Transcrição do episódio 6 - O que só as mãos diriam?

CONVIDADOS FALAM: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão. (solicitar para gravarem e encaminhar para os hosts)

ANA KARLA: Hey, everybody! Este é o sexto episódio do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: “O que só as mãos diriam?” Let’s que vámonos!

LETÍCIA: Olá, linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sejam bienvenidos ao quinto episódio do LinguasCast. Eu sou a Letícia.

DAVI: E eu sou o Davi. Hello my tongue twisters, welcome to our podcast.

LETÍCIA: – O tema do episódio de hoje tá na ponta da língua e é o tradutor e intérprete de Libras.

DAVI: – E, para falar sobre ele, nós convidamos Carina Rebello Cruz, professora do curso de Bacharelado em Letras - Tradutor e Intérprete de Libras (Libras-Português e Português-Libras), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Daniel Pereira Matias, acadêmico, do curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês, da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação (FAALC), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

LETÍCIA: – Gente, nós agradecemos imensamente o fato de vocês terem aceito o convite da equipe do LínguasCast e … sejam bem-vindos!

DANIEL: – Muito obrigado!

CARINA: – Eu agradeço o convite e a oportunidade de estar com vocês. 

LETÍCIA:  Bom, para começar, a gente queria tirar uma dúvida: Quando alguém domina a língua de sinais, qual verbo a gente utiliza? Falar, usar, sinalizar, comunicar, saber, qual que é?

DANIEL: –  E aí, Carina? Quer começar?

CARINA: – Posso começar, e depois o Daniel complementa. Na minha experiência, eu ouço e vejo esse uso, tanto de usar, sinalizar, falar em libras, falar línguas de sinais, mas eu simpatizo bastante com o ser sinalizante, é um termo novo, também já se foi utilizado até o tente, ele é o tente de língua de sinais. Ele é usuário de língua de sinais, mas gosto bastante do sinalizante. Quando alguém domina a língua mesmo, eu penso que proficiente é um termo também bem adequado, quando uma pessoa adquire a língua de sinais ou uma língua de sinais ou mais de uma língua de sinais, desde o nascimento é nativo em língua de sinais, então acho que tem várias possibilidades. Entre as possibilidades que vocês falaram, acho que o comunicar é o que eu não costumo ouvir e nem ver. Ser comunicante, mas as outras possibilidades,  eu acredito que elas são utilizadas. O que que tu acha o Daniel?

DANIEL: – Eu achei bem interessante seu comentário, e destaca o que você falou, falar e ver, perdão, escutar e ver é os termos e é bem interessante que eu vejo muito em libras que a gente fala se você sabe língua de sinais. Entre os surdos, entre intérpretes, a gente pergunta, você sabe língua de sinais mesmo em libras, mas entre os ouvintes, a gente costuma utilizar o termo falar, porque as línguas geralmente são oralizadas, as que os ouvintes conhecem, e mesmo na graduação, a gente percebe que as línguas são faladas, não é pelo fato da gente estudar alguns alguns conceitos de língua e fala não diretamente ao oralizado, mas a comunicação pela língua. Então, eu também opto por evitar o termo, você se comunica em libras, mas eu gosto muito do falar, então você fala libras e você sabe libras.

DAVI: – Isso é muito interessante, porque quando a gente tava fazendo o roteiro, a gente falou, nossa, mas será que é adequado falar dizer falar não é uma pessoa que sabe libras que é proficiente em libras, dizer que ela fala porque não é uma língua, né? Que usa o aparelho fonador. Então assim, a gente ficou meio ai meu Deus, então por isso que a gente resolveu começar com ela, né?

DANIEL: – Bem interessante, já é uma pergunta complicada.

DAVI:  – É, foi um pouco engraçado assim o processo de escrever esse roteiro, você quer comentar Le?

LETÍCIA: – Não vai lá.

DAVI: –  A próxima pergunta é  mais pessoal , por que vocês decidiram aprender Libras? Quando e como aprenderam?

CARINA: – Quer começar, Daniel? Ou eu começo de novo. Como é que a gente vai fazer nessa conversa?

Hahaha (todos riem)

DANIEL: – Vamos lá começar. Você consegue me escutar bem?

CARINA: – Escuto.

DANIEL: – Muito bem, eu vou começar essa, e você complementa.

CARINA: – Tá Jóia.

DANIEL: – Bom, eu comecei na libras. É ao frequentar uma nova igreja e já fazendo um parêntese, eu acho bem interessante como é em geral, a gente começa na libras primeiro pela religião ou pela escola, e eu parti pelo lado da religião. Eu comecei a frequentar a igreja que tinha alguns surdos, tinha um casal de surdos e uma única intérprete. E por um acaso eu acabei errando a sala. Até então, um erro hoje, uma bênção é, eu entrei numa sala enganada e por acaso estava é, estava tendo um curso de libras e eu achei bem estranho aquele monte de gente chacoalhando a mão e todo mundo em silêncio, mas saindo alguns sons e aí eu me perguntei para uma moça que tava lá na porta, o que, que, que que era aquilo? E ela disse que era aula de libras, aí “eu falei libras mas o que que é isso? Bom, é uma língua para se comunicar com pessoas que não escutam pessoas surdas. Já ouviu falar?E eu falei, já, mas, se surdo não escuta, como é que conversa?” E dali foi o meu primeiro passo na libras, e o que eu acho mais legal é longe de mim querer me gabar.

Hahaha (todos riem)

DANIEL: – Mas, eu fui o último aluno a chegar e o primeiro e único a se formar nessa turma. O pessoal foi desistindo ao longo do tempo e um ano depois, eu fui o único que conseguiu chegar até o fim, é no curso e me formar. E ali foi o primeiro passo da minha caminhada e esse ano, completou os 10 anos dessa experiência.

DAVI: – Nossa, tudo isso?

DANIEL: – Já, graças a Deus, 10 anos de bastante estudo, bastante curiosidade na libras e é incrível o quanto ainda tem para aprender o quanto eu ainda não sei. E eu espero aprender bastante também com a Karina hoje. E com você Karina, como é que foi?

CARINA: – Aí comigo foi um pouquinho diferente, eu comecei a mais tempo do que tu, Daniel.

Hahaha (todos riem)

CARINA: –Então, a história é um pouquinho mais longa. Eu comecei em 1992, a Letícia, que foi minha colega na graduação, na Fonoaudiologia, não é? Letícia lembra?

LETÍCIA: Aham, aham, dos nossos 9 semestres.

CARINA: A Fonoaudiologia então, lá na Fonoaudiologia, eu entrei em 1991 com a Letícia, em 1992, quando eu estava no segundo semestre. Eu iniciei o curso de libras.

Não exatamente libras, vou corrigir aqui o curso de língua de sinais, porque nem tinha libras. Esse nome, essa sigla não existe ainda. Os meus certificados são todos de curso de língua de sinais, numa escola aqui de Porto Alegre, que infelizmente fechou era uma escola de surdos bilíngue numa escola especial Concórdia, que oferecia cursos para a comunidade, também para pais de crianças surdas, eu ingressei nesse curso, porque eu tinha colegas. A Letícia vai lembrar da Lúcia, da Andreia, da Adriane. Eu tinha colegas que eu me relacionava mais, que tinha vontade de trabalhar com os filhos. E eu fui fazer o curso porque elas foram fazer o curso também, elas me convidaram e eu decidi conhecer, então isso, mas também motivada porque por algumas coincidências, eu acho que o universo conspirou para que eu começasse a aprender libras também. É numa das disciplinas do primeiro semestre, no trabalho da apresentação da professora Luiza, lembra Letícia da Luiza?

LETÍCIA: – Aham, lembro.

CARINA: – Eu sorteei um texto que eu tinha que apresentar, que era justamente sobre o abade GLET. Que é uma referência em relação aos estudos de línguas de sinais, porque foi um professor francês, que defendeu o uso de sinais metódicos da língua de sinais francesa no ensino de surdos. Eu apresentei o trabalho dele e o meu grupo tinha a polêmica, de moralizar surdos ou ensinar línguas de sinais para surdos, então, começou por aí e no segundo semestre isso já me fez pensar sobre como é que eu ia me comunicar com os surdos, né? E é no segundo semestre, eu decidi aprender, então libras, conhecer a libras e de lá eu só parei de aprender quando eu me formei, então eu fiquei com 4 anos participando de cursos de sinais, eu fiz o básico e depois eu fiz o balançado, e repetiu o avançado e o avançado de novo. Fiquei 4 anos, 3 anos e meio fazendo o curso avançado, porque era o que tinha na época para eu aprender língua de sinais com professores ouvintes, mas principalmente com professores surdos nessa escola. Só que nessa escola, eu aprendi muito mais do que língua de sinais, eu comecei a aprender sobre a comunidade surda, sobre a vida dos surdos nas suas famílias, porque eu tinha colegas que eram mães, pais de crianças surdas, eu comecei a conhecer a realidade das crianças surdas em relação ao processo de aquisição, e isso me interessou muito, além de ficar apaixonada pela língua Brasileira de sinais. Isso me fez pensar ainda mais e começar a estudar por conta própria, comecei a ler o vendo vozes do Oliver Sacks, neurologista que fala sobre línguas de sinais no mundo, sobre aquisição de línguas de sinais, sobre questões de aquisição tardia, e era o que eu via também as crianças chegando muito tarde na escola, começando a aprender a libras na escola, os pais aprendendo uma nova língua. E o que eu ouvia na faculdade, a Letícia talvez vai lembrar bem também que a fonoaudióloga ensinava a falar, e lembra Letícia?

LETÍCIA: – Isso, sim. Hahaha (risos)

CARINA: – Segundo eles esse era o trabalho da fonoaudióloga e que a gente ainda ouve hoje em dia e era o que era ensinado. E não era só a questão de só ser ensinado. Isso, não é? Era a questão de não ser oportunizada a língua de sinais das crianças surdas, a língua de sinais na época, Libras hoje, ela era considerada como algo que atrapalhava um que prejudicava, que impedia então as crianças surdas, não seriam bilíngues, não poderiam ser bilíngues, elas não poderiam adquirir uma língua que é natural, mas teriam que aprender uma língua que elas não tinham acesso. As crianças, mesmo com aparelhos auditivos, ainda mais naquela época que não tinha tecnologia de hoje. Elas tinham que aprender uma língua que elas não ouviam, de uma maneira formal porque era muitas vezes para algumas crianças, era impedido, e isso me fez pensar muito sobre o meu papel como fonoaudióloga, e fez com que eu aprendesse a língua de sinais e estudasse para desde o meu estágio eu começar a usar a língua de sinais na clínica com os meus pacientes e desde então, eu sempre na minha trajetória de 20 anos, como fonoaudióloga, eu sempre pensei muito sobre qual é a abordagem, e eu me preparei para isso, para trabalhar com pessoas surdas, crianças, bebês, adolescentes que necessitavam de um atendimento em uma língua falada, numa língua sinalizada exclusivamente porque as crianças surdas, elas também podem ter comprometimentos. Elas podem ser autistas, alterações neurológicas, ter lesão cerebral, ter algo que a gente não sabe, como as crianças, ouvintes e a gente precisa investigar qual é a alteração de linguagem e, mais ainda, a maioria das crianças começa tardiamente, porque não tem a língua de sinais no lar, os pais são ouvintes, 95% das famílias são ouvintes, então o atraso, é algo comum, quem trata, quem acompanha, quem, aconselha quem, avalia as crianças surdas com atraso, que é algo comum. Ao meu ver, a fonoaudióloga, sendo surda ou ouvinte bom, mas eu estou me estendendo, mas foi assim que eu comecei e o meu início foi muito motivado pela questão da fotogeologia e depois eu fui descobrir a interpretação de uma maneira também muito natural, mas eu aprendi. Comecei nessa escola, depois em seguida eu me formei e comecei a trabalhar em uma escola para surdos bilíngue, onde eu trabalhava na clínica. Daniel que deve conhecer, né? Já deve ter estudado muito sobre a educação de surdos. Antigamente as escolas eram oralistas, né? Oralistas, vejam só, olha que nome, então na dentro da escola tinha a clínica onde eu trabalhei, a escola tinha uma clínica, mas a clínica é para surdos, ouvintes para a comunidade, os surdos que queriam fazer atendimento fazendo um turno contrário. Então não é aquele modelo antigo deixar bem claro isso é um trabalho totalmente separado, mas eu fazia parte também dessa escola na escola Frei Pacífico, fica aqui em Porto Alegre, então em seguida eu comecei a trabalhar, fiquei 20 anos e aí tem depois mestrado, doutorado e nessa linha também nessa área de aquisição. Então aprendi muito mais e ao longo da minha vida, sempre aprendendo com surtos, principalmente com ouvintes também, com meus colegas, intérpretes, eu continuo aprendendo a língua, assim como o Daniel continua aprendendo até hoje, eu acho que a gente nunca para nem a língua materna que nem a segunda língua da gente deixa de aprender.

DANIEL: – Perfeito

LETÍCIA: – Carina, agora pensando assim, falando a questão da fonoaudiologia, do curso que a gente dividiu a sala de aula nesses nove mestres aí, mas atualmente tu é professora no curso de bacharelado da UFRGS, de tradutor, intérprete mesmo. E há quantos anos existe a esse curso na UFRGS como que ele surgiu assim, porque é um curso relativamente novo, eu acho, não é?

CARINA: – Muito novo. A primeira turma é de 2016.

LETÍCIA: – Nossa!

DAVI: – Muito recente

CARINA: – Bem recente, é ele, iniciou, certamente antes de 2013, porque em 2013, pelos documentos que nós temos, tem já uma reunião da coordenadora que fazia parte coordenadora da comissão de implantação do curso de letras libras na época até se falava em letras libras, hoje o nosso curso lá tem um nome de curso de tradutor intérprete de libras, é bacharelado, tradutor intérprete de libras. Mas em 2013 teve essa reunião no MEC, então antes disso teve um grupo de professores que teve realmente interesse em implantar esse curso na UFRGS esse curso ele chega de que maneira, né? Os professores tiveram interesse, mas ele chegou na UFRGS. Por volta de 2006 já tem o programa viver sem limite, do governo federal, eu não sei exatamente que ano que iniciou o programa, eu não sei informar, mas em 2006 já inicia na universidade federal de Santa Catarina a primeiro curso, né, que antes era letras libras para licenciatura.  Com esse incentivo do governo federal, a UFRGS também a letras do instituto de letras, também buscou esse incentivo do governo federal através deste programa viver sem limites para implantar o curso de tradutor intérprete de libras, então na UFRGS, então esse incentivo foi fundamental, né? Essa busca e, assim como aconteceu em outras universidades, né? Através desse programa, que iniciou, então, tanto cursos de bacharelado como de licenciatura em algumas universidades, inclusive, tem bacharelado e licenciatura em letras libras, então ele é realmente bem recente, inicia uma preparação, por volta de 2012, eu acredito lá na UFRGS, 2011, 2012, 2013 já tem então a documentação para dar andamento ao processo de análise, né? Que tem toda uma análise em várias instâncias para em 2016, então tem o primeiro vestibular.

LETÍCIA:  – Nossa muito recente, Daniel quer comentar?

DANIEL: – É legal, o que a gente acha recente em 2016 e pensar que agora em 2022, em Campo Grande, nós ainda não temos. Então passa a ser é interessante porque lá já tem isso há um certo tempo e triste porque aqui ainda não tem. E uma outra coisa legal é que a Carina comentou, é que a sua formação acadêmica, Carina, te levou a libras e comigo foi o oposto, por conta da libras, eu vim parar nesse curso. Meus colegas já estão cansados de escutar essa história, mas os estudos na libras me tiraram da área da da computação para vir para a área da da linguística, então essa área de estudos, da letras, da linguística, que eu quero seguir, veio por conta da libras, então conhecer a história, conhecer as universidades, saber de todo esse processo já, já me alegra bastante também.

LETÍCIA: – Então, até essa questão do curso, e aproveitando esse comentário do Daniel, que é que a gente não tem o curso de formação assim de tradutor intérprete em universidades federais, a gente tem algumas EAD, 2 são aqui, né, Daniel? A gente estava conversando, você pode falar o nome?

DANIEL: – Sim, é o que nós temos aqui de letras libras, é na faculdade Uniasselvi, que também não tem a sede aqui, mas tem um polo em Campo Grande, ou melhor, 2 polos aqui em Campo Grande e, constituem o curso de licenciatura em letras libras como principal foco, mas também tem a tradução como um apêndice do curso, mas não é o foco principal da instituição, mas tem essa possibilidade também.

LETÍCIA: – Então, o que nos leva à próxima pergunta, qual a necessidade de um curso de graduação? Aproveitar que a gente está aqui nesse projeto que acontece dentro de uma universidade Federal também. A necessidade de que exista uma graduação, porque a gente sabe que tem alguns cursos para fazer livros que te encaminham aqui mesmo a gente tem o CAS, que está associado à sede, que oferece curso de libras e você pode dar continuidade na formação de tradutor intérprete, mas uma graduação que diferença faz assim ter, né? Porque a gente vê muito isso. Há eu fiz o curso, aí foi encaminhado e tal, mas sem uma graduação, né, que, que diferença faz? Qual a necessidade de ter um curso de graduação para a formação de um tradutor intérprete de libras, Karina?

CARINA: – Olha, eu acho que a formação na área, para qualquer profissão é fundamental, assim é uma formação bem específica, então, aqui no Rio Grande do Sul a gente tem, por exemplo, o instituto Federal do Rio Grande do Sul, que oferece em nível técnico. São 2 anos. O curso de tradutor intérprete tem universidades Federal do Rio Grande do Sul, que oferece nível de graduação. Então eu acho que a formação ela vai possibilitar a atuação em diferentes situações, então na graduação, quando se conclui a formação possibilita a mais contextos, que talvez um curso técnico não possibilite, é claro que a gente pode buscar cursos de extensão, pode formação fora da universidade e deve, não é, mas numa graduação ela já possibilita para uma tradução interpretação para os trabalhos do tradutor intérprete. Em contextos mais específicos, mais especializados, porque os surdos, eles e os ouvintes, não é essa mediação entre surdos e ouvintes, ela pode acontecer em qualquer situação da vida, para fazer uma tradução de um artigo científico é importante ter uma graduação. Eu sou professora na pós-graduação e já tive experiência de ter intérpretes nas minhas aulas na pós eu tenho alunos surdos, e aulas em libras. Então há Acessibilidade para os outros, é o contrário, imagina as aulas após, elas têm uma complexidade maior, então, imagina o com formação em nível técnico? Talvez fique bastante complicado, é só com a formação, até mesmo com a própria formação, só na graduação, os intérpretes da UFRGS nós temos, assim, intérpretes com doutorado, no instituto de letras e também no incluir, que também atende à universidade, com doutorado, com mestrado, formação e mestrado. Justamente por essa exigência desses contextos. Mas a gente pode pensar em outros contextos, como o contexto jurídico, contexto médico, na área da saúde, quantas coisas são necessárias para o intérprete, o tradutor, conhecer para poder atuar, ter esse conhecimento em níveis que exigem um pouco mais, né? Não, não só o conhecimento de tradução, mas também essa formação em nível superior, também para facilitar o trabalho e deixar então a tradução mais fiel, mais leal ao texto fonte, nossa interpretação também.

DAVI: – Nossa, isso que você falou, Carina, é muito interessante, porque num estágio eu e o Daniel a gente estudou uma coisa parecida, né? A gente fez uma investigação, é sobre essa formação do tradutor intérprete mesmo na aula de língua inglesa, né? Se ele saber a língua inglesa faria diferente, então isso que você falou vai de encontro com o que a gente pesquisou, porque é no caso desse professor, desse intérprete de  libras numa aula de língua inglesa, se ele soubesse inglês para esses contextos, né? Talvez uma outra formação na área facilitaria tanto, né? Esse trabalho para a tradução para interpretação, e isso que você fala é muito interessante, né? Para área jurídica, para dar saúde, eu acho isso muito interessante, aproveitando que a gente está falando dessa formação, é da graduação, inclusive, a gente abriu uma caixinha de perguntas lá no Instagram, e a @belabarizon, perguntou uma coisa que vem muito de encontro com uma outra dúvida que a gente tinha que também está no nosso roteiro. Ela pergunta assim é para ser intérprete? Eu preciso ter graduação em libras ou “apenas” um curso específico, né? E a pergunta que a gente quer também lançar pra vocês dois é, saber libras é suficiente para ser intérprete? Tradutor, eu sei que você já comentou um pouco sobre isso, Carina, mas é que a gente queria expandir um pouco mais, né? É suficiente, né, só saber, ou essa graduação ela se faz necessária ou às vezes até legislativamente, né, a lei ela pede que você tenha essa graduação, como é que funciona isso?

CARINA:-  Queres começar, Daniel?

DANIEL:- Vou tentar.

CARINA:-  É? Eu continuo então depois, vai lá.

DANIEL:- Eh, eu vou tentar juntar essas duas questões em uma reflexão. Eh, eu entendo que a graduação ela é de extrema importância como, eh, a Carina já comentou, inclusive, perfeitamente Carina, e aí eu venho com o curso de libras. Algumas pessoas pensam que o curso de libras já te habilita a ir a tradução e como estudante desses cursos, seja em modalidade presencial ou a distância, eu falo que não é suficiente, falta a vivência, falta conhecer a cultura, conhecer a família, como é sua experiência Carina, e eu acho que isso complementa a nossa profissão, isso complementa o indivíduo, o intérprete que nos compõe. E uma outra questão que é de extrema relevância é essa habilidade acadêmica. Então a gente precisa ter esse conhecimento acadêmico, precisa passar por essa questão da legislação, todo esse conhecimento, toda essa bagagem, né? Nos constrói. Eu acredito que ter a graduação, somente graduação, é que eu tô pensando em licenciatura, gente, desculpa.

TODOS:- (risos).

DANIEL:- A graduação em licenciatura, não te habilita a interpretação, te habilita nos conhecimentos, te habilita na compreensão geral das línguas. Mas os cursos de libras tem o foco da comunicação, da interação. Não obrigatoriamente da tradução e interpretação. Eh, a outra pergunta: qual que foi?

DAVI:- Eh, era isso mesmo.

DANIEL:- Era isso mesmo?

DAVI:- Era se saber libras é suficiente para ser intérprete e tradutor? Ah sim, e aí essa de saber, é, conhecer a libra se é o suficiente. Eu trago essa questão pros cursos de letras, português e inglês e português e espanhol que nós temos aqui na universidade. Algumas pessoas pensam que pelo fato de entrarem na graduação, já vão conhecer a língua, mas a gente tem que reforçar que o curso, que a graduação, é diferente do curso de idioma e isso se estende para libras também. O fato de você frequentar o curso da graduação não é o curso de língua. Eu acho que os dois se complementam, mas não que um equivale ao outro. E você, Carina, o que você entende disso?

CARINA:- Olha, Daniel, eu concordo contigo. Sabe? Acho que tu explicou muito bem essa questão da diferença entre aprender uma língua e ser intérprete. Então eu vou reforçar só alguns pontos, assim, que tu já comentaste inclusive. Né? Então eu acredito que aprenderam a língua, habilitam muito pra questão de comunicação, né? Eu consigo me comunicar. Mas é diferente de ser um tradutor intérprete que tem toda uma necessidade de formação, né? Saber libras, se vai ser suficiente para interpretar e traduzir como foi perguntar se é necessário uma formação, porque no curso de tradutor intérprete a gente aprende não só a língua muitas vezes, né? Porque algumas pessoas já vem conhecimento linguístico bem avançado, mas além de conhecer mais a língua, se conhece sobre a língua, se pensa sobre a língua, se pensa sobre duas línguas, a gente precisa ter o conhecimento das duas línguas que estão envolvidas nesse processo de tradução e interpretação. Além disso, é necessário aprender a traduzir. Né? Os processos tradutórios, as escolhas tradutórias que vão ser feitas, é necessário aprender sobre ética profissional. Né? É necessário conhecer mais sobre o processo de tradução e interpretação em diferentes modalidades de texto escrito para sinalizado da língua falada para língua sinalizada, vice-versa. Isso pensando em questão de tradução e também pensando em interpretação são outras habilidades ainda que se aprende no curso, porque o intérprete, ele tem que desenvolver mais memória de trabalho, geralmente as interpretações são simultâneas então o intérprete está vendo sinalização está falando, né, um pequeno atraso, então tem que ter a memória de trabalho para ir armazenando as informações Então habilidades cognitivas diferentes também, né? Que o tradutor usa, mas o intérprete vai usar de uma maneira muito mais ágil. Então tem várias questões que são, vão ser trabalhadas no curso, vão ser ensinadas no curso e essa formação é fundamental e que quando a gente aprende uma língua a gente não faz isso. Né?

LETÍCIA:- aham

CARINA:- Então aprender uma língua é conseguir se comunicar e aí algumas vezes a gente até já consegue traduzir alguma coisa, mas tem outros elementos, como questões culturais que nós temos que considerar num processo de tradução ou de interpretação, que vão ser aprendidos também nesse curso de graduação ou num curso técnico, num curso de especialização, em alguma área de tradução e interpretação de línguas de sinais. Então vai muito além de aprender uma língua. E é diferente de ensinar uma língua. É uma área que não é a mesma formação de ensino de línguas, são objetivos totalmente diferentes, formações diferentes e atuações totalmente diferentes, né? Então eu concordo bem com o Daniel que é muito diferente fazer um curso pra aprender libras e ser um tradutor, só pra finalizar, quando eu fiz a minha formação em interpretação, eu tinha colegas codas, né, então codas significa, é uma sigla afiado, que em português, filhos ouvintes de pai surdos

LETÍCIA:- hum

CARINA:- eu tinha colegas codas que tinham a LIBRAS desde que nasceram e a gente que não era coda, que não é coda, dizia assim, nossa, vai ser muito mais fácil pra vocês né? Elas diziam não, não é. Porque é muito diferente interpretar e usar num processo de comunicação. Então tu tem a fala do outro né? Tu tem um texto do outro muito diferente. Tudo isso você aprende no curso.

LETÍCIA:- Carina, ao longo da tua fala aí, tu falou várias vezes, a questão da tradução, da interpretação, desse processo, inclusive a questão da memória de trabalho que tu trouxe, achei bem interessante, assim. O nome disso , né? Então, a gente passa pra essa pergunta que seria, existe alguma diferença e acho que sim, pelo que você estava aí já falando, entre tradução e interpretação de libras?

CARINA:-  Ah, eu vou começar, então, depois do Daniel complementa, que ele também tá em formação, né? E ele vai poder me ajudar bastante também, então tem diferença sim.

DAVI:- (risos). Por favor.

CARINA:- Então, eu vou tentar comparar primeiro a questão dos estudos, assim. Produção e interpretação dos estudos nessas áreas são já bem antigas, porque se voltavam pras línguas orais. Então o conceito de traduzir e interpretar uma língua oral, hoje a gente já vê com outros olhos. Quando se tem uma língua de modalidade diferente, existem algumas línguas de sinais que são de modalidade visoespacial, visogestual, é uma modalidade diferente de línguas orais auditivas, né? Então, nas línguas orais auditivas a tradução está muito vinculada à questão do texto escrito, então eu tenho um texto escrito numa língua e eu traduzo para outra língua. Né? E a interpretação, alguém está falando numa língua e eu vou interpretar em outra língua. Então tem essa mudança de código né? Então de um texto fonte para o alvo da maneira mais fiel, leal, a forma mais semelhante possível de um texto para o outro. Então fica muito fácil, mas quando a gente fala em línguas de sinais isso não parece tão simples assim. Porque tem justamente essa questão da modalidade. Né? Então nas línguas de sinais nós temos a modalidade, então sinalizada, que pode ser traduzida,inclusive para uma falada. Quer dizer, que não tem um texto escrito. Por que então traduzida? Né? Porque existe um processo entre um texto fonte numa língua falada ou sinalizada para uma outra língua de outra modalidade eu tenho um processo de estudo onde eu onde eu vou estudar o texto, conhecer esse texto, buscar, inclusive, conhecer mais a terminologia utilizada, pensar na, nessa estrutura que vai ser modificada, porque não existe essa equivalência direta de um texto pro outro. Simplesmente eu pego uma palavra dum texto e mudo para outro texto, tem toda uma questão de usos de terminologias que muitas vezes não tem uma equivalência direta e o que eu tenho que buscar numa outra língua para dizer de outra forma, ou questões culturais que eu tenha que considerar, então num processo de tradução  eu posso ir e voltar pra esse texto seja ele escrito, sinalizado, falado, onde eu faço uma tradução pra outra modalidade, eu tenho todo um tempo, tenho um prazo para isso, né? De dois dias, uma semana, eu posso ter o prazo de três meses, então eu não estou olhando pra esse produto, estou olhando para um processo, então existe um processo de tradução, isso não acontece nas línguas faladas justamente para essa questão de modalidade de necessidade, mas nas línguas de sinais é muito comum né? A interpretação a gente já enxerga como? A questão da simultaneidade ou uma interpretação ela pode até ser consecutiva ou ela pode até ser sussurrada ali né? para alguém de uma maneira consecutiva ou simultânea mas tem essa questão mais face a face. É na hora. E daí entra essa questão de memórias de trabalho. Onde você está ouvindo, está vendo e tem que,ou está lendo, porque pode acontecer isso também, eu estou num consultório médico e o médico faz uma prescrição escrita e eu estou lá com a prescrição todo o tratamento e ele pede que eu diga o que está escrito em libras, isso pode acontecer também, né? Então existe essa diferença, né? Voltando um pouquinho pra questão da tradução eu só queria reforçar um ponto que eu acho que talvez algumas pessoas até não não tenham ainda pensado sobre isso, né? E quando a gente fala de tradução de uma língua de sinais, por exemplo, eu posso pensar também na questão escrita, né? Eu posso pensar na tradução, por exemplo, de um texto escrito em língua de sinais para um texto em português, aí é tradução né? Eu posso pensar, inclusive, numa língua de sinais americana, francesa, japonesa, portuguesa a tradução para língua de sinais brasileira. eu tenho, né? Então isso a gente enxerga como esse processo de tradução, mas eu posso pensar também em interpretação nesse sentido quando um evento científico no congresso tem um intérprete, tem um palestrante produzindo sua palestra, né? Falando então numa língua de sinais americana e tem um intérprete que conhece a língua de sinais americana e faz a interpretação simultânea, por exemplo, para língua de sinais brasileira. Ou para uma língua falada por português, eu não sei se eu consegui deixar claro essas diferenças

LETÍCIA: - aham

DAVI: - Sim, sim

CARINA: - De tradução e interpretação e essas diferentes são muitas possibilidades eu acho que quando a gente olha pra essa nova modalidade, para muitas pessoas é uma nova modalidade né? Isso fica, isso fica, é diferente de simplesmente falar que a produção fica presa a um texto escrito. Uma tradução nesse caso não é a questão do texto em si. Que é uma coisa muito comum pras línguas faladas. Né? Nesse caso a gente olha pro processo e vê essa questão do face a face desse imediatismo, né? Muito mais ligado a interpretação do que quando se tem toda uma possibilidade de busca terminológica de estudo do texto com muito mais uma tradução independente de como o texto está se apresentando.

LETÍCIA: - Uhum. Dani

DANIEL: - nossa, achei ótimo, essa quantidade de informação já deixa bem mais claro como funciona o nosso trabalho e devo acrescentar que tudo isso é em relação a interpretação quando é simultâneo é na hora, não tem o tempo da tradução, não tem o tempo de um dia, um mês pra fazer essa tradução de texto para a língua de sinais e particularmente é o que eu mais gosto.

CARINA: - As estratégias tradutórias, as escolhas, elas têm que ser feitas na hora.

DANIEL: -Exatamente.

CARINA: - É um grande desafio. Não tem interpretação simples, né, Daniel? Pelo menos pra mim não tem. Tradução nem interpretação simples

DANIEL: - Nunca

CARINA: - são todas bem desafiantes.

DANIEL: - São todas muito complexas e eu gosto bastante. O que me motivou muito na libras, na interpretação, é essa questão do desafio, essa pressa de passar informação que seja fiel ao texto de origem, né? Seja falado, sinalizado, essa mediação é o que eu acho o máximo na libras e é o que eu tento me especializar um pouco melhor para que aconteça de forma mais fluente, de forma mais, fluente não, fluída possível, mas simples, mas que seja fiel ao texto. é um desafio que que não acaba, não tem como.

CARINA: -  É um processo muito complexo porque o acesso né? Então a gente lembrar dos sinais ou lembrar das palavras em português e conseguir fazer a mudança para estrutura porque as gramáticas são diferentes  e começar a guardar as informações, porque às vezes as pessoas falam até um pouco rápido né?

DANIEL: -É incrível

DAVI:- Aham

CARINA: -E aí tu tem que ouvir um pouco, guardar essas informações pra poder fazer a interpretação e continuar guardando mais informações, então uma, só mais uma coisa que é diferente em relação à tradução e interpretação é que, Daniel também deve fazer isso no dia a dia, é a troca né? De intérprete, quando a gente tem, por exemplo, uma hora já, é um esforço cognitivo, enorme. Então, a gente, pra uma hora, a gente já precisa ter pelo menos uma dupla ali, né? Tem um colega, fazendo dupla. uma hora, uma hora e meia tem que ter a troca de intérpretes, o que não acontece numa tradução, eu posso simplesmente dar uma parada, tomar um cafezinho e voltar pra minha tradução e continuar o processo mais sozinha, né? Mesmo que seja super importante consultar colegas, fazer trocas com colegas, mas na interpretação e quando é um tempo maior, realmente é necessário porque senão a gente não aguenta. Né? Porque é um esforço cognitivo muito grande. Então se faz a interpretação de vinte minutos. Troca com o colega. O colega fica como apoio, então fica prestando atenção se algum sinal a gente não lembra, alguma coisa a gente perdeu, a gente não ouviu ou não viu, né?

DANIEL:- Perfeito

CARINA:- E aí tá o colega ali para nos apoiar, é um trabalho muito legal assim poder também ter essa parceria no dia a dia, fazer um trabalho em conjunto, mas é um trabalho que exige bastante, né? Naquele momento uma dedicação bem grande, uma atenção muito grande. Então isso também eu acho que conta na interpretação esse trabalho de parceria em muitas situações. necessária

DANIEL:- Uma atenção e uma tensão também, né, constante

TODOS:- (risos)

DAVI:- Eu fiquei feliz que vocês mencionaram essa complexidade, né? Do trabalho tradutório, do trabalho do intérprete e eu queria Dani que você falasse assim um pouco do que sabe sobre a situação aqui no MS, né? É um trabalho complexo, é um trabalho que demanda formação, que demanda estudo, como que é essa demanda aqui de intérpretes e tradutores no Mato Grosso do Sul? Como que você vê isso assim? Quer dizer, a gente tem muitos tradutores intérpretes de libras aqui, dado que a gente também não tem né? Muitos cursos de graduação. Como é que você vê isso? A demanda é muito grande?

DANIEL:- Olha, eu trabalho na rede estadual de ensino e todos nós somos atendidos pelo CAS, como a Letícia colocou, que é o Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez., e a gente junta isso na sigla, CAS.  para ficar fácil, Centro de Atendimento ao Surdo. E o CAS é responsável tanto pela formação dos intérpretes com os cursos, não são intérpretes, perdão. De toda a comunidade, você pode aprender libras com os cursos de básico avançado para ter a sua comunicação. O foco principal são os professores, né? O pessoal da educação e os familiares, mas mesmo que você não tenha nenhum contato, o cas também é um excelente lugar para que você aprenda.

LETÍCIA: - Eu fiz a formação lá, agora atualmente são quatro níveis além de cursos por semestre, cada semestre são oitenta horas. Quem se interessar depois a gente vai deixar os links também as informações na legenda e na descrição desse episódio aqui, viu gente?

DANIEL: - Hum, legal

LETÍCIA: -Desculpa, Dani, pode seguir aí.

DANIEL: - Não, perfeito, interessantíssimo, a gente tem que sempre divulgar as informações e dos cursos passam pra questão da interpretação. Então tem esses níveis básico e intermediário avançado e terminando o avançado a gente tem a opção de continuar estudando já com foco na interpretação profissional. Então terminado os cursos que tem em torno de dois anos a gente passa pra outros dois anos e com essa vivência, essa prática já focada na tradução e interpretação de cunho educacional. Então eu passei por todos esses cursos também e eu tô fazendo todo esse esse histórico pra falar que o próprio CAS que forma esses intérpretes já pode encaminhá-los para as escolas. E essa nossa demanda é altíssima.

DAVI:- Nossa.

DANIEL: - Infelizmente a gente não tem intérpretes, assim, sobrando. Então vocês que estão escutando, vocês aqui colegas. Por favor, estudem, preparem-se bastante pra vir pra esse mercado que a gente precisa. E hoje o CAS atende o estado todo, então o foco maior, né? Onde se vê mais estudantes surdos é em Campo Grande,  mas no interior também tem diversos intérpretes que são encaminhados. Seja do próprio interior que vem pra cá se formar ou que passa pela formação à distância, como a Letícia comentou, então a gente vê que isso é um mercado que tem crescido, a gente sabe que os estudantes surdos estão em todas as escolas, seja municipal ou estadual e chegando até a universidade. Então se hoje nós temos muitos estudantes no ensino médio, por exemplo, a gente pode esperá-los na universidade.

DAVI E LETÍCIA: - Uhum.

DANIEL: - Então, quem serão os profissionais que vão atendê-los na universidade?

LETÍCIA: - Uhum.

DANIEL: - Então, tem que pensar nisso tudo.

LETÍCIA: - Então, eu vou aproveitar o gancho aí dessa tua resposta que você falou sobre o caso e sobre a sua formação nessa trajetória assim, né? Também no Instagram a gente recebeu a pergunta do @lx_ferreira. Por onde começar para conseguir as primeiras oportunidades de trabalho na área?

DANIEL: -  mais uma vez fazendo propaganda

TODOS: - (risos)

DANIEL: - sempre o CAS. Aqui o que nos atende tanto a informação quanto de apoio já para quem está atuando nas escolas é o CAS. eles têm a formação em linguística e também esse acompanhamento pedagógico tanto pros profissionais quanto para os alunos. .Então, Letícia fonoaudióloga não não tem tanto contato com a tradução e interpretação chegar ao CAS e fazer o atendimento eh dos estudantes fazer essa avaliação que as escolas encaminham, os professores são os que têm mais contato com os estudantes, podem pedir uma avaliação da audição de um estudante. Aquele estudante que fica repetindo muito, que não compreende direito o professor, pode ser pedido a coordenação e a coordenação pode encaminhar ao CAS ou como a gente tem aqui em Campo Grande, o Ceada. que é o Centro Estadual que faz o atendimento ao deficiente da comunicação.

LETÍCIA: - Essa informação aí que você da questão dessa solicitação para uma avaliação é preciosíssima, né? Porque a gente sabe, né Karina? Muitas das vezes Otite de repetição, coisas que são, que a gente não presta muita atenção, tipo, que possa tá tendo essa perda auditiva e pode ser a criança pode não ter nascido, ter se saído superbem no teste da orelhinha, mas algumas coisas que vão acontecendo ao longo da infância podem sim acarretar algumas, algumas perdas auditivas aí, entre outras coisas, né? Então, o fato de saber que pode solicitar essa avaliação no CEADA, é isso, Dani?

DANIEL:- Exato, o CEADA é o Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação. Então Seada faz esse esse primeiro atendimento do estudante, seja ele deficiente auditivo, surdo todos os graus de perda auditiva. Uhum. E pode ser encaminhado diretamente às escolas ou mesmo ao CAS com o AEE. Né? O atendimento educacional especializado. e aí fica o apelo aos meus colegas da Letras que podem fazer esse acompanhamento. Tem o contato com a LIBRAS e é da área linguística? Vá para o AEE e faça esse acompanhamento principalmente da língua portuguesa como eu já já passei por experiência, é bem interessante.

CARINA: - É interessante, é, eu posso fazer um comentário?

LETÍCIA: - Pode

DAVI: - Claro, por favor

CARINA: - Interessante eu estava ouvindo o Daniel, me parece que as nossas realidades estão aí nesse momento, pelo menos um pouco diferentes, né? Existe uma demanda bem grande de intérpretes para área educacional, aqui no Rio Grande do Sul a gente tem a questão de uma tradição de ter escolas bilíngues para surdos, a gente quando fechou escola especial com corte todo mundo ficou muito muito triste e até um pouco revoltado, ou muito revoltado. Né? Então a gente, neste momento, a gente já tem, claro, crianças em escolas inclusivas, né? Onde demanda, de fato, o intérprete educacional. Eu tive a oportunidade de trabalhar com EJA. Né? Uma intérprete educacional. Mas veja, é diferente, uma outra realidade, mas essa, ainda não é muito, me parece que aí no Mato Grosso tem

LETÍCIA: - Mato Grosso do Sul, vou te corrigir, Carina, que a gente tem uma rixa aqui, Mato Grosso do Sul

CARINA: - (RISOS) Pois é, eu já fui ao Mato Grosso do Sul e assim, me parece que tem uma demanda grande, né? Tem muitas crianças em escolas inclusivas e aí necessita ter intérprete, às vezes tem uma, na época que eu fui ao Mato Grosso do Sul para um evento, eu soube que tinha às vezes uma criança né? Na escola, ou na turma, que não tinha esse grupo de surdos na escola, né? E daí tem de fato a necessidade do intérprete, me parece que é uma demanda grande, é isso Daniel?

DANIEL: - Exato, isso aconteceu porque há alguns anos o próprio Seada encerrou esse atendimento da educação básica,

CARINA: - Ah, olha só

DANIEL: - então eles tinham além deste atendimento ao deficiente da audiocomunicação também era uma escola regular.

CARINA: - Ah e não tem mais a escola.

DANIEL: - Exato, há alguns anos encerrou o atendimento no próprio Seada e aconteceu esse boom da necessidade dos intérpretes nas escolas. Então as famílias sempre tiveram a opção de colocá-los nas escolas com outros estudantes ouvintes, mas a preferência era que os surdos se mantivessem nessa escola ceada para aprender a língua de sinais, dominar a língua portuguesa, antes de ir às escolas. Eles iam, chegavam às escolas, por exemplo, durante o ensino médio. Então, passava por todo esse processo de aquisição de ambas as línguas, a libras e a língua portuguesa e chegavam nas escolas com o domínio absurdo. Era uma questão assim, que foi colocado, como você comentou, Carina

DANIEL: - Esse encerramento da escola, dos atendimentos, foi de grande revolta na nossa comunidade surda aqui de Campo Grande. Do estado na verdade, não é? Porque como eu comentei, Campo Grande é esse polo para o Estado. Então, tinham famílias do interior que vinham pra cá e voltavam pras cidades, uma colega intérprete ela mudou de cidade, ela morava em em Coxim, e ela veio para Campo Grande justamente por conta do atendimento da filha, e com o fechamento da escola, ela mesma partiu para a parte de estudo da tradução, ela já estava estudando libras desde de que soube que a filha tinha problema auditivo, perda auditiva, e ela partiu para a área da tradução para que, caso ela precisasse voltar pra cidade dela, ela mesmo fosse intérprete nas escolas.

CARINA: -  Nossa!

LETÍCIA: - Uhum…

DANIEL: - Então, essa história do fechamento da escola e dessa professora, que agora é professora, fez assim uma comoção muito grande na nossa comunidade. Mas, aí os estudantes foram direcionados às escolas e inclusive são os que eu atendo hoje. Os que participavam no CEADA mas que agora estão nas escolas estaduais.

CARINA: - Certo. De fato, uma demanda grande para interpretação na área educacional.

DANIEL: - Exato.

CARINA: - Um pouco diferente aqui do Sul. Muito interessante isso.

DAVI: - Dani, você comentou na sua fala anterior sobre a questão da língua portuguesa, não é? Sobre o ensino de língua portuguesa. E é uma uma coisa inclusive que eu tenho pensado muito, assim, de aprender libras mesmo, que eu acho que esse processo de aprendizagem, se eu enquanto professor de língua portuguesa, futuro professor de língua portuguesa, pudesse ensinar esse meu aluno futuro, esse possível aluno surdo em libras, eu acho que iria ser muito mais significativo. Então, é uma coisa que eu tenho pra mim, assim. Mas eu sei que você teve experiência dando aula de língua portuguesa para pessoas surdas, não é? Aqui na universidade mesmo, e língua portuguesa como segunda língua. E a gente queria que você comentasse sobre essa sua experiência e falasse um pouco do que você puder sobre as principais particularidades que você percebe nesse processo de ensino e aprendizagem que existem, nesse contexto. Se existe alguma particularidade, qual que você acha que se destaca?

DANIEL: - Olha, como você comentou, eu participei do curso de língua portuguesa como segunda língua para surdos aqui na universidade, com os estudantes graduandos daqui. Eram seis estudantes de graduações diversas, inclusive um estudante de audiovisual, que é o que mais causa impacto nos ouvintes, como pode um surdo fazer audiovisual?

DAVI: - Uhum.

DANIEL: - E, então tinha surdo do audiovisual, da química, da veterinária, da arquitetura e da matemática, inclusive, e esses surdos tinham bastante dificuldade com a escrita em língua portuguesa, e a gente sabe que pra eles o atendimento foi direcionado a língua portuguesa escrita, mas com cunho acadêmico. Então, todas as nossas pesquisas eram para chegar nos artigos científicos, eram para chegar na estruturação de resumos. Então, o foco era bastante focado para a universidade. E, sim, tem muitos desafios, tem muitas particularidades. Com certeza, vou até pedir para que a Carina comente também, mas a gente sabe que como professor de português, tendo a libras para conversar com os surdos, faz toda a diferença. É uma outra questão. Nós temos aqui na na própria universidade o professor Adriano Gianotto, que é o primeiro professor doutor surdo. Ele tem esse doutorado e ele dá aula na graduação. Então desde a graduação a gente percebe essa necessidade do professor, do profissional de línguas saber a língua de sinais também. Esse contato nas escolas é visto de uma forma absurda, gente Eu não tenho palavras pra explicar como o estudante se sente realizado por ter um professor que sabe a língua dele. Eu trabalho já na rede estadual há cinco anos, e nesses cinco anos, dois professores sabiam libras, e esses foram os professores das disciplinas que os alunos mais se dedicavam. Um foi de português, o que facilitou bastante no aprendizado da língua, e um outro foi de sociologia, que também trabalha com muitos textos. Então, esses professores que sabem a língua de sinais têm a atenção, o carinho, e a dedicação dos estudantes como outros jamais terão. É uma questão que a libras abraça, alcança os estudantes pela comunidade linguística, pela comunidade surda, pela comunidade cultural. Então, esse ensino da língua portuguesa, ele passa por todos os estudos, que a Carina comentou, sobre tradução, sobre interpretação, passa pelos estudos da licenciatura, da parte de ensino e aprendizagem, com todos os nossos autores que a gente traz de repertório. Então, essa união dos conhecimentos linguísticos da língua portuguesa e da libras fazem total diferença. É de extrema importância que os professores saibam minimamente a libras para ter esse contato com os estudantes e prosseguirem com os os contatos com a libras de modo geral. Fazendo cursos, se especializando cada vez mais.

CARINA: - Eu sinto a mesma coisa que tu, Daniel. Por mais que o intérprete seja maravilhoso, a intérprete seja maravilhosa, que faça um trabalho de excelência junto ao professor, porque não é simplesmente tá lá só interpretando, eu tenho que fazer um trabalho em parceria com o professor.

DANIEL: -  Exato.

CARINA: - Tá? Então que seja incrível o trabalho. Porque, pensar numa sala de aula onde o professor está falando numa modalidade e que de repente tu tem que, um intérprete ele tem que, ao fazer a interpretação em outra modalidade que é visual, talvez algumas mudanças tenham que ser feitas. Inclusive o próprio jeito, a forma de explicar. Então, isso o professor precisa conhecer, não é? Qual é a didática que ele também vai ter que contemplar para que o intérprete possa fazer essa interpretação, os materiais eles precisam ser visuais também. Então, tem uma série de coisas dessa parceria. Então, por mais que o intérprete seja incrível, os alunos realmente têm vontade de conversar com o professor.

DANIEL: - Muito, muito importante.

CARINA: - Eu acho que é algo assim que a gente entende. De conversar com o professor, do professor conseguir chegar no próprio aluno e perguntar, está entendendo? É o básico. Como é que é? Como é que tu está? Sabe? Aquelas coisas que os professores fazem com os alunos ouvintes.

LETÍCIA: -  Uhum.

CARINA: - Tem que ter vontade de receber isso…

DANIEL: - É o mínimo da profissão. A gente tem que estar acostumado a ter esse tipo de contato com os estudantes.

DAVI: - É o… É o núcleo da aprendizagem é o diálogo.

CARINA: -  …De conversar diretamente sem precisar de intermediação… Perdão?…

DAVI: - É o núcleo da aprendizagem é o diálogo. Sem diálogo a aprendizagem é quase que ela não tem substância, ela está ali, é nessa interação mesmo.

DANIEL: - A gente usa, não é? O termo de “ensino aprendizagem” por um motivo. E é essa a troca.

DAVI: - Uhum…

DANIEL: -Então, faz parte da sala de aula…

CARINA: - Essa troca direta é muito importante. Então, o professor conseguiu se comunicar bem com o seu aluno, eu acho que é fundamental. Se ele conseguir dar aula em libras melhor ainda. É claro que numa aula onde tem surdos e ouvintes a gente tem que pensar como fazer isso, porque um professor e intérprete de todo mundo é algo um pouco complicado. Mas se todos souberem libras, se o professor consegue dar aula em libras, por que não então dar aula em libras pra todo mundo, pros ouvintes também?

LETÍCIA: - Então.

CARINA: Enfim, pensar em outras possibilidades, não é?

LETÍCIA: - Essa colocação, Carina, que tu fez agora nos leva a pergunta de um dos nossos seguidores no Instagram, chamado Davi Rodrigues, que faz a seguinte pergunta, deixou lá na nossa caixinha, “Uma sociedade ideal para as pessoas surdas, seria uma sociedade não precisasse de intérpretes de libras, ou seja, onde todos falassem libras?”. Essa pergunta é para vocês dois.

CARINA: -  Ah, então, posso começar, Daniel?

DANIEL: - Por favor, sim.

CARINA: - Ah, então, olha só, eu penso o seguinte, vamos pensar na possibilidade de não ter a língua oral então. Hã? Nós surdos e ouvintes não usando uma língua oral? Será que mesmo assim não precisaria intérprete? Será? Será que nós usamos uma língua universal? Não, né? Então, no mundo nós temos diferentes línguas. Então, acho que o intérprete não deixaria de existir. Porque tem a língua francesa, americana, argentina, venezuelana, de sinais e nós não dominamos todas as línguas, não conheço ninguém que domine todas as línguas do mundo. Imagina! Possivelmente seria necessário em algum momento ter intérprete. De uma língua de sinais para outra língua de sinais, de uma língua escrita para uma língua de sinais, uma língua escrita de um país, por exemplo, para uma outra língua de sinais de outro país…

DAVI: - É aquela…

CARINA: -…Então, eu acredito que esse é o primeiro ponto. Segundo ponto, se a gente considerasse assim: “Ó, tá, mas peraí. Não tem como a gente pensar nesse momento que todo mundo vai só a língua de sinais”, porque existe a língua oral, não é? Como é que a gente vai eliminar a língua oral das nossas vidas? Porque existe também, existem as duas, as duas são importantes, são equivalentes. Daí nós vamos pensar nas questões de bilinguismo. Dificilmente um bilíngue vai ser equivalente nas duas línguas. Equilibrado, balanceado.Ao ponto de sempre conseguir dizer tudo que ele diz na sua língua materna, também numa segunda língua porque os bilíngues podem começar a adquirir uma língua, parar, voltar, serem muito proficientes, diminuir um pouco a proficiência, e aí como é que a gente poderia pensar em não ter intérprete nesse caso? Por que, se comunicar como a gente estava conversando é uma coisa, eu posso me comunicar mas eu posso não dar uma aula, por exemplo, de medicina em libras, por exemplo, mas eu posso me comunicar muito bem com meu paciente em libras. Então existe isso também. Com uma sociedade se todos usassem libras eu acho que seria fantástico. Na comunicação no dia a dia já seria fantástico, mas pensar na questão de não ter intérprete, não ser necessário intérprete, daí eu já acho um pouco mais difícil.

DAVI: - É aquela coisa do professor de língua portuguesa. Todo mundo fala língua portuguesa, mas o professor de língua portuguesa ele é muito importante. Ele é quase que no mesmo sentido. Mas, quando eu tinha pensado nessa pergunta, eu não tinha pensado assim, agora minha mente deu  uma explosão. Eu tinha pensado nessa questão do preconceito mesmo, sabe? Uma das grandes barreiras, um dos grandes problemas que as pessoas surdas sofrem mesmo é essa questão, comunicacional, sabe? Sempre as margens por conta…

CARINA: - Uma língua minoritária.

DAVI: - Isso, isso. E aí, eu estava pensando se esses problemas sociais de acesso e tal, e essa questão que se tem da pessoa surda que também como marginalizado, na realidade. Se essas questões sociais não seriam resolvidas só com a língua, sabe? Se todos soubessem a língua. Mas talvez não. Talvez não.

LETÍCIA: -  Porque é uma questão de cultura também. O intérprete convive com essa cultura. A gente mesmo como ouvinte, por mais que você possa usar libras, você não está ali, imerso na cultura, como um intérprete geralmente está. Então, isso só mostra mesmo que todas as línguas têm muito mais do que ser só línguas. Elas carregam todo esse componente cultural que a gente precisa de um tradutor intérprete para fazer. Caso a gente não seja bilíngue nessas línguas que estão estão aí circulando.

DANIEL: - Perfeito, perfeito.

CARINA: - Ou membros de uma cultura, porque às vezes as pessoas estão na cultura surda, mas elas não são intérpretes também. E se comunicam muito bem. Como os codas, por exemplo, codas não necessariamente serão intérpretes. Alguns são, mas muitos não são, não optam por essa profissão.

DANIEL: - É legal, O coda dá um papo a parte, dá uma…

LETÍCIA: - Outra episódio!

DANIEL: - Exato, exato.

CARINA: - Convidar os codas para conversarem sobre isso, seria muito legal.

DANIEL: - Porque é muito interessante você ver a pessoa que é extremamente fluente, ela não tem problemas nenhum em relação à comunicação, mas o processo formal da tradução esbarra na experiência da pessoa. Então, ela tem um contato de vivência, mas ela não tem um contato formal. E eu acho que era mais ou menos isso que o Davi perguntou se essa questão…

CARINA: - Então, o coda pode ter diferentes níveis de proficiência.

DANIEL: - Perfeito.

CARINA: - Então, assim é, depende muito da exposição que ele tem, da experiência que ele tem no dia a dia. Em geral, os codas se comunicam, que eu saiba, muitíssimo bem com a família, mas não necessariamente eles vão ter um nível de proficiência alto, porque eles podem utilizar com a família. Em outros contextos, eles não utilizam, utilizam mais a língua falada. Então, essa questão do bilíngue entra também, esse viés, na questão da aquisição da língua pelos codas. Assim, não vamos pensar só nos codas, vamos pensar em bilíngues que têm na família um pai que usa uma língua e uma mãe que usa outra língua, não necessariamente ele vai ser um bilíngue equilibrado. Porque ele vai ter outras vivências, outras necessidades, outras motivações, e pode ser que em algum período da vida uma língua seja um pouco mais dominante, talvez ele mude de país e por algum motivo ele deixe de usar uma das línguas e tenha muito mais exposição, acesso e necessidade de usar uma língua ou outra. Então, isso que foi comentado sobre codas vale também para os bilíngues de línguas orais. Então é essa questão, de ter a língua desde o nascimento pode, de fato, e muitas codas têm a língua de sinais e a língua falada, a língua de sinais a libras e a língua falada o português, muito equilibrada. Eu conheço alguns codas que têm desde sempre. Mas não necessariamente, não é uma regra.

DANIEL: - Perfeito, perfeito.     

DAVI: - Gente, estamos indo para a nossa última pergunta.

DANIEL: - Ahh!

DAVI: -  Haha (risos).  Essa pergunta é uma pergunta frequente. A  gente sempre faz ela em todos os episódios, a gente gosta muito de fazer e é para os dois. Ela diz assim: “Quanto da sua identidade, como pessoa, como sujeito no mundo tem relação com as línguas que você fala e traduz? Você consegue se ver sem alguma delas?”.

DANIEL: - Ah, eu já vou me avançar, Carina. 

CARINA: - Vai, Daniel, pode ir!

DANIEL: - Hoje eu não consigo me desassociar da língua de sinais. Eu não consigo pensar como pessoa, como profissional, acadêmico, se eu tirar a libras da jogada. Então, a libras hoje me constitui como profissional, como acadêmico. Isso leva para o meu pessoal. Então todo esse processo de ensino-aprendizagem, de estudo, de ensino formal nas escolas, e também na universidade, me constitui como pessoa, então essa minha identidade é perpassada, transpassada pela língua de sinais. Como nosso foco é língua de sinais, não é? É muito interessante ver como isso fica imbricado na gente. É como eu comentei, não tem como eu desassociar isso. É como se tirasse uma parte de mim hoje.

LETÍCIA: - E você, Carina?

CARINA: - Ah, a mesma coisa. Também, é tirar uma parte de mim. Porque eu uso a libras e tenho um vínculo com pessoas que usam libras e me sinto parte também da comunidade surda, não só mais a comunidade ouvinte, mas também da comunidade surda. Desde 1992. Então eu tenho mais tempo de libras e português do que só português. Então é a minha vida. Claro que eu estudo linguística, sou da psicolinguística hoje em dia, então muito, mas é muito além disso. É questão da relação com as pessoas que usam a língua. Então, vai além do trabalho, tem…

DANIEL: - É uma questão afetiva também.

CARINA: - …Uma questão desse uso que é diário desde 1992, praticamente.

LETÍCIA: - Sim, foi uma das coisas que me fez pensar em ti. Assim, quando a gente estava delineando esse episódio. Pensei: “Eu preciso achar a Carina pra gente conversar, pra trazer ela”, porque o que eu associo com a tua imagem sempre foi a questão do uso da Libras, o teu envolvimento. Então, para mim tu tá identificada com a libras. O Dani também.

CARINA: - As duas culturas fazem parte, são as minhas duas culturas hoje em dia. No meu dia a dia. Então eu espero que nenhuma delas desapareça porque eu preciso das duas, eu tenho amigos e conhecidos e colegas nas duas que usam as duas línguas. O português, e os surdos também usam português, mas são surdos, têm uma identidade, são surdos ouvintes e têm os ouvintes que usam libras também. Então, tem esse terceiro lugar ainda. Tem dos ouvintes, dos surdos e dos ouvintes que usam a língua de sinais. Então, são três lugares aí. E todos eles fazem, eu acho, parte de mim, da minha história, então eu espero que nenhuma dessas partes suma. Não consigo viver sem essas três partes. Se a gente puder dividir, são três partes.

DAVI: - É muito legal porque é constitutivo mesmo. O Dani, ele ficou marcado na nossa sala, o Dani é da minha sala aqui na UF. E aparece alguma pessoa surda e, “cadê o Daniel?”. O professor Adriano…

LETÍCIA E DANIEL: - Adriano.

DAVI: - É, ele é surdo, foi da aula pra gente, as intérpretes não tinham chegado ainda. E estava complicada a comunicação, ele usou o computador para falar com a gente. Mas, a primeira coisa era: “Gente, cadê o Daniel?”.

Hahaha (todos riem).

CARINA: - Eu fico super feliz que a Letícia lembrou de mim daquela época!

LETÍCIA: - Aham!

DAVI: - Fica marcado.

CARINA: - Eu tenho um pouquinho de libras em mim aparecendo!

LETÍCIA: - Para mim vai estar sempre associado. Bom, a gente encerrou com as perguntas, mas eu queria, Carina, te escutar falar sobre o seu trabalho, o que você está realizando agora, se você pode falar alguma coisa dos projetos que você está envolvida.  Eu vi que tem um projeto muito interessante que é Sign… Aquele do dicionário.

CARINA: -  Spread the Sign.

LETÍCIA: - Isso! Spread the Sign!

CARINA: - Então, hoje em dia eu não estou mais clinicando, mas sinto bastante saudades. Estive vinculada a fonoaudiologia durante seis anos no Conselho Regional de Fonoaudiologia como conselheira, esse ano que eu interrompi, terminou a gestão. Estão me dedicando bastante a carreira acadêmica, então na graduação, com as minhas aulas, estágios, TCCs. Disciplinas de prática, de bilinguismo. Na pós, sou professora da linha psicolinguística com a já mestrando surda fazendo pesquisas sobre aquisição de língua de sinais, estou muito contente também.

LETÍCIA: -  Muito legal.

CARINA: - Nós temos cinco alunos surdos na pós-graduação em Letras.

DANIEL: - Ah que ótimo.

CARINA: - Então é legal. Aumento assim, bem significativo de dois anos pra cá, então aumentou bastante.

LETÍCIA: - Que bom.

CARINA: - Também estou envolvida no projeto de pesquisa sobre traduções idiomáticas do português para libras e também buscando conhecer um pouco mais sobre as expressões idiomáticas em livros. Esse projeto está indo um pouquinho devagar e a pandemia me atrapalhou bastante, mas eu pretendo continuar ele e finalizar inclusive o ano que vem. E em relação ao projeto Spread the Sign, é um projeto de extensão que desde 2016 eu estou envolvida, é um dicionário internacional de línguas de sinais, ele foi criado na Suécia e da Suécia, então todos os países envolvidos recebem listas que nos norteiam - em inglês - e, olha aí, já tem um processo de tradução para o português e mais um processo de tradução para libras, onde é colocado então no dicionário o termo em português e o equivalente libras na medida do possível. Claro que a gente sabe que tem toda uma questão de contexto…

LETÍCIA: - Uhum.

DANIEL: - Casos e casos.

CARINA: - …Envolvido também, mas o dicionário ele tem um objetivo maior... Inicialmente foi um objetivo maior para as pessoas que viajassem e que utilizassem línguas de sinais diferentes. Hoje ele já tem um um novo papel, ele já está se envolvendo um pouco mais nas questões educacionais. Nós do curso trabalhamos com dicionários, glossários, de tradutor-intérprete, os próprios alunos surdos utilizam também, então ele é consultado para outros fins, ele pode ser utilizado para outros fins além desse conhecimento. Então nós temos esse trabalho de fazer essa tradução e pensar também em variantes lexicais, a gente tenta ainda contemplar isso na libras. Porque o sinal do Rio Grande do Sul pode ser diferente do Mato Grosso do Sul, de alguns sinais diferentes. Então tem uma variação. Então, nesse dicionário, ele vai sendo alimentado por diferentes países, onde tem um trabalho comum, tem normas de como a gente, procura formar um padrão de como se faz esse processo, para que chegue os sinais em libras no dicionário. Então, é um trabalho que é composto por professores lá da Faced da UFRGS, também da Letras, é uma parceria Faced e Instituto de Letras, e tem integrantes surdos e ouvintes, e ainda tem parcerias com a Universidade de Pelotas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, agora o IF do Rio Grande do Sul também está colaborando nesse projeto, então é um projeto feito por muitas mãos e que, aqui no Brasil, a gente ainda, em comparação aos outros países, não estamos tão avançados, com a pandemia foi muito difícil, nós não tínhamos como gravar nem nos reunir. Então foi bem difícil. E agora que a gente está retomando, semana que vem a gente volta para as gravações.

LETÍCIA: - Ah, que legal! Eu achei lindo, a gente vai deixar na descrição desse episódio o link para o site do Spread the Sign para quem se interessar. Eu achei muito legal, é uma gama de línguas de sinais muito grande que eu vi no site de vocês, achei muito legal e muito bonito de ver também. Então a gente encerra por aqui, agradeço muito a participação de vocês dois, foi um prazer ter passado essa manhã com vocês!

DAVI: -  Nossa, com certeza!

CARINA: - Eu agradeço também! Para mim foi uma satisfação, uma alegria estar com todos vocês.

DAVI: - Esse vai para a lista dos meus episódios favoritos!

CARINA: - Eba!

DANIEL: - Hahaha (risos)! Que ótimo! Obrigada, gente, pelo convite. Carina, foi um prazer te conhecer.

CARINA: - Igualmente, obrigada!

DANIEL: - Quem sabe não sigo um aluno seu nos próximos anos.

CARINA: - Oba!

LETÍCIA: - Eu vou passar seu WhatsApp para o Daniel para vocês trocarem umas figurinhas. Então, depois de muitos anos, é muito legal estar aqui sentada e trocando essas ideias contigo! O que você precisar de parceria também da gente aqui da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul é só mandar uma mensagem e a gente troca outras figurinhas também!

CARINA: - Perfeito! Eu também fico à disposição, acredito que meus colegas da Letras também, se vocês precisarem de alguma coisa. São excelentes profissionais.

LETÍCIA: - Então tá! A gente fica por aqui, um bom final de semana, Carina, um abraço para ti.

CARINA: - Abração!

DAVI: - Beijo!

DANIEL: - Tchau, tchau!

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