não existe essa neutralidade na língua né, então quando a gente pensa em ensino de língua portuguesa é exatamente para tentar  despertar essa consciência, esse senso crítico dos estudantes para que eles percebam as várias formas de produzir sentido, as relações de poder que estão atravessadas nessa língua, nessa linguagem, então são várias questões que a gente pode pensar a partir daí.

 

LETÍCIA: - Então já que você foi nessa questão da perspectiva de se preparar a consciência, então você diria que essa seria uma das finalidades do ensino da língua portuguesa na educação básica, pensando que, se a gente pensa na questão do ensino de língua portuguesa, todos alunos, boa parte dos alunos que chegam na escola já falam a língua portuguesa, né?

 

PROF JUVENAL: - Sim.

 

LETÍCIA: - Então seria essa uma das finalidades, essa questão da consciência você acha?

 

PROF JUVENAL: - Sim, assim, se nós pensarmos que somos formados como sujeitos por discursos, eu vou dizer essa minha opinião respaldada nas pesquisas linguísticas das quais eu comungo, então, pensando primeiramente nos estudos do professor trabalha, a finalidade maior do ensino de língua portuguesa, se a gente desenvolver ou ampliar a competência comunicativa do estudante, de modo que ele seja mais fluente em suas interações e isso implica em trabalhar gêneros textuais diversos, indo assim dos prestigiados aos periféricos, posso chamar de periféricos porque a escola, até então, ela se ateve a uma quantidade restrita de gêneros que atendiam a um interesse maior, um interesse mais da elite, hoje a gente tem uma abertura para outros gêneros e abrindo a escola consequentemente para a pluralidade dos discursos, e, além disso, eu acho importante a gente pensar assim, trazendo as contribuições da professora Branca Fabrício que é uma pesquisadora da Federal do Rio de janeiro, é importante que o estudante entenda, por exemplo, nos estudos de língua portuguesa, que a linguagem é uma prática social e que ao estudarmos a linguagem nós estamos estudando também a sociedade e a cultura das quais ela é parte constituinte constitutiva. Além disso, compreender que as nossas práticas sociais não são neutras e envolvem escolhas, vamos supor, relação de poder e compreender também que há uma multiplicidade de sistemas semióticos em jogo no processo de construção de sentidos, e, aí eu chamei atenção para essa última, porque ela abre o trabalho com a língua para além do grafocêntrico

 

LETÍCIA: - Urum

 

PROF JUVENAL: - Ou seja, para além do texto central do exclusivamente na escrita como a escola tem feito ultimamente, é claro que houve um certo avanço, mas ainda precisamos caminhar nesse ponto né, porque a escola ainda se atém, exclusivamente, ao ensino de escrita. As públicas nem tanto, mas as privadas muito mais, até porque elas têm um olhar muito mais mercadológico, pensando mais nos cursinhos e tudo mais.

 

LETÍCIA: - Sim

 

PROF JUVENAL: - E aí no ensino de língua portuguesa, ele tem por finalidade que o estudante compreenda a língua como social, histórica, de modo a realizar análises mais complexas, e entendermos atravessamentos ideológicos, que são competências que colaboraram para a formação do leitor crítico e um leitor que consegue posicionar-se, é exatamente isso que eu enxergo como a finalidade do ensino de língua portuguesa.

 

LETÍCIA: - Ah, muito legal, muito legal.

 

DAVI: - Professor Juvenal, você, assim, aonde você dá aula no instituto federal como professor de língua portuguesa, você percebe alguma resistência dos alunos em querer estudar a língua portuguesa, justamente porque essa é a língua que todo mundo fala, que a gente já sabe, as vezes é comum a gente perceber na escola um aluno falando "ai, porque eu estudo português? eu já sei, eu já falo, para que eu tenho que estudar aqui na escola", de maneira, digamos assim, mais formal, então você percebe essa resistência?

 

PROF JUVENAL: - Olha, às vezes, assim, tudo depende da forma como a gente apresenta o assunto, né?

 

DAVI: - Urum

 

PROF JUVENAL: - É, já fui questionado sim, sobre a relevância de determinados conteúdos, ou o aluno pergunta assim "ah, porque eu preciso aprender isso?", Só que, assim, esse tipo de indagação, embora pareça simples ou até mesmo bobinha, elas realmente me incomodam

 

DAVI: - Urum

 

PROF JUVENAL: - Então eu entendi que a minha prática docente, ela deve ser constantemente repensada e aí é importante não naturalizar as coisas ou os métodos e entender que essas determinadas propostas de ensino, elas atendem a determinados interesses.

 

DAVI: - Urum

 

PROF JUVENAL: - Então, por exemplo, hoje, se eu tiver que ensinar as orações subordinadas, eu não vou ensinar, é, não vou exigir, por exemplo, como se acostumava, que os alunos decorem as orações sem entender o funcionamento delas, sabe, assim, dentro de um texto, por exemplo. E aí quando eu trabalho este conteúdo, geralmente eu disponibilizo uma folha com explicação, e caso exija alguma atividade, eu sempre possibilito, permito, que eles consultem, porque eu acho que o ensino não pode ser essa coisa do memorizar, ou decorar, senão os alunos vão manter essa ideia de que "isso só me serve se for aplicável, se tiver algum retorno ou coisa do tipo" né?

 

LETÍCIA: - Urum

 

PROF JUVENAL: - E eu não gostaria que eles reforçassem o estereótipo de que o português é difícil e que não sabem nada simplesmente porque eles não memorizaram as terminologias, mas esse tipo de pensamento ainda é muito comum, de os alunos acharem que eles, é, eu falo, mais assim, eu sei que você fala.

 

LETÍCIA: - Urum

 

PROF JUVENAL: - Mas você precisa aprimorar essas competências para que você consiga fazer análises, vamos dizer assim, mais complexas.

 

DAVI: - Urum

 

LETÍCIA: - Urum

 

LETÍCIA: - E o teu processo, assim, professor, como foi a tua relação com o processo de aprendizagem da língua portuguesa na escola, quando você estava na escola, você tem alguma memória desse período?

 

PROF JUVENAL: - Nossa, tenho várias memórias

 

LETÍCIA E DAVI: -  (risos)

 

PROF JUVENAL: - O que me levou a fazer Letras foi exatamente esse, na verdade, a facilidade de memorizar as coisas, então quando eu tinha que memorizar coisas de língua portuguesa, por exemplo, locuções adjetivas, essas coisas todas eu tinha facilidade, mas eu não tinha, por exemplo, a noção de que o estudo de língua portuguesa ia muito além disso. E eu lembro que na 6° série uma professora resolveu fazer um projeto com os gêneros textuais, mas hoje, como professor eu entendo que nem ela tinha noção muito bem do que ela tinha que fazer e que eram propostas novas, isso lá nos anos 90, propostas novas, e ainda não tinha sido discutido acho que com os professores que estavam em sala de aula, então, é, a gente trabalhava com muita gramática e quando alguém tentava  inovar parecia que não era ensino de língua portuguesa, sabe?

 

LETÍCIA: - Urum

 

PROF JUVENAL: - Parecia que a gente não estava estudando, ou não estudar as regras, parecia que o professor estava enrolando e, hoje, eu já tenho uma concepção muito diferente em relação a isso.

 

LETÍCIA: - Urum. Antes da próxima pergunta eu só queria fazer um comentário, que é interessante que você trouxe a questão da 6° série e a professora Maria Lima também, né?

 

PROF JUVENAL: - Também (risos).

 

LETÍCIA: - Foi no 6° ano, então acho bem interessante, assim, é só uma pontuação quem sabe do que ela refletiu outras coisas também posteriormente.

 

JUVENAL: - Então, e eu vou dizer também que para mim um dos momentos mais significativos da língua portuguesa foi na 6° série também, então não sei o que está acontecendo

 

- (risos)

 

DAVI: - Olha só.

 

LETÍCIA: - É uma coisa para a gente analisar, né? (risos). Bom, professor Juvenal, por ser professor de língua portuguesa você passa muito pela situação de que as pessoas esperam que você fale, escreva, dentro somente da norma padrão? A gente sabe que às vezes acontece, né, e até nas interações cotidianas, às vezes as pessoas esperam que as tuas postagens, as tuas mensagens, a tua conversa sempre siga a norma padrão, né? O que você acha disso?

 

PROF JUVENAL: - Então, (risos)

 

LETÍCIA: - (risos)

 

PROF JUVENAL: - Acho que esse é o grande estereótipo que assombra, vou usar esse termo, os professores de língua portuguesa. Constrói-se a imagem de alguém que conhece as regras, as regras da gramática normativa, é que mantém a sua fala mais próxima do padrão escrito, eu vou dizer assim. Bom, eu estudei só em escola pública estadual o ensino básico inteiro e acreditava que se bem falar, e não sei precisar em que momento eu assimilei a ideia de que quanto mais da norma padrão eu apresentar em minhas falas, mais credibilidade eu teria. Então eu me policiava para manter a norma padrão

 

DAVI: - Urum

 

PROF JUVENAL: - E depois de ingressar em Letras e passar pela disciplina de Linguística, que vocês também passaram ...

 

-(risos)

 

PROF JUVENAL: - .... eu comecei a entender essas relações de poder, os preconceitos alimentados, ainda que inconscientes, compreender que há variações e que essas variações são ricas em análises na sala de aula e por aí vai. E essa consciência foi importante para mim, e aqui incluo também para meus alunos, porque eu levo isso para a sala de aula sempre, compreender que cada contexto tem a sua dinâmica, suas regras, suas especificidades exigem  graus de complexidades diferentes, e aí, de forma resumida, assim, o eu professor né, vou me expressar de uma forma na sala de aula, de outra nas redes sociais, de outra na roda de amigos, em mensagens de WhatsApp, então respeitando assim as peculiaridades de cada interação, sendo mais formal, menos formal e por aí vai. E acho importante que as pessoas entendam que exatamente por ser professor de língua portuguesa é que eu não vou, nós não vamos julgar essas variações

 

DAVI: - (risos)

 

PROF JUVENAL: - Mas a gente pode usá-las como um estudo mais sistemático em sala de aula.

 

LETÍCIA: - Urum

 

DAVI: - Beleza. A gente está encaminhando para o final já e essa é uma pergunta que a gente tem repetido ao longo dos nossos episódios, é uma pergunta para os dois, assim, tanto para a professora Maria Lima, quanto para o professor Juvenal. E a gente quer saber primeiro, vocês falam outras línguas além da língua portuguesa? E se sim, vocês diriam que essa outra língua também é tão constitutiva de vocês quanto a de língua portuguesa?

 

PROF MARIA LIMA: - É, então, eu  falo um pouco de inglês, também leio há muito tempo, também falo um pouco de espanhol, já leio, essas duas línguas estão comigo desde a graduação nos anos 80  e eu não tenho dúvidas que elas me constituem, porque, inclusive, um dos grandes problemas que nós temos no Brasil é a resistência em aprender o inglês porque, de verdade, aprender uma outra língua significa promover um mergulho na cultura dessa língua e também aprender a ver o mundo a partir desse lugar, né?

 

DAVI: - Urum

 

PROF MARIA LIMA: - Então, é um desafio bastante grande porque, inclusive, nós temos problema ali na educação básica que tem uma relação com a língua portuguesa muito complicada de formalidade, isso que o Juvenal acabou de falar, né, essa perspectiva conservadora de ensinar a língua que foca na questão da norma, da convencionalidade, ao invés de pensar a língua nessa perspectiva mais abrangente na prática social e isso acaba criando no caso do inglês um trauma muito grande para muitas pessoas porque como as pessoas têm uma perspectiva muito conservadora, então ficam achando que as crianças têm que aprender por repetição, então ficam dando exerciciozinho de repetição ao invés de pensar contextos linguísticos de mergulho na língua a partir de reflexão sobre determinadas situações, ou a partir de sinais que você vê dessa língua na sua própria sociedade e assim por diante, Então para mim foi muito sofrido entrar no mundo da língua inglesa, mas a partir do momento que eu consegui passar essa barreira inicial, que demorou muitos anos, eu percebi o quanto que eu perdi não tendo essa oportunidade de ter tido acesso a essa língua numa perspectiva mais abrangente, apreendê-la de maneira mais cultural e não meramente como um sistema linguístico que eu tinha que me apropriar tecnicamente. Na medida que eu fui vendo que isso era uma perspectiva mais cultural, eu também, apesar do sofrimento de ter que olhar para o mundo a partir, e a gente sempre tem a referência dos EUA e eu era muito, sempre fui muito resistente à cultura estadunidense na perspectiva do imperialismo etc., como todo professor de história que era.

 

-(risos)

 

PROF MARIA LIMA: - Mas, apesar disso, a gente vai percebendo que é uma bobagem, a gente vai aprendendo a ver o mundo de uma maneira mais abrangente. Então para mim, aprender outra língua é uma coisa fundamental, recomendo a todas as pessoas porque faz com que a gente seja diferente, muito diferente, a gente começa a ver as coisas de maneiras muito diferentes e é maravilhoso, é maravilhoso poder se expressar numa outra língua porque isso te força também a se, você se reorganiza, se reinventa para poder falar em outro idioma, para mim tem sido uma experiência muito boa.

 

LETÍCIA: - Professor Juvenal.

 

PROF JUVENAL: - Bom, eu fiz Letras Inglês e com certeza aprender a língua inglesa alterou muita coisa, assim, na minha vida né, porque eu vim de uma escola pública e quando cheguei na universidade federal tive que me virar para aprender o inglês porque as aulas de inglês eram dadas em inglês e sofri um pouco, mas hoje, assim, eu, como a professora falou, você ter acesso, no caso a textos, a outra cultura, compreender melhor o outro, então isso só é possibilitado a partir do conhecimento de outra língua, eu, além disso, estudei espanhol, então tive a oportunidade de visitar alguns países aqui da América do Sul, então me ajudou um pouco e outra língua que eu tive contato também, e isso eu tive devido o estágio da universidade, quando eu cheguei na escola eu tinha alguns alunos surdos e eu tive contato com a língua de sinais e foi algo que me mudou muito porque a língua portuguesa é a língua adicional, ela não é a língua do surdo, a língua dele é a língua brasileira de sinais, é libras e eu comecei a entender muito mais os surdos a partir do momento em que eu estive imersão com eles ali, porque durante o intervalo ficava na roda dos surdos então começava a perguntar algumas coisas, fui fazer curso depois e eu vejo como que hoje tenho um outro olhar para essa comunidade que eu não tinha antes. Então, compreender outras línguas com certeza mudou muito na minha vida.

 

DAVI: - Nossa, que legal. Então finalizando, essa foi a nossa última pergunta e antes de ir para os agradecimentos, eu queria conceder o espaço aqui para a professora Maria Lima para falar um pouco do teu grupo de pesquisa professora, falar um pouco do que vocês têm desenvolvido, dos trabalhos que vocês têm feito, vai ser muito legal se a senhora puder comentar um pouco.

 

PROF MARIA LIMA: - Nossa eu super agradeço a oportunidade de falar do meu grupo, ele é um grupo que já existe há 12 anos e esse é o décimo terceiro ano. Hoje ele é composto, inclusive a minha vice-líder é a professora Maria de Fátima Xavier, que é formada em Letras e Pedagogia.

 

DAVI: - Ai que legal

 

MARIA LIMA: - É uma grande parceira, então continuando com as minhas grandes parcerias com os professores de língua portuguesa que desde sempre na minha carreira.

 

DAVI: - aram (risos)

 

PROF MARIA LIMA: - Eu também hoje tenho meu grupo de pesquisa, uma querida, uma maravilhosa que é a minha colega e minha amiga, é a professora Maria de Fátima, nós temos desenvolvido alguns projetos. Esse ano passado de 2020 com a pandemia, nós demos continuidade a um projeto que eu inaugurei lá em 2017,  que são as aulas abertas, as aulas abertas deram origem aos seminários da BNCC que nós tivemos aqui no estado, foram três seminários, o terceiro sendo em 2019, entrou a pandemia, em 2020 a professora Maria de Fátima já estava no grupo de pesquisa e agora é o nosso grupo e ela se tornou vice-líder por conta dessa relação com a linguagem que ela tem muito forte e nós temos uma linha de pesquisa dentro do grupo de pesquisa que ela coordena, que trata justamente dessas questões da linguagem, nós temos a linha 1, que é conhecimento escolar, disciplinas escolares e práticas de linguagem que é a linha que eu coordeno, a linha 2 que é a história e cultura da leitura e da escrita, que é a professora Maria de Fátima, por conta dos estudos que ela tem com os livros didáticos e a questão da história do livro e da leitura, a linha 3, ensino de história e cultura, direitos humanos e reeducação das relações étnico raciais, que é coordenada pelo professor Lourivaldo Santos, que é professor, ele é historiador e ele trabalha, atua aqui no curso licenciatura em Educação do Campo. Nessa linha a gente tem a professora doutora Suzana Lopes Salgado Ribeiro, da universidade municipal de Taubaté, que também é pesquisadora do grupo, e nós temos a linha 4 de políticas educacionais currículo e ensino, que eu coordeno, e nessas duas, a 1 e a 4, além da 3, a questão da linguagem ela é central, na linha 4 na perspectiva da análise do discurso como eu coloquei para vocês.

 

PROF MARIA LIMA:  – Então nós temos uma série de outros é… Outras ações dentro desse projeto de pesquisa, desse projeto de extensão, além das pesquisas que nós conduzimos no interior do grupo que vão dizer respeito a essa… Esse entroncamento, essa perspectiva transdisciplinar que a linguagem oferece para nós, né?

 

LETÍCIA:  – Uhum.

 

PROF MARIA LIMA:  – Isso é, para mim, é muito interessante, eu gosto muito disso, eu sou uma pessoa desde sempre muito interdisciplinar, todo meu trabalho, tanto do mestrado, doutorado e as minhas pesquisas são nesse veio e a questão da linguagem é crucial para mim, não é? Quer dizer, a perspectiva da cultura e da linguagem são dois elementos presentes em todas as nossas pesquisas. Eu considero que essa, a partir da virada linguística na década de 60 e da virada cultural na década de 70 a gente não tem mais como fazer pesquisa sem considerar essas questões. E é um pouco isso, e eu agradeço a oportunidade de falar um pouquinho do grupo de pesquisa, que hoje tem 32 membros, dentre eles 6 pesquisadores.

 

DAVI: – Nossa, que legal!

 

LETÍCIA:  – Que legal!

 

PROF MARIA LIMA:  – Seis pesquisadores doutores, de outras instituições além da nossa e que estão aí com a gente ajudando a construir esse projeto.

 

LETÍCIA:    A gente que agradece a presença de vocês dois. Nossa, esse episódio vai ser muito legal, já estou esperando a reação dos nossos linguarudos, linguarudas e linguarudes depois que eles escutarem. Então a gente só tem mesmo a agradecer a disponibilidade de vocês, de encontrarem com a gente, de responder as perguntas e os questionamentos que a gente acabou elaborando.

 

DAVI: –  Sim. É muito bom ver vocês dois, eu estou super feliz de vocês terem aceitado o convite. Espero que a gente tenha outra oportunidade também de conversar mais. eu gosto muito de ouvir vocês falar. E é isso, fica o agradecimento, se vocês quiserem falar mais alguma coisa para a gente ir encerrando.

 

PROF JUVENAL:  – Eu só quero agradecer o convite, eu gosto muito de participar, eu sou uma pessoa apaixonada pela área de Letras, acho que vocês já perceberam, não é?

 

DAVI: – Hehehe (risos). 

 

PROF JUVENAL:  – Então, toda oportunidade que eu tenho de estar envolvido com a galera que pesquisa, eu sempre estou.

 

PROF MARIA LIMA:  – É, para mim também é muito bom, a oportunidade de estar junto com especialistas, ouvir o Juvenal falando é muito gostoso porque quando o especialista fala e eu entendo o que ele fala, eu fico muito feliz de falar que eu estou estudando e isso está valendo alguma coisa. E a gente vai aprendendo também bastante, porque quando a pessoa fala do campo você sempre tem aquele enraizamento que vem na fala que vai te ajudando a ver coisas que você pode pensar. Então foi uma oportunidade muito boa, quero agradecer e vou mandar um beijo bem apertado para os linguarudos, linguarudas e linguarudes hahaha (risos).

 

LETÍCIA:    Hahaha (risos).

 

PROF MARIA LIMA:  – Adorei isso, adorei. E vocês estão de parabéns, viu, meninos? Por este projeto.

 

LETÍCIA:    Obrigada!

 

DAVI: – Obrigado!

 

PROF MARIA LIMA:  – Tomara que ele tenha longa vida!

 

LETÍCIA:    Muito obrigada!

 

DAVI: – Nós também esperamos! Hahaha (risos)

 

LETÍCIA:  – Esperamos! Então é isso, gente encerramos por aqui! Tchau! E é isso!

 

PROF MARIA LIMA:  – Tchau gente!

 

LETÍCIA:  – Para o episódio de hoje, nós também convidamos a professora Lucidia Balbuena Vareio, que trabalha na escola municipal Tomás Laranjeira na cidade de Porto Murtinho.

 

DAVI: –  Seja bem vinda, Lucidia! A gente agradece muito a tua presença, tua participação para vir aqui falar com a gente do trabalho que você tem feito e para manter esse papo sobre ensino de língua portuguesa nas escolas.

 

LUCIDIA: – Eu que agradeço. Olá pessoal. Eu que agradeço o convite, é um prazer estar falando um pouco sobre esse tema muito importante, principalmente para nós aqui da região de fronteira. Falar sobre línguas, linguagens e interações é de suma importância.

 

LETÍCIA:  – Bom, para começar então, a gente vai pedir para você descrever, por favor, qual o contexto que você está atuando atualmente aí na escola municipal Tomás Laranjeira, se você tem alunos que não tem a língua portuguesa como língua materna, qual a faixa etária desses alunos, o contexto mesmo.

 

LUCIDIA: – É… Eu sou professora dos anos iniciais do ensino fundamental, este ano eu estou ministrando aulas para as turmas do quarto ano, no período matutino e a tarde também. Na turma da manhã, eu tenho dois alunos que são indígenas e também brasileiros. No caso, lá no Paraguai eles são alunos Ayoreos e aqui para nós, por mais que eles sejam brasileiros, eles não perdem essa identidade deles. Então eles estudam de manhã, tenho dois, e à tarde também tenho dois. Na parte da manhã, os dois que eu tenho, um consegue interagir, falar poucas palavras, pouca interação oral. Mas ele é um aluno participativo, ele realiza as atividades. Na produção textual, a gente observa essa mistura da fala materna deles. Por mais que a gente não consegue identificar o significado, e por mais que a gente tente tirar deles também qual que significa a palavra que eles escreveram, a gente vê que eles fazem essa mistura. Já o segundo aluno, ele não é muito participativo, é mais fechado. A própria pronúncia da fala sai para dentro, a fala é mais para dentro, a gente não consegue entender muito. Na parte da tarde, no período vespertino, também tem dois alunos, um ele está com um pouquinho de defasagem de idade-série, está com 14 anos, porém ele é um aluno que conhece bem a língua portuguesa, porém na escrita a gente observa que ele faz a mistura da língua materna dele, e também mistura um pouquinho de espanhol com a língua portuguesa. Já o outro aluno, que está na idade-série certinho, ele está se inteirando, a gente observa que ele está conhecendo ainda o espaço, digamos assim, do contexto escolar brasileiro. Muita pouca participação, ele parece que tem medo de falar, até mesmo por conta do sotaque, é um sotaque mais fechado. E, por exemplo, “professora” ele pronuncia “pofessôran”, então a gente tenta tirar isso… Tirar não, porque é uma identidade dele, mas que ele possa participar e interagir até mesmo para facilitar essa aprendizagem da língua portuguesa.

 

DAVI: – Nossa! Que legal, Lucidia. Eu queria saber também, eu fiquei muito curioso para saber, como é ensinar português para esses alunos? Você descreveu várias coisas. Eles não tem como primeira língua o português e o que implica esse contexto na sua prática educacional?

 

LUCIDIA: – Bom, por eles terem uma linguagem materna, uma língua-mãe diferente da nossa fica um pouco mais difícil…

 

DAVI: –  Uhum.

 

LUCIDIA: – A aprendizagem e a alfabetização desses alunos em si. A nossa prática muda um pouco porque como é que a gente começa a alfabetizar esses alunos a partir da oralidade. A gente precisa se comunicar mais com eles, até eles perderem essa timidez, essa vergonha, ou talvez esse medo de errar, porque eles estão diante de vários outros colegas que falam fluentemente o português. E assim, a nossa alfabetização em si inicia pela oralidade, a gente tenta quebrar esse obstáculo partindo da oralidade, para depois a gente ir gramaticalmente alfabetizando esses alunos.

 

LETÍCIA:  – E como que… Vou até fazer uma pergunta que não estava entre as nossas perguntas orientadoras, mas ela me surgiu. Como que fica a relação desses alunos com os seus colegas? Os colegas que têm o português como língua materna se interessam em aprender alguma coisa da língua materna desses outros alunos?

 

 

LUCIDIA: – É uma pergunta muito boa e bem crítica também. Porque, a gente observa que os nossos, entre aspas, brasileiros no contexto de sala de aula eles não têm essa curiosidade de conhecer a língua diferente do colega. Então, eles aceitam muito bem, interagem com os alunos, com os quatro, interagem, falam, brincam. Porém, na parte da comunicação, os alunos Ayoreos, eles são mais quietinhos, mais fechados. Mas os nossos alunos daqui, entre aspas, os que são brasileiros, que aqui nós temos uma mistura das línguas. Todo um contexto. 

 

LETÍCIA:  – Uhum.

 

LUCIDIA: – Assim, eles interagem bem, mas não procuram aprender a língua do colega.

 

LETÍCIA:  – E o seu contexto, a sua relação com a língua, mudou alguma coisa desde que você passou… Eu não sei também se você é daí, dessa região de fronteira, ou se você só está atuando aí. Porque pensando nisso, numa pessoa que não seja da região de fronteira, isso poderia mudar uma professora, por exemplo, um professor que fosse de uma região que não tem essa línguas convivendo, ter que atuar como professor ali faz também pensar na sua relação com a sua própria língua, se você começou a ter um olhar mais voltado para isso.

 

LUCIDIA: – Então, eu sou daqui mesmo. Sou nascida, criada, aí saí daqui da cidade para estudar, fui também morar em uma cidade fronteiriça que é Ponta Porã e retornei para a minha cidade natal novamente. Então, para mim enquanto docente, eu procuro o máximo facilitar, da melhor forma possível, a aprendizagem para esses alunos. Em sala de aula, quando eu vejo que a comunicação, a interação e a aprendizagem está muito difícil, eu acabo falando espanhol. Então, por exemplo, na hora da chamada mesmo, eu repito várias vezes o nome da aluna. Para que? Para fazer com que ela abra a boca e responda a chamada. Então, agora que ela está perdendo aquele medo de falar. Porém, por exemplo, é uma aluna do período matutino, que ela falta demais. E, assim, eu vejo que também a falta dela não é por “Ah! Não quero ir para a escola” é também por essa parte da comunicação que ela fala pouco. Já os alunos da turma da tarde, os dois que eu tenho, eles são mais comunicativos, eles perguntam, eles falam. Mas, assim, enquanto docente eu procuro sempre facilitar da melhor forma possível. Quando não estão participando, pronuncio em espanhol, ou às vezes eu pergunto: “Como é que se fala essa palavra en su lengua, Ayoreo?”. Então, eles ficam me olhando, tipo “Ué?”. Eu penso isso, hahaha (risos). “Nossa, ela sabe que eu falo outra língua, está tentando se comunicar”. Só que, mesmo assim, ainda não consegui que eles fizessem essa tradução. Por exemplo, eu disse esses dias: “Como hablas la palabra maestra en tu lengua Ayoreo?”, eles ficaram só me olhando. “És maestra? És madre? Professora?”. Mas, não obtive resposta.              

 

LETÍCIA:  – Uhum. Mas, é interessante porque você é uma professora que viveu também nesse contexto quando criança. Então, o fato de você ter esse olhar e circular entre as línguas, que você está circulando entre o ayoreo, o espanhol e o português. Então, acho que é o que vai nos levar até para a próxima pergunta que o Davi vai te fazer agora.

 

DAVI: – Sim… É… A gente queria saber se você lembra como que era a sua relação com o processo de aprendizagem formal da língua portuguesa quando você estava na escola. Como que era quando você estava aí na sua cidade aprendendo língua portuguesa?

LETÍCIA:  – Como aluna.

 

DAVI: – É. Sendo alfabetizada, isso. Se você também tinha alunos de outros lugares que falavam outras línguas também, assim como seus alunos são.

 

LETÍCIA:  – Colegas, quer dizer, Davi.

 

DAVI: – É, colegas.

 

LUCIDIA:   Eu não me lembro muito, mas assim, sempre que para nós é praticamente normal a gente se deparar com alunos paraguaios. Mas, naquela época quando eu estudava, eu não tinha colegas que eram paraguaios, vamos dizer assim, e também eram indígenas que falam outra língua diferente da minha. No caso, naquele período que eu estudava, não, mas tinha os paraguaios mesmo, que falavam espanhol e o guarani.

 

LETÍCIA:  – Então, quando você era aluna você não vivia esse contexto de colegas, de alunos que fossem ayoreos ou paraguaios, é isso?

 

LUCIDIA: – Não, paraguaios, sim. Mas, assim, indígenas, porque eles não falam somente o espanhol, eles falam o guarani e eles falam o ayoreo. Só que assim, o ayoreo é um idioma, é uma língua que é difícil de você aprender só vivenciando no cotidiano deles. E, assim, o guarani também a gente não escuta da boca deles a pronúncia do guarani, é mais o espanhol. O espanhol, até às vezes, eu não entendo muito o espanhol deles por conta que é bem fechado mesmo, diferente do que a gente aprende.

 

LETÍCIA:  – Uhum.

 

DAVI: – Mas, só voltando um pouquinho para a pergunta, quando você aprendia português, você tem alguma memória de você na escola, de um professor, de você aprendendo língua portuguesa ou sendo alfabetizada, de como era a sua relação com esse processo de aprendizagem?  

 

LUCIDIA: – Olha, na minha época era bem tradicional a alfabetização, bem tradicional mesmo, do bê-a-bá, bê com a, bá. E assim, eu acho que hoje mudou muito, mas na minha época era bem tradicional mesmo, tinha os cadernos de caligrafia, todo dia tomar leitura sentada ao lado da professora, era tarefa para casa, tinha que ler para os pais, assim, essa parte que eu me lembro.     

 

LETÍCIA:  – E já que você é professora de línguas, assim, já te chamava a atenção a língua portuguesa ou as línguas? Porque hoje você é professora de língua portuguesa, não é? Então, já te despertou esse interesse pelas línguas quando você estava na escola?

 

LUCIDIA:   Não, na verdade eu comecei a gostar quando eu me formei a minha primeira pedagogia, lá em Ponta Porã, e por lá também já vivenciar com alunos que vinham de Pedro Juan, que pronunciavam o espanhol, falavam espanhol, assim, eu comecei a despontar naquele período. Aí, quando eu retornei para cá, isso começou a me aguçar mais e aí eu fui gostando, tomando gosto.

 

LETÍCIA:    E agora então a gente já vai se encaminhando para o final, essa é agora a nossa última pergunta e a gente já viu que você fala outras línguas, você já demonstrou para a gente que você traz o seu espanhol para poder falar com os alunos que têm outra língua materna. E a gente queria saber então, de todas essas línguas que você convive, e o espanhol e o português que você fala, o espanhol também é tão constitutivo da pessoa que você é, do sujeito que você é, quando a língua portuguesa?

 

LUCIDIA:   Você fez uma pegadinha hahaha (risos).

 

DAVI: – Hahaha (risos).            

 

LUCIDIA: – Nós vivemos numa cidade fronteiriça. Por mais que a gente viva, a gente observa que tem muita, vamos dizer, preconceito linguístico em relação ao espanhol. E a gente observa que esse não é o principal cenário brasileiro em si, a questão do espanhol, até mesmo porque tiraram até da grade curricular no estado. No município ainda não aconteceu isso, tomara que não aconteça. Assim, a minha vivência do espanhol em si, a minha família é descendente de paraguaio, tem bastante tias que moram no Paraguai, mas assim, internamente, no cotidiano, eu só me comunico em espanhol quando eu tenho pessoas que se comunicam em espanhol. E, geralmente, dificilmente você vai achar pessoas da minha convivência que falam espanhol, é mais a família em si, dos meus pais. Dentro de casa, meu esposo é 100% brasileiro mesmo, fala só o português. E, assim, eu acho que partindo de mim enquanto fronteiriça nata, eu levo esse espanhol. Assim, a gente pronuncia as palavras de forma errada, o espanhol. Porque? Não é algo rotineiro. E isso a gente observa aqui dentro da escola também que isso acontece. Embora tenha a disciplina, não é algo rotineiro, não é algo que se é pronunciado toda hora, não é algo que faz parte das interações, somente das interações daquelas pessoas que realmente têm aquele entendimento, aqui a gente mais é o portunhol, que é o português misturado com espanhol. Então, isso você vai ver 100% nas comunicações orais e interações o portunhol, mas não é, digamos, raíz, o espanhol aprendido mesmo.

 

LETÍCIA:  – O espanhol tradicional, né? Então, eu acho que é isso. A gente agradece mais uma vez a sua disponibilidade, Lucidia, de estar aí na escola, conversando com a gente direto daí.  

 

DAVI: – Nossa, sim.

 

LETÍCIA:    Então, foi muito legal. Assim que a gente estiver com o episódio todo pronto, editado, eu mando para você, para você poder escutar ele todo. Então, a gente só pode agradecer, né, Davi?

 

DAVI: – Nossa, com certeza! Foi muito bom saber desse contexto diferente de ensino de língua portuguesa, das particularidades, eu acho super relevante o papo que você trouxe hehehe (risos).

 

LUCIDIA: – Eu que agradeço o convite e espero que atinja o objetivo de vocês!

 

LETÍCIA:  – Não, foi ótimo!

 

DAVI: – Com certeza!

 

LETÍCIA: – Entender e conseguir perceber essas diferenças da atuação mesmo do professor que tem. Muito obrigada mais uma vez, Lucidia.

 

LUCIDIA: – Eu que agradeço!

 

DAVI: – Obrigado!

 

LETÍCIA: – Um abraço! Tchau!

 

DAVI: – Até mais!

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