Transcrição do episódio 8 - O que diz quem escuta com os olhos?

CONVIDADOS FALAM: eu tagarelarei, tu tagarelarás, ele tagarelará, nós tagarelaremos, vós tagarelareis, eles tagarelarão. (solicitar para gravarem e encaminhar para os hosts)

ANA KARLA: Hey, everybody! Este é o oitavo episódio do LínguasCast, o seu podcast sobre linguagens, identidades e otras cositas más. O título do episódio de hoje é: “O que diz quem escuta com os olhos?” Let’s que vámonos!


LETÍCIA: Olá, linguarudos, linguarudas e linguarudes! Sejam bienvenidos ao oitavo episódio do LinguasCast. Eu sou a Letícia.


DAVI: E eu sou o Davi. Hello my tongue twisters, welcome to our podcast. 


LETÍCIA: - O tema do episódio de hoje tá na ponta da língua e é bilinguismo e identidade surda.


DAVI: - E, para falar sobre ele, nós convidamos Shirley Vilhalva, professora da Faculdade de Educação (FAED), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que é escritora surda e atuante na comunidade surda.


LETÍCIA: - Professora, nós agradecemos imensamente o fato de você ter aceitado o convite da equipe do LínguasCast e … seja bem-vinda!


PROFESSORA SHIRLEY: - Boa Tarde, olá! (sinais). Se eu tiver falando baixo, vocês podem falar para eu aumentar um pouquinho a voz, para contribuir, porque o teu sem microfone aqui, mas se vocês tiverem ouvindo tranquilo, posso continuar nessa altura. Eu fico muito satisfeita, está contribuindo uma situação, se se intérprete, então realmente não vai ser uma coisa assim fluente, o tempo vai ser mais um longo, porque diferente você ter uma língua ali, rápida, para te subsidiar a agora, eu estou através do legendamento. Então, isso é diferente, porque eu tenho que esperar a frase completa para eu poder responder, mas é uma coisa legal, porque já começa, né? Por exemplo, a gente organiza, como pode acontecer, um podcast com um surdo? Se surdo sinalizante, não falante ou falante da verdade, saber essa diferença é muito legal.

DAVI: - Agora quem vai fazer a pergunta, sou eu, Davi, e a primeira caixa que agente separou é, como se caracteriza o bilinguismo na pessoa surda?


PROFESSORA SHIRLEY: (sinais) - Então, nós vamos entender primeiro, como é a comunicação, como que a pessoa entende? Eu vou colocar no geral, como linguista, eu quero que vocês entendam o seguinte… Um bebê nasce e sem ele falar ainda, ele já recebe informações auditivas. Então, essas informações auditivas ela não fala apenas uma vez, ela fala várias vezes. A mãe tem essa comunicação, o pai, a avó, então faz um feedback linguístico, até que a criança se condiciona. No caso do surdo, ele não tem, então essa, primeira língua. Se ele for filho de um ouvinte ele fica zerado, até que ele seja apresentado para a língua. Então, é muito interessante esse paralelo de você olhar quem nasce de pai e mãe ouvinte, e quem nasce de pai e mãe surtos, então isso é diferenciado, porque quando a criança nasce ali no meio surdo, ele já vaiver a lingua de sinais desde do momento que ele já saiu da barriga, então, quer dizer tempo que ele com um pai ouvinte e mãe ouvinte sem comunicação natural, quer natural, quero dizer auditiva, natural para os pais, para filhos, então ele viver sem. Vocês imaginam se os pais descobrem uma surdez com 2 anos, com 3 anos, é o tempo perdido de língua. No caso do pai surdo, ele vai imediatamente e independente de ser surdo ou ouvinte, vocês perceberam que aí já mudou? Ou seja surdou ou ouvinte ele já vai saber língua de sinais, desde que nasce por quê? Porque é uma via visual, então tem esse dois lados. Quando vocês fazem esse questionamento pra gente pensar e a refletir, então, para o pai, ouvinte a criança, ela vai demorar e vai criar um atraso linguístico, então não é um bilíngue rápido. No caso do surto ele vão já ter a língua de sinais e se o pai for alfabetizado ele vai ter a língua escrita, então isso é um caminho. Mas a maioria aqui no Brasil, os surtos são filhos de ouvintes, então monolíngue. Aí você fala, que horas que ele aprendeu a língua? Quando eles são encaminhados, por exemplo, só pela língua portuguesa, ele aprende a falar e a escrever e vai ser só monolíngue, vai ser ele também for para a língua de sinais, aí sim vai ser bilíngue, então é nesse campo para a gente entender claramente a situação parcial o que seu espaço te oferta de língua. E não quer dizer que a comunicação de apontamento quero dizer de compreensão, com detalhes linguísticos textual, uma compreensão de pensamento uma troca de sentimentos, então é essa parte que a gente vai pensar o surdo bilíngue, ele é bilíngue em que momento? É no momento que ele vai ter acesso da língua portuguesa e ele também tem a língua de sinais. Veja só não é tradução. Porque simples, é uma pergunta da língua de sinais, ele vai te responder e se pergunta da língua escrita ele vai te responder na língua escrita. Se o outro aluno, por exemplo, que tiver ou outra criança que tiver,e se você perguntar  da língua de sinais, ela não conhece ela não tem resposta para essa língua. E se ela também não tem conhecimento da língua escrita, ela não tem resposta.Travou um pouquinho aqui, travou para vocês aí?


LETÍCIA: - Nós estamos te escutando, professora, estamos escutando, estamos vendo. 


PROFESSORA SHIRLEY: - (sinais) Por exemplo, é uma legislação nova, nós temos a LDB agora, ela aceita libras, OK? Agora, veja só este aceitar não significa qualquer libras, ela vai ter que ter uma sequência, então, quer dizer, a criança, desde bebê, ela vai iniciar com a libras. É uma língua de sinais, então é um aceitar. As outras legislações que eu, no decreto 5626, ele explica que a escola vai ofertar libras, mas, as crianças que a família dizer que não quer, o intérprete da libra,ela precisa formalizar que essa criança, você não vai ficar na sala onde tem libras. Então são esses casos com o estato bilíngues. Eu estou só explicando para vocês sobre os surdos. Eu não estou falando de ouvinte agora, estou falando de surdos, vai ter o surdo monolíngue e vai ter um surdo bilíngue em relação à língua de sinais visuais, porque nós temos que entender a língua escrita, ela é uma língua visual, certo? A língua escrita você vai ler ela com o olho. A língua de sinais é uma língua visual, tudo bem, aí. Então, o que que tem o surdo ele tem as línguas visuais então, quer dizer, a escrita e a de sinais. Agora, outro surto, se ele não for colocado com a língua de sinais, ele vai ter a língua, só a língua escrita. Então é nesse caso, então hoje é só para a gente levar adiante o bilinguismo, ele ainda não acontece em grande escala no Brasil mas por que não acontece? Primeiro, a legislação é de 2021. Então, agora que vai ter segundo no Brasil, tem pouca oferta de pedagogia bilíngue. Curso de pedagogia, que forma professores bilíngues. Não é uma disciplina de 60 horas, de 51 horas, não é isso, você vai fazer 4 anos com libras. Então é isso aí, então a gente deixa bem claro em relação só a palavra bilíngue. 


LETÍCIA: - Professora, agora quem vai fazer a pergunta é a Letícia, você acha que a pessoa surda já nasce com a imposição do bilinguismo? A língua de sinais e a língua oficial do país em que ela nasceu? 


PROFESSORA SHIRLEY: (sinais) - Não, porque não tem essa questão de imposição, sabe? Assim, por exemplo, um surdo e um ouvinte ele tem oferta, como eu expliquei, na primeira parte, se o pai não quer ele tira o filho da sala, então não é uma imposição. Se, segundo a língua de sinais, é uma língua Brasileira que o primeiro registro foi feito da kaapor língua de sinais de indígena kapoor, da língua de sinais kaapor, antes da libras, pensa… Então, em 1968, já tinha um artigo em inglês explicando a língua de sinais, kaapor. Hoje nós temos o Godói, que fez uma tese na sua pesquisa em 2020, aliás, entre em esse espaço de 2020 ou 2021. Desculpa, esqueci o número do ano, mas o Godoi fez uma pesquisa que até hoje a comunidade kaapor surda tem um diferencial, por exemplo, lá na aldeia o kaapor o ouvinte busca aprender a língua de sinais. O surdo continua com a língua de sinais, então os ouvintes estão colocados na língua de sinais. No sentido que a maioria dos bilíngues, não é, por exemplo, o kaapor português e kaapor de língua de sinais kaapor, então essa é a diferença. Veja só o surdo hoje ela está numa categoria ampla, porque libras é a única língua Brasileira e leva o nome de língua Brasileira de sinais, se a gente for pensar, porque a língua portuguesa é a língua de colonização. Então, a língua do nosso país, a língua dos brasileiro, é libras. Então, qual é a imposição que tem? Se for olhar o seu lado, é sua e minha língua.


DAVI: - Professora, agora quem vai fazer a pergunta é o Davi, e sou eu. E falando em língua portuguesa, como foi para você aprender a língua portuguesa? Como é a sua relação com a língua portuguesa?


PROFESSORA SHIRLEY: (sinais) - A minha história, ela está no livro despertar do silêncio. É gratuito na internet, e despertar do silêncio, eu conto que como eu venho de uma tradição indígena de uma identidade indígena, de uma casa que falava guarani, espanhol, português e língua de sinais caseira, porque na minha época não tinha esse nome de libras, libras de 2002, não é isso? Quando a lei da libra convenceu em 2002, não era libras, hoje nós falamos libras, mas no passado a gente falava a linguagem, gesto, enfim. Eu quando nasci a família já tinha surdo, na minha família, nasce surdo há 70 anos, nós somos primos, então no livro, vocês podem conhecer melhor, mas o que eu quero dizer? Que, como a tradição indigina é meu irmão, da mesma idade, ou mais velho, ou mais novo, mais próximo, ele te guia por 18 anos, mais ou menos. Então eu tenho uma irmã que hoje também é mãe de surdo, então a minha irmã, ela me guiou por 18 anos, o que significa guiar? Desde pequeno ela vai estar junto para ouvir e falar, e eu lembro dos lábios. Então, historicamente, eu fui lendo, quando eu fui para a escola, a minha irmã foi junto, só que ela não tinha tempo. Por exemplo, para escrever, porque ela tinha que ouvir e ficar olhando para mim e eu também não tinha tempo de escrever, porque eu tinha que ficar olhando para a boca dela, então era como se fosse minha intérprete”  ou a repassadora ou a repetidoras, q que eu tinha vantagem que ela falava e ela gesticulava o que a professora estava falando. Tipo como não era um assim uma marca pronta, mas mais familiar, aí eu entendi, então essa vivência oralizada eu, hoje eu tenho mais conhecimento da oral do que da escrita. Eu sei falar melhor do que escrever, a escrita continua falha. Às vezes eu escrevo de trás para frente, de frente para trás, eu escrevo, para mim, está normal, aí as pessoas falam, não, você escreveu, é isso daqui, você escreveu essa primeira letra, essa primeira palavra, eu tinha que estar aqui, essa daqui está aqui, falei não tá tudo certo, não dá, tudo certo porque é português ou é OK? Eu tive que aprender então essa é minha questão, quanto tempo leva se você tiver um profissional hoje pra gente, fala profissional, porque a família, pais e hoje trabalho faz a diferente, eu estou falando numa coisa de 50 anos atrás, 55 anos atrás, então a é tinha condições hoje o quando a jovem já tá estudando de manhã, à tarde até outras coisas, mas o que o profissional tem que entender, quanto tempo leva para uma fala? Inicial, 5 anos para conhecimento e entendimento de fala e visualidade. Segundo passo, se ela está sendo escrita, ela está sendo visual agora escrita, mas não significa que eu sei o que está escrito aqui. Ela pode ter a palavra escrita, mas eu não sei o que é. Daí eu preciso que detalhe, detalhe, a minha irmã fazia, por exemplo, é uma palavra simples sabonete, eu sabia, eu sabia o sabonete. Mas, eu não sei escrever sabonete.

Mesmo eu sendo alfabetizada já eu não sabia porque era uma palavra nova, eu não sabia outra coisa, eu, por exemplo, que é a aposentada, eu falava aposentado porque eu não sabia que tinha o s no meio então essas informações eu tive que receber através da escrita. E aí, como você vai lidar com tudo isso? Quando você tem, eu tinha um dicionário vivo, falante junto comigo. Então, leva quanto tempo? 5, 10, 15 anos se você não tiver ninguém, leva 20 anos. Mas a maioria dos surdos são falantes, a minoria que são, sinalizantes. É ao contrário, por exemplo, eu venho de uma família de surdo, eu sou prima de surdo, eu sou tia de surdo. É diferente, eu me esforcei para aprender melhor a fala, eu não tinha essa fala. Essa fala veio depois de 27 anos. Era trancada mesmo. Não quero que vocês entendam que é… Eu precisei melhorar porque não tinha intérprete tinha que traduzir para os surdos na delegacia, no trabalho, eu tinha que ler o que era difícil, que eu usava bigode, aí não dava. Aí, como que eu ia interpretar? Difícil, mas, sempre que eu posso, eu ainda interpreto. Mas eu explico a questão da fala, hoje a tecnologia tira 10 anos. Então, em 10 anos a tecnologia contribui, porque existe o objeto digital que pode te levar muito mais rápido e compreender quanto na língua de sinais, quanto escrita e com a visualidade. 


LETÍCIA: - Professora, agora é a Letícia de novo que vai perguntar. Hoje em dia, como é o processo de aprendizagem da língua portuguesa para as crianças surdas? Acontece somente quando ela ingressa no sistema educacional ou existe alguma coisa  para a preparação para esse ingresso? 


PROFESSORA SHIRLEY: (sinais) - Hoje eu ainda vejo que não foi compreendido a necessidade da criança surda. Eu vou tentar mostrar para vocês uma coisa, para nós pensarmos, vamos pensar juntos. Quando a gente olha uma criança com alguma deficiência, você o leva para a fisioterapeuta, você leva ela para fazer o exercícios ocular, você leva para aprender o braille, aí você olha para a criança surda você não sabe o que faz, porque é uma questão linguística, e é uma questão linguística que não aparece. E essa questão, por exemplo, hoje e ficasse só assim (sinalizando: olhando para você, com os braços cruzados) não aparece. Por isso o surdo não se considera que a surdez seja uma deficiência, porque a surdez não faz falta para ele, tudo vai entrar para ele visualmente pelos olhos, então a orelha está de enfeite. Não tem essa habilidade linguística para o surdo sinalizante diferente, do surto que tem resíduo auditivo, implante coclear, então esse é diferente. Estou falando da maioria, estou falando de 30% que fica ali com o atraso linguístico, porque as pessoas não lembram de ofertar. E essas pergunta que vocês estão fazendo é uma reflexão mesmo, espera aí nasceu surdo eu vou encaminhar só para o fonoaudiólogo? Não, para o pedagogo bilíngue, para o pedagogo de leitura que vai ensinar a escrita desde bebê, quantos bebês não aprendem a escrever cedo?  O escrever quando eu falo é o olhar, quando você aprende a escrever com seus ouvidos, quando você aprende a frase inteira, quando você aprende a responder. Então às vezes a colocação que eu faço, é aprender a escrever é olhar, a ouvir, se você ouve bem uma frase você consegue interpretar ela e responder. Agora vocês estão com legendas, nesse momento? Você imagina quantas palavrinhas o surdo perde quando não tem legenda, na aula como ele vai escrever se ele não viu? Se eu articulasse... (sinais). Não tem um conteúdo linguístico, o conteúdo linguístico para o surdo é o visual, pra gente brincar visualmente. É fazer os ajustes auditivos e fazer uma mágica escrita, aí vem o cérebro e fala: - ah, agora eu sou algo que tem uma língua". Então quando se nasce surdo você tem que pensar. Qual é a oferta? língua, eu preciso de língua. Então, vamos formar pedagogos, vamos formar professores de línguas, não estou falando de língua de sinais só, de língua escrita para os surdos. Tá claro pra vocês? A pergunta eu achei muito importante, importante porque é uma pergunta muito difícil, alguém pensar o que falta para o surdo? oferece pra todas as pessoas com deficiência, mas por que que não oferece um espaço linguístico? Hoje a UFMS está abrindo a brinquedoteca, a brinquedoteca pra que a criança possa, surda, também, possa ir brincar, brincar da língua de sinais, mas como vai brincar? vai brincar em língua. Vai ter dados linguísticos da audiovisuais, q gente está organizando, vai ser um trabalho maravilhoso.


LETÍCIA: - Davi, você está aí? Acho que o Davi caiu, professora.


PROFESSORA SHIRLEY: - Meet não grava a legenda, agora pensa, o aluno vai pra casa, você vai mandar a legenda, não vai aparecer. Aí vai aparecer só o professor falando. Como que vai acontecer isso? é uma outra coisa que a gente tem que pensar.


LETÍCIA: - Só um pouquinho, professora, que eu acho que o Davi caiu, ele tá mandando mensagem pra mim, vou lhe pedir um segundinho. tá? Só um pouquinho que eu vou dar pra ele aqui, tá? Com licença.


PROFESSORA SHIRLEY: - Eu vou só te mostrar como eu assisto aula, o professor fala aqui e eu estou com o legendamento aqui e tem intérprete aqui também, então são opções que eu tenho.


LETÍCIA: - Professora, eu vou fazer a próxima pergunta, então, que seria do Davi, mas ele vai entrar novamente, eu vou fazer a pergunta. Você é surda, mas também falante de língua portuguesa. Você já falou um pouco, mas esse processo de oralização, como que ele foi, esse aperfeiçoamento da sua oralização?


PROFESSORA SHIRLEY: - Veja só, a gente, nós temos assessoria de fala, porque antes da minha idade, quando eu tinha quatro anos, não tinha fonoaudiólogo começou nos anos  Noventa, por ali. Então, a família tinha uma associação e a gente recebia como fazer o trabalho do fono, mas não tinha nada de fono, como a família tinha que ensinar a fala, como a família tinha que..., hoje, agora no meu caso, eu sou um caso à parte, como eu disse pra você, eu procurei por fonoaudióloga, eu fiz terapia também, eu trabalhei na escola de surdo onde tinham vários profissionais que o tempo todo ficava corrigindo a fala, então eu me oportunizei, fui diretora de escola de surdo, aonde tinha equipe médica, fono, professores, enfim.


LETÍCIA: - Professora, então eu vou passar pra próxima pergunta, vou avisar o Davi que eu tinha feito a pergunta dele anterior, tá? Agora é a Letícia então de novo quem vai perguntar, o que você acha da oralização da pessoa surda? Seria uma opção ou uma imposição? Como isso afeta a identidade surda? 


PROFESSORA SHIRLEY: - É relativo, nós não temos uma pergunta única. Por quê? O que é natural pra natureza humana surda, natural, que ela não tem esforço, é a língua de sinais, é natural, porque ela entra pela visão, se ela estiver ela vai sair pelas mãos e também vai ofertar a visão, tanto para o surdo quanto para o ouvinte, então a língua de sinais é uma língua natural, alimento natural. A língua portuguesa escrita também, se ela for bem ensinada, bem visual, ela também vai ser uma língua natural, porque? visão. A fala já é uma oferta, uma oferta clínica, clínica. Então é uma oferta clínica. É igual, por exemplo, se você tem uma lesão, você vai pro médico, até você conseguir levantar da cadeira e andar. Então essa, você não é obrigado, você pode ficar também sem querer andar, mas essa é uma questão clínica, tá? E de oferta. Inclusive, na escola não oferece essa parte clínica. Ela precisa ir num lugar, em outros lugares clínicos. Então isso é da responsabilidade da família levar. É lá na educação, se ele tiver, ele vai aproveitar. Por exemplo, no meu caso, eu aproveito a pala. Então eu aproveito, mas se eu não falar, como eu moro sozinha, eu passo às vezes até uma semana sem falar com ninguém. Só sinalizando com os surdos. Eu só falo muito lá na universidade, porque às vezes eu acabo sendo até intérprete dos surdos que estão próximos, professores surdos que estão próximos, alunos surdos que vêem. Então, a gente faz uma troca. Mas você conseguiu entender? que eu não tenho visão, eu não tenho visão de que as coisas são impostas quando é clínica, mas é uma oferta que pode ser dada. Vocês conseguem? é uma oferta ortopédica, fonoaudiológica. Você entende? Agora, o que é natural? É a escrita, é visual, é natural a língua de sinais. Eu vou dar um outro exemplo pra vocês, língua, língua inglês, inglês. Ah, vocês estudam seis anos de inglês na escola, não é verdade? Nós estudamos seis anos de inglês, foi imposto? Não, é uma oferta. Se for inglês e espanhol é uma oferta, você escolhe. Mas é uma oferta. Língua é só imposta  se você tirar o que é natural, pensa só, se eu tenho oferta da língua natural, língua de sinais, da língua escrita, eu tenho oferta. Gente, eu, minha bateria (pausa). 


DAVI: - Lê só um teste, cê me ouve, né?


LETÍCIA: - Sim.


PROFESSORA SHIRLEY: - Tá, ó, então gente tem que ficar bem assim, tranquilo, pra explicar isso, pra qualquer pessoa. O que que é uma oferta? E o que que é natural? Então, se eu, se eu pego o Davi, não sei se é David ou Davi. Davi, então se eu pego Davi e eu só dou libras pra ele, num dou nada falado, ele é ouvinte, então eu não tô dando ofertas possíveis para ele, eu estou impondo só uma língua. É natural o ser humano fazer três coisas, isso pela convenção internacional, ter a língua falada, ter as línguas visuais escritas e sinalizadas, isso está na convenção, no mundo todo, então se não ofertar as três, aí é uma imposição. Vocês conseguem entender claro?


DAVI: - Professora, a próxima pergunta eu de novo, Davi, vou fazer. Eh, houve um tempo em que as famílias de crianças surdas almejavam a oralização. Ainda se observa muito isso ou as famílias procuram mais a LIBRAS, hoje em dia?


PROFESSORA SHIRLEY: - A família ainda tem opção da oralização pura, porque ela não consegue ver o surdo como um ser sem deficiência, ela, um ser positivo com uma potência hoje, por exemplo, nós temos Pós-doc com o professor Adriano da UFMS, ele não tem, agora, fez acho que quarenta anos, já é Pós-doc, quantos ouvintes, ele não fala português. Quantos ouvintes Pós-doc, então depende do jeito que você vê. Tem pessoas que quando vê o surdo se sente tranquilo, tem pessoa que vê o surdo arrepia, é repugnante o surdo. E tem pessoas que quando vê o cego tranquilo, tem pessoas que quando vê o cego repugna, sai pra outro lugar, bem longe. Então esse estado da deficiência ele é muito pessoal. Ele é muito pessoal de igual, de cor, de você  gosta de pessoa afrodescendente, de indígena, se você gosta disso, daquilo, não dá pra gente falar assim, é isso ou àquilo, mas a família, ela não quer ter, por exemplo, esse sentimento que ela sente, essa fase de luto, ela não quer isso, mas hoje o Brasil também não oferta espaço pra trabalhar isso. Então são coisas que uma coisa está levando a outra, eu vou dar um, eu vou pegar um gancho pra vocês. Hoje, o professor surdo, professor surdo, você já estudou com o professor surdo? Ou seja, vocês, alguns, já tem experiência? Isso. Então vocês imaginaram que ia ter professor surdo?

Vocês nunca pensaram que ia ter professor surdo, hoje você tem um professor surdo você passa uma semana, duas semana, gente, sem entender a aula, mesmo tendo um intérprete, mas isso é porque vocês bloquearam, porque vocês tem um professor surdo e que vocês nunca imaginaram que podia ter um professor surdo. Então se eu, o que eu quero mostrar é o seu psicológico, o seu sentimento, sabe, o seu sentimento de ter um outro professor ouvinte, porque você tem vários professores ouvinte. Aí, de repente, você sente igual ouvinte, ouvinte. Aí, de repente, vem um professor surdo, te joga lá no chão. Você se sente tão pequeno na frente daquele professor surdo ali. Ele é teu professor, como que eu vou ter que aceitar o meu professor? Ele é surdo. E você está trabalhando isso na tua cabeça, gente, ninguém me preparou. Então você, quando você vai fazer uma prova, ele manda fazer de libras. Gente, eu estudei lá atrás, ninguém me falou nem do alfabeto. E agora pede a língua da comunicação, então é esse mesmo sentimento que você sente, a família também sente, só pra gente comparar. 


LETÍCIA: - Professora, agora é a Letícia quem vai perguntar novamente. Existe alguma relação entre a oralização e o implante coclear? Porque o implante coclear para as pessoas que procuram, ela vai dar um subsídio auditivo. Eu não procuro implante, por exemplo, a minha surdez é severa e profunda, a minha fala persiste, como dos meus colegas surdos falantes persiste, o implante é o caminho, veja só e volto a falar. Eu nem discuti implante porque vocês não, eu não vou perguntar para a Letícia de que grau que é teu óculos (risos), entendeu?. Aí olha, coisa que o surdo detesta, sabe qual é? A pessoa perguntar, você escuta um pouquinho?

Ooou, ninguém quer escutar um pouquinho, gente, todo mundo vai querer escutar bem, ninguém quer ver um pouquinho, colocar óculos na cara, todo mundo quer ver bem, então é a mesma situação, olho, ouvido, não se pergunte, na clara, então eu falo, ninguém chegue perguntando do óculos, que grau você tem? Ah, você escuta um pouquinho? Quem quer escutar um pouquinho? Eu não quero. Então eu prefiro ser assim mesmo, não escutar nada mesmo.


DAVI: - Professora, agora é o Davi que vai fazer a pergunta novamente. Eh, a gente quer saber se as pessoas surdas oralizadas, elas são vistas de forma diferente dentro da comunidade surda?


PROFESSORA SHIRLEY: - (risos). Olha, de 2000 pra trás, sim, era vista como ouvinte, então, se fala é ouvinte. E era visto como um ser falso, como ser falso. Não é de falsidade, não. E o certo é você nascer pra linha surda visual, o certo é você nascer ouvinte ou surdo. Não mais ou menos, não meio termo, não fica em cima do muro. Ou você é ouvinte ou você é ser surdo. Então, veja só, acho que dois mil pra trás era muito mais sério, hoje, como a libras, o, a comunidade surda vem trabalhando mais de cento e sessenta anos para que a língua de sinais aconteça no país e hoje nós temos letras-libras, nós temos universidades, libras na disciplina e hoje o trabalho é igual inglês, um salário de um intérprete que saiu essa semana, cinco mil, salário base. Então é o mesmo, eh línguas, são línguas, parte da política linguística,  não da deficiência. Então mudou, agora ser um surdo falante, e o surdo falante vai interpretar, não é mais visto como antes, eu passei por isso, de que eu era a falsa, não tinha, só que na hora que precisava alguém interpretar, a falsa precisava interpretar e era obrigado a interpretar. Então é uma situação e aí vem o lado psicológico, a falta de psicólogo que sabe língua de sinais, pra nós brasileiros, todo em processo. Pronto.


LETÍCIA: - Professora, agora é a Letícia que vai fazer a pergunta novamente. Nós vimos nas suas publicações que você estuda o surdo urbano e o surdo indígena. no que eles são diferentes e no que eles se aproximam no uso de libras? Você poderia falar um pouquinho mais sobre o assunto, por favor? 

PROFESSORA SHIRLEY: - Sim. A comunidade indígena, a maioria dos surdos, eles ainda usam ali os sinais emergente, que é, mistura com a caseira ou da escola que vai emergir na situação do Mato Grosso do Sul. Veja só, Brasil, ainda nós não temos dados concretos que vão acontecendo agora. As pesquisas, nós chegamos em média de 21 pesquisas desde 2008, né? 2008 até hoje, nós temos 12 anos a 13 anos de 21 pesquisas apenas sobre o registro e presença de surdo das escolas indígenas. Eu trabalho com as escolas indígenas e também tenho que ser território indígena. Tenho escola indígena, território urbano, eu não trabalho, eu posso orientar, mas a minha pesquisa são línguas nativas. O que que tem? Então eu fui em busca, o Mato Grosso do Sul, hoje, a oferta da LIBRAS é igual fosse o português. Por exemplo, nasceu no Brasil, não tem português, então é obrigado, todo mundo. Então lá também oferta a LIBRAS, só que se ele tiver a língua de sinais deles estruturada como estruturante estruturada, ele vai ter a língua de sinais indígena primeiro, a língua de brasileira sinais libras segundo e depois a língua indígena escrita primeira língua, a língua brasileira que é o português é a segunda, se vai ter a partir do 5° ano vai para o inglês ou espanhol. Então só estou mostrando para vocês que são 5  o indígena, o indígena são 5 línguas que eles estão envolvidos diariamente, o não indígena vai estar com a libras, português escrito e o inglês. Então a nossa diferença é o número de línguas e o tempo de língua, o número de língua para os não indígenas, número de língua para os indígenas. Ficou claro? porque é lincada com a nossa própria cultura. E é outra coisa, porque, lá a gente tá procurando trabalhar , os professores, o intérprete, para já ir buscando as coisas culturais, para ficar mais fácil ainda em relação a  interpretação da língua de sinais. Vou dar um exemplo pra vocês simples, se eu fizer isso aqui (sinal) é chocalho para os urbanos, não é? Mas lá já é diferente, é o bimaracá.



PROFESSORA SHIRLEY: – Já faz parte da reza, já faz parte dos rituais. Então essa é a cultura. E o daqui é diferente, ó (sinal). Três e cinco. Bem diferente. 


DAVI: –  Muito legal professora, muito bom. Agora é o Davi que vai fazer a próxima pergunta e a gente queria saber qual a importância da aprendizagem, da língua indígena de sinais?


PROFESSORA SHIRLEY: – A importância da língua de sinais indígena é o que eu acabei de explicar um pouquinho: a questão cultural. Os traços culturais, as regras. Então, a língua de sinais indígena, por exemplo, libras tem aqui árvore (sinal), não é? Árvore. Lá no território, árvore (sinal da língua de sinais indígena). Então, o sistema de visualidade é muito forte e detalhado. O sistema urbano tem menos detalhe. Aí vem árvores, goiaba, árvores e isso daquilo. Então aqui já vai fazendo as posições. Deu para ficar claro para vocês a importância da língua de sinais indígena? E outra coisa, pensa numa mãe indígena, num pai indígena, todos conhecem fogo (sinal) assim. A libras chega lá com fogo assim (sinal). Aí o intérprete, o professor tá explicando que lá na aldeia Jaguapiru teve um foco de fogo (sinal), próximo de outra aldeia que moram os Terenas que usam fogo (sinal). Aí o intérprete interpreta que é o fogo de lá e não sabe fazer o Terena aqui, não sabe fazer o Guarani. Não sabe fazer, é só o índio (sinal), o índio assim (sinal), o índio assim (sinal), vai fazer do jeito que ele aprendeu. Vai fazer aí um fogo, teve um fogo (sinal) lá, e aí? E lá na aldeia pegou (fogo) e aí, gente? Vocês entenderam? Fez uma confusão porque os dados linguísticos de vivência, não são Libras. Libras nós vamos aprender igual a gente aprende aqui na universidade. 


LETÍCIA: – Professora agora a Letícia que vai fazer a próxima pergunta. Essas línguas indígenas de sinais, slas são criações particulares de cada comunidade ou eles têm uma língua de sinais que eles usam entre eles?


PROFESSORA SHIRLEY: – Elas são determinadas pela cultura visual. Eu vou dar um exemplo da cultura. Cultura linguística. Lá no Sul, a gente sabe que isso daqui (sinal), quente, é o chimarrão do Sul, não é? Se a gente fizer assim (sinal) a gente sabe que é o nosso chimarrão, se a gente fizer assim (sinal), fizer frio, a gente sabe que é o nosso tereré.  Aí você vai lá no Nordeste, por exemplo, daí faz isso (sinal chimarrão), e o que é isso? É igual quando a gente pergunta alguma coisa cultural. Então, tem sinais daquela etnia, daquele povo, daquela região própria, é tudo vinculado àqueles dados linguísticos. Por quê? Porque ainda não tem pesquisa, ainda nós não encontramos nem verba, investimento para se fazer uma produção igual está acontecendo com a LIBRAS na UFSC. Lá na UFSC nós conseguimos filmar através do curso Letras/Libras, a professora Mariane fez projetos, sabe? Então é diferente. Hoje libras é patrimônio próprio do Brasil. Então as línguas de sinais elas vão acontecer. Igual não aconteceu libras? Vão acontecer línguas sinais. Tanto que hoje no nosso estado a região ali de Caarapó, de Coronel Sapucaia. Ali tem o quê? Paranhos, não é? Tem lei do Guarani, não é isso? Lei da língua, a língua indígena falada na região. Lá no Amazonas, também tem lei. E aí, é isso, ela vai acontecendo. Quando a gente vê, nós estamos, assim, num espaço muito amplo da língua, não é? 


LETÍCIA: – Professora, essa é a nossa última pergunta. A gente queria saber quanto da sua identidade, como pessoa e como sujeito no mundo tem relação com as línguas que você fala e sinaliza e se você consegue se imaginar sem alguma dessas línguas.


PROFESSORA SHIRLEY: – Se eu consigo me imaginar ou geral?


LETÍCIA: – Se você consegue imaginar você mesma sem a língua portuguesa oralizada, a língua portuguesa escrita, sem a libras que você sinaliza, o quanto elas são parte de você.


PROFESSORA SHIRLEY: – Eu, assim, não parei para pensar sobre o assunto porque como eu estou chegando aos meus sessenta anos com quase mais de vinte e cinco publicações, para quem não sabe escrever português.Tem textos que hoje eu estou até assustada porque que foi publicado aquilo. Porque está errado. Mas, eu agradeço porque dá pra ser avaliado. Como é realmente a escrita surda. Esse é o lado positivo. Então, hoje já tem legislação que pode aceitar a tese, a dissertação, da escrita surda traduzida, não, é passada para o português, padrão e língua de sinais. Já é aceita. Então é importante que o surdo saiba que ele tem esse direito. E o direito, por exemplo, na universidade precisa organizar os documentos que aceita a língua de sinais como para fazer prova da universidade. Vocês fazem prova mas vocês não tem registro, você entende? Não passou pelo conselho, por exemplo, precisa passar pelo conselho. Não estou dizendo a disciplina, estou dizendo tipo de prova, tem que estar registrada, a prova é feita na língua sinais. Então hoje o surdo desiste muito da universidade. Por quê? Porque a prova não é feita na língua de sinais. Então são coisas que são importantes. Mas, eu particularmente, eu não parei para pensar. Eu uso a minha fala para contribuir com a minha comunidade surda, faço o meu trabalho na área urbana, indígena, para contribuir com meu povo. Então, assim, para mim ter língua é natural. Como eu disse, eu não fui imposta, eu busquei, eu procurei. 


DAVI: – Professora, e agora quem vai fazer a última pergunta sou eu, Davi. As nossas perguntas já acabaram, mas a gente tem mais um pedido. A gente gostaria de ouvir a senhora falar um pouco sobre os trabalhos, as pesquisas que a senhora tem desenvolvido e realizado agora. Então a senhora poderia comentar um pouco sobre isso? 


PROFESSORA SHIRLEY: – Ótimo. A minha pesquisa atual. Eu vou fazer: o que eu escrevi? Eu já escrevi sobre duas comunidades. As comunidades de libras e a comunidade surda. A comunidade surda ela é organizada e também… Eu não sei falar, eu estou sinalizando, gente, para quem sabe. Ela é administrada pelo surdo, a comunidade surda, e a comunidade de libras é uma batalha, uma luta linguística e política da comunidade surda que passa para o governo. Quando o governo recebe como legislação, ele tem que colocar em prática. E essa prática ela tem que transformar em lei. Essa lei precisa se transformar em serviço. Para a sociedade. E quais são os serviços que a Libras e a comunidade libras trabalham? Letras/Libras, pedagogia bilíngue, pós libras, todos os cursos da área educacional, abertura das disciplinas. Por exemplo, a UEMS, são os quatro anos parece, três a quatro anos, da medicina tem libras. Na nossa própria medicina daqui da UEMS  Que interessante, não é? Então é isso, é isso que a gente começou a conversar aqui, está registrado, esse documento é muito importante também para a comunidade surda, para a comunidade ouvinte, para o cego, sabe? Para gente estar explicando para eles, que estão no espaço. Então é isso.  Eu organizei o projeto Língua de Sinais na Educação de Surdo do Mato Grosso do Sul em 1994 até 1988. Eu batalhei e tinha uma parceira, a professora Graça, maravilhosa também, professora de surdos. E quando eu fui diretora fiz vários projetos e passei, terminei minha gestão depois de sete anos. Eu fui a primeira diretora surda do Brasil. De escola pública. E também sou a primeira linguista, mestre de linguística do Brasil. É um trabalho passo a passo. O troféu de primeira, eu guardei, dentro de caixa, para não ver, para eu não parar. Troféu é aposentadoria, então não dá, não é? Eu sou aposentada, só pra vocês terem uma ideia, eu voltei para universidade para fazer o resto do trabalho que falta ainda que no ensino básico eu não consigo fazer. E aí eu fui pra área indígena para ver o que está faltando. Hoje eu ainda estou pesquisando, mas eu estou observando que o que falta é o ensino de língua na área indígena. Por exemplo, o professor  indígena do Brasil. São mais de cinco mil aldeias, pensa, faltando formação. Formar intérprete indígena. Então é nesse aspecto que a gente está levantando. E também formar e organizar como o surdo vê, sobre o que nós tratamos hoje. A língua visual, o que que falta, o professor, o legendamento, esse trabalho que nós estamos aqui fazendo não vai aparecer em outro lugar se vocês baterem uma foto agora ou print, você entende? Você não vai ter depois. Então para você registrar vai ter que ser assim. Quer dizer um print e vai colando no papel aí para vocês terem um trabalho legal depois para expor. Então o que que eu quero dizer, nessa minha rotina de ser aposentada, voltei pra universidade, a minha intenção é ensinar o que eu não consegui fazer lá. Formação de profissionais, ensinar os graduandos a receber o surdo, um médico, a receber o surdo, um professor. O meu objetivo é dizer, ó, nós estamos aqui, somos surdos, precisamos de tudo visual, precisamos de objetos digitais de aprendizagem, nós vamos aprender a nossa língua também, vamos aprender a língua escrita, só que se você falar e não tiver legenda, eu vou perder, eu não consigo estudar porque o intérprete vai para casa, eu não consigo pegar o intérprete e colocar na mochila e levar para minha casa. Então são coisas, assim, que eu estou trabalhando. Hoje a minha proposta de doutorado é pesquisar o que as pesquisas de mestrado, doutorado, registraram sobre o ensino de língua. Para a gente poder subsidiar novas pesquisas, novas formações de professores. Isso. E por outro lado, a gente também faz um trabalho de política linguística, tá? Política e direitos linguísticos. Eu faço parte como linguística e linguística aplicada, enfim. O objetivo de tudo isso não é mais separar surdos e ouvintes, não é isso. É colocar o espaço “língua”. Eu tenho um projeto de extensão na universidade que eu pesquiso, está parado porque eu estou afastada, eu pesquiso quantas línguas a universidade fala, no sentido de quantas pessoas falam outra língua além do português. Então, eu pesquiso também porque eu quero fazer um laboratório de línguas brasileiras e estrangeiras. Pode ser até de fronteiras. Então esse é o objetivo. Vai demorar e não tem pressa. Eu tenho quase quarenta anos que eu sou professora. Eu ainda estou começando agora. Então o que eu tenho de ideal para frente é conseguir fazer esse dourado. Estou na torcida de aprendizagem. Mas, para eu fazer esse doutorado, não pensem vocês que está sendo fácil. Eu trabalho com uma equipe de profissionais, eu tenho a minha orientadora, eu tenho os professores, eu tenho a assessoria textual bilíngue que me ajuda a escrever, pago particular, eu tenho a revisora como todo mundo, ouvinte e surdo têm, pago particular também. Só para vocês terem uma ideia, eu tenho um grupo de professores aposentados que contribui comigo, com meu português, com minha escrita, na minha redação, com a minha discussão. Então eu tenho um grupo de surdos e ouvintes, mestres e doutores e estudantes. Mestrado e doutorado na sexta-feira para estudar o que é dissertação, o que é tese, e aí só surdo. Então eu tenho essa equipe. Então essa equipe é organizada, é o meu fluxo contínuo. Então daí, eu quero te dizer pra vocês, a média que o surdo sinalizante paga para assessoria textual é de seiscentos, para mestre oitocentos, para doutor até mil e duzentos por mês nós pagamos. Para arrumar o português e ele tem que ser bilíngue também. Então eu estou explicando isso porque minhas palestras já falam isso, mas como vocês ainda não viram porque são fechadas, eu estou abrindo agora esses assuntos assim que eu estou falando alguns são novos de verdade, tá? Você pode ver, você vai procurar, vai encontrar a dissertação da Renata que defendeu agora e ela faz parte do nosso grupo de mestrado, de doutorado, aprendeu no grupo, e o professor Carlos, professora Elaine, mas a gente tem um gasto, a gente gasta, prefere ficar sem comer às vezes bobagem, uma pizza, um sushi, e pagar assessoria textual porque fica trabalhoso, a gente não teve, assim, o português esperado de uma dissertação, de uma tese. Eu acho que até para um ouvinte, mas pro surdo é o dobro. O que mais que eu poderia contribuir com vocês aqui? Ah existe uma associação de famílias, de pessoas surdas. Eu também faço parte. Eu acho importante que essa, eu já falei com a associação, pedi parceria com a universidade. O espaço da universidade, abrir para os indígenas, indígenas surdos, nós temos indígenas surdos dentro da nossa universidade, deve ta formando esse ano outro. Então tudo isso é interessante. É muita coisa. O surdo hoje vocês podem ver que estão nos filmes nacionais, estão nos filmes internacionais. Nós fazemos tudo. Não tem o que a gente não faz. O que a gente precisa é ter legenda, acessível, intérprete acessível, não aquele minúsculo, não é? E nem também um avatar. O avatar é bom para as coisas simples mas não para uma coisa para funcionar na complexidade linguística. Então eu espero que, eu gostei muito de conhecer vocês, e eu mando o meu abraço para a professora Carla. Então, ela me escolheu, me indicou, eu espero também a avaliação de vocês, porque como eu estou falando, que foi muito produtivo pra mim, eu falei coisas que eu vou usar na minha tese. Aí, eu não dei a tese, mas eu lembrei agora e eu já registrei. Que bom. Que está aí. E eu gostaria de saber vocês como foi para você como pessoa? 


LETÍCIA: – Professora, foi uma aula. Uma aula, eu só posso agradecer tudo que você compartilhou conosco, o seu tempo e acho que os nossos ouvintes também vão adorar escutar tudo que falou, foi uma experiência muito desafiadora pensar também em fazer essa entrevista sem os intérpretes. Então eu confesso que estava bastante tensa porque eu fiquei com muito receio de não deixar você a vontade, de você não não conseguir fazer assim, tipo, será que a gente ia saber? Será que nós conseguiríamos fazer direito, fazer de uma forma que fosse acolhedora. Então, eu só tenho a agradecer por você ter aceito nosso convite e ter dividido todo o seu conhecimento, e a sua vivência, a sua experiência, a sua identidade conosco. 


PROFESSORA SHIRLEY: – Obrigada. 


DAVI: – Para mim também professora, foi sensacional, assim. Eu acho que ouvir da vivência do outro tem o “que” a mais, assim, do que são as leituras, do que são essas cinquenta e oito horas, sessenta e oito horas dos cursos que a gente tem da licenciatura. Ouvir a senhora falar, eu acho que é muito mais do que um semestre tendo libras, estudando o mínimo que for, sabe? Então se poder ouvir de você essas coisas que ainda não foram compartilhadas eu acho que vai encontro diretamente com o nosso objetivo do podcast, o porquê do principal da gente pensar em fazer o podcast que fala sobre línguas, sobre a identidade das pessoas, envolvida com a língua. Então, eu estou muito feliz, muito feliz. Eu acho que esse é um dos episódios mais deu certo assim eu acho, sabe? Assim, com o que a gente propôs, entendeu? Então eu estou muito contente. 


PROFESSORA SHIRLEY: – Entendi. Olha que interessante eu estava pensando aqui. Todas as vezes que vocês fazem ninguém fala por exemplo, pede para falar. Para vocês falarem. Nós surdos queremos esse feedback para a gente entender como que o ouvinte pensa. Interessante, não é? Dada, eu queria só mostrar pra você que eu tava falando como eu, eu tô fazendo curso. Ah, peraí. E aí pode, pode fechar se vocês quiserem. Gente, tchau! Vamos tirar uma foto? 


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